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Desenvolvimento das habilidades comunicacionais em adolescente autista com uso de comunicação alternativa: relato de caso

RESUMO

O uso da Comunicação Alternativa para o desenvolvimento de habilidades comunicacionais de crianças com TEA tem sido aplicado com êxito nas intervenções. Entretanto, no Brasil, são escassos os estudos na faixa etária da adolescência e autistas não verbais. Este artigo tem como objetivo demonstrar o impacto do uso de um sistema de comunicação alternativa no desenvolvimento das habilidades comunicacionais em um adolescente não-verbal com TEA. Trata-se de estudo de intervenção longitudinal do tipo estudo de caso único. As habilidades foram avaliadas pelo protocolo de Avaliação da Comunicação no Transtorno do Espectro do Autismo - ACOTEA. Constatou-se que houve avanço nas habilidades comunicativas e comportamentais. A comunicação receptiva apresentou maior variação entre a primeira, segunda e terceira aplicação, evoluindo de 50% para 66,60% e, no final, para 83,30%, seguida do comportamento social 45,80% para 70,80% e depois para 75%. O uso da Comunicação Alternativa com um sistema robusto de comunicação apontou evidências do desenvolvimento de habilidades comunicativas bem como no comportamento social no adolescente com TEA assistido.

Descritores:
Transtorno do Espectro Autista; Comunicação; Fonoaudiologia; Tecnologia Assistiva; Auxiliares de Comunicação para Pessoas com Deficiência

ABSTRACT

Alternative communication has been successfully used in interventions to develop communication skills in children with ASD. However, few studies in Brazil have approached nonverbal adolescents with autism. This article aimed to demonstrate the impact of using an alternative communication system on the development of communication skills in a nonverbal adolescent presented with ASD. This is a single-case study with longitudinal intervention. Skills were assessed with the Communication Assessment in Autism Spectrum Disorder (ACOTEA). There was progress in communicative and behavioral skills. Receptive communications had a greater variation between the first, second, and third applications, increasing from 50% to 66.60% and then 83.30%, followed by social behavior, which increased from 45.80% to 70.80% and then 75%. The use of alternative communication with a robust communication system indicated evidence of the development of communication skills and social behavior in the adolescent with ASD that received the treatment.

Keywords:
Autism Spectrum Disorder; Communication; Speech, Language and Hearing Sciences; Self-Help Devices; Communication Aids for Disabled

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de interação e comunicação social e comportamentos repetitivos e restritos11. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2014..

Dentre as alterações na comunicação, podem ser observados: déficits na comunicação verbal, como déficits de linguagem expressiva e compreensiva, ausência de fala, alterações das habilidades linguísticas e fala repetitiva - ecolalias, repetição atrasada ou imediata - e alterações na prosódia. Além disso, podem ocorrer alterações na comunicação não verbal, como linguagem corporal não adequada nas situações de interação social (estranha, rígida ou exagerada), contato visual ausente ou reduzido, déficits na compreensão e uso de gestos/expressões faciais e atenção compartilhada prejudicada11. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2014..

Um dos recursos utilizados para o desenvolvimento da comunicação em pessoas com TEA é a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), uma das áreas da Tecnologia Assistiva que atende pessoas com dificuldades na comunicação (déficits na fala e/ou na escrita)22. ASHA: American Speech and Hearing Association [Internet]. Rockville: American Speech-Language-Hearing Association; Augmentative and alternative communication. [accessed 2022 jul 14]; Available at: https://www.asha.org/practice-portal/professional-issues/augmentative-and-alternative-communication.
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A CAA ajuda o indivíduo a expressar pensamentos, desejos e necessidades por meio de uma variedade de técnicas e ferramentas, incluindo placas de comunicação de imagens, desenhos de linhas, dispositivos geradores de fala, entre outros. O termo “Aumentativa” é utilizado para complementar a fala existente, e o termo “Alternativa” é usado no lugar da fala ausente ou não funcional. Além disso, o uso da CAA pode ser temporário, por exemplo, em casos de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ou permanente, para pacientes que necessitarão do uso de forma contínua ao longo da vida22. ASHA: American Speech and Hearing Association [Internet]. Rockville: American Speech-Language-Hearing Association; Augmentative and alternative communication. [accessed 2022 jul 14]; Available at: https://www.asha.org/practice-portal/professional-issues/augmentative-and-alternative-communication.
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Com o objetivo de promover as habilidades de comunicação com uso da CAA foi desenvolvido o Método DHACA - Desenvolvimento das Habilidades de Comunicação no Autismo. O método visa ampliar a comunicação funcional, tendo como premissas: 1) o desenvolvimento da imitação e Atenção Compartilhada (AC), por meio de atividades lúdicas planejadas de acordo com as preferências da criança, previamente avaliada; 2) a participação da família/cuidadores, entendendo a importância do outro no processo comunicativo; e 3) o uso no contexto sociocultural da criança. O DHACA pode ser utilizado com o livro de comunicação de baixa tecnologia ou com o aplicativo no tablet33. Montenegro ACA, Lima RASC, Xavier IALN. Desenvolvimento das habilidades comunicativas no autismo. In: Araújo ANB, Lucena JA, Studart-Pereira L, editors. Relatos de experiências em fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33..

O método tem sido utilizado, mais frequentemente, em crianças com presença mínima de atenção compartilhada, coordenação motora fina presente, sem alteração na coordenação óculo-manual, sem comorbidades como deficiência intelectual e deficiência visual. Entretanto, é possível realizar intervenção em adolescentes com TEA, desde que apresentem estes pré-requisitos.

A adolescência é uma etapa na qual ocorrem diversas mudanças físicas, psicológicas e sociais, que marcam a transição da infância para a idade adulta. Adolescentes com TEA passam por todas essas mudanças, mas diferenciam-se pelo fato de vivenciarem experiências sociais limitadas, na maioria das vezes apenas se relacionam com familiares44. Oliveira TRS, Nascimento AA, Pellicani AD, Torres GMX, da Silva K, Guedes-Granzotti RB. Speech therapy intervention in a teenager with autism spectrum disorder: a case report. Rev. CEFAC. 2018;20(6):808-14. https://doi.org/10.1590/1982-021620182068518.
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. Além disso, existem relatos de famílias retratando alterações comportamentais nessa fase, o que demonstra a importância de uma intervenção adequada que minimize os problemas de comportamento, bem como os de comunicação, uma vez que quanto mais efetiva a comunicação, mais os sujeitos podem colocar-se socialmente e desenvolver-se44. Oliveira TRS, Nascimento AA, Pellicani AD, Torres GMX, da Silva K, Guedes-Granzotti RB. Speech therapy intervention in a teenager with autism spectrum disorder: a case report. Rev. CEFAC. 2018;20(6):808-14. https://doi.org/10.1590/1982-021620182068518.
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,55. Wertzner HF, Rosal CAR, Pagan LO. Ocorrência de otite média e infecções de vias aéreas superiores em crianças com distúrbio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2002;7(1):32-9..

O uso da CAA para o desenvolvimento de habilidades comunicacionais de crianças com TEA tem sido aplicado com êxito nas intervenções. Estudos sobre o método DHACA demonstram que a intervenção com CAA promove o desenvolvimento da comunicação funcional nos aspectos morfossintático, semântico e pragmático; aumento de tempo de atenção compartilhada; melhora na interação social e na qualidade de vida das crianças com TEA e de seus familiares33. Montenegro ACA, Lima RASC, Xavier IALN. Desenvolvimento das habilidades comunicativas no autismo. In: Araújo ANB, Lucena JA, Studart-Pereira L, editors. Relatos de experiências em fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33.,44. Oliveira TRS, Nascimento AA, Pellicani AD, Torres GMX, da Silva K, Guedes-Granzotti RB. Speech therapy intervention in a teenager with autism spectrum disorder: a case report. Rev. CEFAC. 2018;20(6):808-14. https://doi.org/10.1590/1982-021620182068518.
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. Entretanto, no Brasil, há uma escassez de estudos sobre CAA, principalmente no âmbito da Fonoaudiologia e da faixa etária da adolescência ou TEA não verbal.

Considerando que o método DHACA utiliza como recurso um livro de comunicação robusto com diversas vantagens como: a ampliação da comunicação funcional e o desenvolvimento da imitação e AC, percebeu-se a necessidade de novos estudos sobre a temática, incluindo a faixa etária da adolescência. Acredita-se que a intervenção fonoaudiológica com a utilização dessa ferramenta adaptada, possibilitará ao adolescente mudanças no comportamento comunicativo, favorecendo sua interação e autonomia.

Diante do exposto, o objetivo deste relato de caso é demonstrar o impacto do uso de um sistema de comunicação alternativa de baixa tecnologia no desenvolvimento das habilidades comunicacionais em um adolescente não-verbal com TEA.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, sob o número de parecer 4.692.479, CAAE n 48157221.3.0000.5208. O responsável legal do participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi realizada em um Consultório de Fonoaudiologia de uma clínica particular, situada no município de Recife.

H.M.G, adolescente de 14 anos e 9 meses, sexo masculino, foi diagnosticado com TEA por uma neuropediatra e um psiquiatra infantil aos 2 anos e 6 meses de idade. A partir dos 03 anos iniciou as intervenções terapêuticas, dentre elas, a fonoaudiológica. Segundo o relato da família, a aquisição dos primeiros sons com funcionalidade ocorreu antes de 1 ano, produzindo onomatopeias (sons dos animais). As primeiras palavras foram emitidas próximo de 1 ano de idade e, após os 3 anos, houve a perda gradativa da habilidade de fala (regressão). Desde então, a criança foi submetida a diferentes intervenções terapêuticas nas áreas de Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Pedagogia, Psicomotricidade e Educação Física.

H.M.G não verbalizava e vocalizava baixa variedade de sons sem funcionalidade. Sua comunicação correspondia em guiar a mão do parceiro de comunicação até o item desejado e fazia uso da confirmação (sim) e negação (não) por meio dos gestos com o movimento da cabeça.

Ainda criança, apesar de ter sido apresentado ao Sistema de Comunicação por Troca de Figuras® (PECS®), não obteve ganhos com essa ferramenta para a comunicação. Não conseguindo, ao menos, utilizá-la para expressar pedidos. A família relata que teve dificuldades em utilizar esse recurso de comunicação e empregá-lo funcionalmente em seu cotidiano.

Atualmente, ele é assistido por fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, pedagogo e profissional de educação. Apresenta limiares auditivos dentro do padrão de normalidade e não possui comorbidades.

Para a avaliação comunicacional do adolescente, foi utilizado o protocolo de Avaliação da Comunicação no Transtorno do Espectro do Autismo - ACOTEA, que possui 36 itens a serem avaliados com pontuação variando entre 0 e 3, sendo 0= nunca, 1= às vezes, 2= frequentemente e 3= sempre, excetuando-se as perguntas sobre birras, estereotipias, hipersensibilidade e hiperfoco; nas quais a pontuação se inverte do seguinte modo: 0= sempre, 1= frequentemente, 2= às vezes e 3= nunca. O protocolo analisa aspectos da comunicação expressiva e receptiva e comportamento social. Ao final, somam-se as pontuações obtidas em cada item, variando o escore de 0 a 96, em que quanto maior a pontuação melhor o desempenho da comunicação funcional da criança.

Para o preenchimento do protocolo é necessário que o fonoaudiólogo busque estabelecer situações comunicativas junto ao sujeito (jogos de ação e reação, bonecos, carros, bola, jogo de encaixe, aplicativos e jogos eletrônicos, livros, etc.).

Após quatro sessões de avaliação, foi observado que o menor preferia estar sozinho, apresentou baixo interesse pelos jogos e atividades apresentadas, exceto ver e ouvir clipes musicais no canal do Youtube. Quanto às funções pragmáticas, em nenhum momento das sessões, utilizou o apontar ou verbalizou para solicitar algo, apenas para obter o que queria, pegava o item da mão da fonoaudióloga. Também não utilizou expressões sociais, nem pedido de informações. Fez vocalizações (com duas a três variações de sons) sem funcionalidade, caracterizadas como ecolalias; e apresentou alta frequência de estereotipias motoras (flaps), e mão sempre à procura de objetos com texturas.

Ao ser chamado, olhava para a fonoaudióloga. Respondeu a ordens simples e apresentou inconsistências ao responder “pare” ou ao “não”. Ele manifestou birras quando desafiado, com autoagressão (mordendo as mãos), e apresentou interesse em interagir com a terapeuta, olhando para ela, sorrindo e puxando o seu braço para lhe acompanhar.

O método DHACA foi utilizado para a intervenção, com o recurso do livro de comunicação com abas. H.M.G. era atendido em sua residência, semanalmente, sendo duas sessões individuais com duração de 1 hora, conforme apresentado no Quadro 1, que descreve as atividades e sua frequência de realização. Além disso, sua mãe e a equipe de profissionais das áreas de Pedagogia e Terapia Ocupacional receberam orientações para dar continuidade ao uso do método DHACA, nas demais sessões, nos ambientes em que o adolescente frequentava, especialmente, em casa e na escola.

Quadro 1
Descrição das atividades e a frequência de realização

Foi utilizada a versão do livro de comunicação (Anexo A Anexo A. Livro de comunicação DHACA ), composto por sessenta e seis pictogramas do vocabulário essencial, numa única página, e páginas menores, sobrepostas, com uma linha composta por dez pictogramas de vocabulário acessório, dispostos em páginas separadas de acordo com a categoria lexical, inseridas paulatinamente, durante o processo terapêutico.

O DHACA tem como objetivo desenvolver as habilidades de comunicação com uso da CAA, de modo sequenciado das habilidades a seguir:

  • Pedido com figura avulsa - Construção de Frases com Eu + Quero + uma palavra avulsa. A criança deve ser capaz de solicitar algo próximo ao interlocutor apontando para as figuras EU + QUERO no livro + figura avulsa do que deseja. A construção da frase ocorre de forma sequenciada, apontando para as figuras, podendo ser acompanhada da fala. Terá que utilizar até quatro figuras avulsas, para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

  • Pedido com acessórios. Construção de Frases com Eu + Quero + uma palavra no livro. A criança deve ser capaz de solicitar algo distante ao interlocutor apontando para as figuras EU + QUERO + uma figura no vocabulário acessório. A construção da frase ocorre de forma sequenciada apontando para as figuras, podendo ser acompanhada da fala. Terá que utilizar com interlocutores e em contextos diversos para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

  • Pedido com ampliação lexical 2A ou 1EA. Construção de Frases com Eu + Quero + duas palavras. A criança é capaz de formar frases com as figuras: EU + QUERO + duas figuras (podem ser artigos, adjetivos, numerais). A construção da frase ocorre de forma sequenciada apontando para as figuras, podendo ser acompanhada da fala. Terá que utilizar com interlocutores e em contextos diversos para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

  • Pedido de Informação/comentário - Construção de Frases com quatro ou mais palavras. A criança é capaz de formar frases com quatro ou mais palavras, fazendo perguntas, comentários ou solicitações com quatro ou mais palavras. A construção da frase ocorre de forma sequenciada apontando para as figuras, podendo ser acompanhada da fala. Terá que utilizar com interlocutores e em contextos diversos para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

  • Narrativa - Construção de Narrativas. A criança é capaz de realizar uma narrativa e aponta para as figuras de forma sequenciada podendo ser acompanhado da fala. Terá que utilizar com interlocutores e em contextos diversos.

A proposta do método, neste estudo, foi desenvolver as primeiras quatro habilidades: construção de frases com “eu quero” mais uma palavra, construção de frases com “eu quero” mais duas palavras, construção de frases com quatro ou mais palavras e construção de narrativas.

Para o desenvolvimento da primeira habilidade “Pedido com figura avulsa”, estimula-se a solicitação do item desejado construindo frases com Eu + Quero + uma palavra avulsa. Para aquisição desta habilidade, a criança deve ser capaz de solicitar algo próximo ao interlocutor apontando para as figuras EU + QUERO no livro + figura avulsa do que deseja. Inicialmente as figuras foram inseridas, fixadas na página do vocabulário essencial, com clips. Quando o adolescente já utilizava quatro figuras avulsas, houve o avanço para a segunda habilidade “Pedido com acessórios”. As figuras avulsas foram substituídas pelas páginas do vocabulário acessório em forma de abas, com até dez pictogramas por aba, separadas de acordo com as categorias lexicais. Nesta etapa foi estimulada a Construção de Frases com Eu + Quero + uma palavra no vocabulário acessório do livro.

A construção de frases ocorre de forma sequenciada, apontando para as figuras, podendo ser acompanhada ou não da fala. Para isto, foram analisadas as preferências do adolescente (alimentos, eletrônicos, livros) e, em seguida, os referidos pictogramas foram inseridos na aba de vocabulário acessório do livro de comunicação e, assim, selecionadas as atividades para que estes pictogramas fossem utilizados na sessão.

Durante as atividades os itens de interesse de H.M.G eram colocados dentro do seu campo de visão e ele era estimulado a solicitar apontando no livro de comunicação os pictogramas referentes à frase: Eu + Quero + palavra, por exemplo: “eu quero fini”.

Inicialmente foi usada dica física para ensinar a habilidade ao adolescente, substituída, gradativamente, por dicas visuais e verbais. Também se utilizou a modelagem, estratégia na qual o interlocutor demonstrava a construção da frase desejada, dando o modelo, até o menor realizar o pedido sem dicas. O item desejado era entregue ao adolescente, após a solicitação utilizando o livro de comunicação.

Importante ressaltar que, ao colher relatos e avaliações dos terapeutas, identificou-se que H.M.G. apresentava dificuldades discriminatórias visuais, pois, em algumas situações, associadas à alta motivação, ele conseguia discriminar e escolher o item exposto no vocabulário acessório, já em outros momentos ele tinha um baixo desempenho, dando a impressão de estar apontando para qualquer item, não fazendo o reconhecimento. Outros comportamentos relacionados: o fato dele ter dificuldades em manter a atenção durante as atividades e a estereotipia motora acentuada nas mãos.

O avanço para a terceira habilidade requer a generalização da segunda, ou seja, o uso com diversos parceiros de comunicação e em contextos diversos; neste aspecto a participação da família e de todos os terapeutas foi imprescindível.

Na terceira habilidade “Pedido com ampliação lexical 2A ou 1E1A”, o adolescente foi estimulado a construir frases com “Eu + Quero + duas palavras”. Para ensinar a nova habilidade, foram usadas dicas físicas, visuais, verbais, que também foram retiradas gradativamente. Como “alimento” é um dos itens de maior preferência durante as sessões, a fonoaudióloga modelou o uso dos verbos comer e beber, por exemplo: Eu + Quero + Comer + Pipoca.

Além de estimular o pedido com duas palavras, foi utilizada a estratégia da modelagem para promover o desenvolvimento lexical dos conceitos de autocuidado e sentimentos. A modelagem também foi bem direcionada para o uso de outros verbos como: abrir, sentir, acabar, esperar e ajudar, sendo empregados nas funções pragmáticas, durante a sua rotina nas seguintes situações: pedido de ajuda, aceitação de intervalo/espera e trocas de turno (“minha vez”). O adolescente começou a apresentar interesse e fazer uso, ainda que de maneira inconsistente, dos verbos mencionados acima e, com isso, passou a ampliar o uso das funções da comunicação.

A partir desta terceira habilidade, H.M.G. apresentou dificuldades durante a escolha dos itens. Muitas vezes, a escolha dos pictogramas não correspondia aos alimentos expostos, sendo perceptível as dificuldades na discriminação.

A família solicitou que o livro de comunicação fosse implementado com um sistema de alta tecnologia, visto que o adolescente tinha interesse por aparelhos eletrônicos. Após análise das possibilidades, foi escolhido o REAACT, aplicativo desenvolvido estruturalmente similar ao livro de comunicação, que permite a utilização de vocalizadores, com softwares específicos, garantindo a grande eficiência na função comunicativa. O aplicativo foi instalado no tablet, sendo essa ferramenta o único recurso acessível no tablet, para o menor compreender que aquele dispositivo seria utilizado para comunicação e não para outras finalidades.

Assim, após 10 meses de intervenção (novembro de 2020 a setembro de 2021), iniciou-se a transição do livro de baixa tecnologia para o programa REAACT. Após quatro meses com uso do REAACT, uma média de 25 sessões de intervenção, foi aplicado o ACOTEA, no qual identificou-se evolução nos itens: imitação, direção do olhar, compreensão a comandos simples, oferecimento de objetos, solicitações, demonstrações, protesto, respostas ao ‘não’, atenção compartilhada, afetividade e contato visual, bem como redução na apresentação de birras e estereotipias. Mas houve um escore reduzido quanto à comunicação expressiva, principalmente nos itens: expressar afeto e interesse em outras pessoas, chamar a atenção do outro, solicitar algo nunca oferecido, mostrar algo, pedir ajuda e nomear objetos. Inicialmente, os terapeutas utilizaram a prancha em alta tecnologia para a modelagem, mas sempre deixando acessível para o adolescente o livro em papel. À medida que H.M.G. aumentou o interesse pelo aplicativo e iniciou tentativas de manuseá-lo, passou-se a utilizar apenas o tablet com o livro em alta tecnologia. No aplicativo, foi incluído no vocabulário acessório “cumprimentos”, possibilitando que H.M.G. saudasse de diferentes maneiras, aprimorando o desempenho da habilidade social, especialmente nos lugares em que circulava, como a escola. Essa foi a habilidade que mais se destacou com o uso do aplicativo, sendo muito utilizada na escola, explorando ao máximo as oportunidades de comunicação com os colegas e funcionários da escola.

O uso do REAACT durante as trocas comunicativas do adolescente, duraram apenas quatro meses, sendo perceptível um aumento de frustração, irritabilidade, autoagressões (morder as mãos) e heteroagressões (beliscar) ao longo do seu manuseio. Esses comportamentos inadequados ocorriam à medida em que, ao tentar tocar nos pictogramas correspondentes a sua intenção, que seria exposta na estruturação frasal Eu + Quero + Palavra, o dispositivo não conseguia capturar digitalmente o toque realizado por H.M.G. provavelmente por ser leve e rápido, trazendo imprecisão ao sistema. Como já foi mencionado, o adolescente possuía dificuldades motoras finas expressivas. Isso dificultou os avanços no uso do livro DHACA em alta tecnologia para sua comunicação, sendo preciso interromper o seu uso.

Na retomada ao recurso de baixa tecnologia, o menor apresentou menos intenção comunicativa, sendo necessário investir ainda mais em atividades lúdicas de seu interesse, associadas às trocas comunicativas, compostas por substantivos, verbos e advérbios, relacionados aos itens de sua preferência.

A modelagem, neste estudo de caso, foi inicialmente realizada utilizando algumas palavras-chaves como: querer, estar, ir, abrir, pegar, comer, beber, acabar, parar, ligar, gostar, ajudar, mais, minha vez, não, sim, agora, depois, dentro e fora. Os terapeutas ou a família falavam com o adolescente ao mesmo tempo em que apontavam os pictogramas, favorecendo a linguagem receptiva dele, assim como o aprendizado de novos conceitos (ampliação do vocabulário), novas formações morfossintáticas e diferentes funções comunicativas.

Vale destacar que a modelagem exemplificando como o menor devia formular a estrutura linguística ocorreu, mais frequentemente, na habilidade pedido com 2 A ou 1E1A, em diversos momentos em que ele não produzia adequadamente a frase desejada, com uso de frases com verbos, advérbios e pronome interrogativo, do vocabulário essencial. Os terapeutas e os familiares repetiam a frase que o adolescente desejava fazer, modelando; além de inserir esses vocábulos na conversa com o paciente, seja ao fazer comentários, nomeações, perguntas ou solicitações. Por exemplo, em uma situação em que a fonoaudióloga falou e apontou para os pictogramas “Acabou a batata”, H.M.G. tinha que responder “Eu quero comer batata”, e ele só respondia apontando para os pictogramas “Eu quero batata”. Daí a terapeuta modelava apontando e falando “Verdade, você quer COMER batata. Vamos pegar?”.

Como a adolescência caracteriza-se por alterações em diversos níveis, físicas, psicológicas e sociais, foram incluídos os sentimentos e expressões faciais durante as atividades. Observou-se, de forma cada vez mais frequente, respostas como: Eu+Estar+Sentimento, expressando o seu estado, que correspondia, muitas vezes, com situações presentes no ambiente familiar.

Durante as sessões, a fonoaudióloga possibilitou a participação da família, incentivando-os e orientando-os quanto ao uso correto do livro de comunicação e da modelagem, instruindo quanto à importância de deixar o livro sempre disponível, em local de fácil acesso e levá-lo para onde fossem. Quinzenalmente, os profissionais das diferentes áreas que atendiam H.M.G. e a família se reuniam para discutir avanços e estratégias para possibilitar a ampliação da exposição do adolescente ao uso do recurso, assim forneciam modelo de como utilizar e potencializar a aprendizagem. Assim como, também havia sessões com orientações específicas junto à família.

Nesses momentos também eram feitas sugestões de atividades para o contexto familiar contemplando os objetivos da habilidade trabalhada e possibilitando maiores oportunidades de estimulação. As atividades sugeridas ao longo da intervenção foram bem aceitas pela família, porém nem sempre as colocavam em prática rotineiramente.

O período da pesquisa, no qual ocorreu a coleta, foi de 18 meses. Ao longo do processo, o ACOTEA foi aplicado em três momentos, a fim de acompanhar sistematicamente os resultados e avanços obtidos.

RESULTADOS

No presente estudo, que enfatizou o desenvolvimento das habilidades de comunicação com uso da CAA, foram destacados os resultados do protocolo Avaliação da Comunicação no Transtorno do Espectro do Autismo (ACOTEA-1) aplicado em três momentos.

Os resultados apontam avanços nas habilidades comunicativas e comportamentais após as sessões de intervenção com uso do sistema robusto de comunicação. O item do ACOTEA que apresentou maior variação entre a primeira, segunda e terceira aplicação foi a comunicação receptiva, que evoluiu de 50% para 66,60% e, no final, para 83,30%, seguida do comportamento social 45,80% para 70,80% e depois para 75%. Com relação ao item Comunicação Expressiva, da primeira aplicação para a segunda, tem-se um aumento de 38,3% para 46,60%, no entanto se observa uma redução para 41,60%, na terceira aplicação. Provavelmente, a redução pode ser explicada pela introdução do Aplicativo do REAACT, já que o adolescente apresentava dificuldade na coordenação motora fina e muitas estereotipias nas mãos (Figura 1).

Figura 1
Gráfico descritivo dos resultados do protocolo ACOTEA-1, 1ª, 2ª e 3ª intervenção

Ao ser analisada a dimensão Comunicação Expressiva (Figura 2), observa-se que a CAA favoreceu o aumento de algumas funções comunicativas, mesmo com a dificuldade de uso do aplicativo REAACT. Constata-se o avanço das funções de solicitar algo; solicitar continuidade e compartilhar ou oferecer coisas, demonstrando importante aumento da intencionalidade e da habilidade de compartilhar atenção, pré-requisito para a comunicação.

Figura 2
Gráfico descritivo do resultado da dimensão Comunicação Expressiva, do protocolo ACOTEA-1, 1ª, 2ª e 3ª aplicação

A Comunicação Receptiva (Figura 3) apresentou desenvolvimento de todas as funções comunicativas, com destaque para dirigir o olhar e compreender e executar comandos simples que variou 25% a frequência de uso.

Figura 3
Gráfico descritivo do resultado da dimensão Comunicação Receptiva, do protocolo ACOTEA, 1ª, 2ª e 3ª aplicação

O uso do CAA também favoreceu o desenvolvimento do Comportamento Social (Figura 4), como pode ser observado o aumento de 25% na frequência de uso da habilidade de imitação, de atenção compartilhada e do brincar engajado.

Figura 4
Gráfico descritivo do resultado da dimensão Comportamento Social, do protocolo ACOTEA, 1ª, 2ª e 3ª aplicação

DISCUSSÃO

Os dados obtidos, após as três aplicações do ACOTEA-1, evidenciam que a intervenção fonoaudiológica com uso do sistema robusto de CAA favoreceu o desenvolvimento das habilidades de comunicação expressiva e receptiva, bem como comportamento, com maior ênfase para as habilidades receptivas. Em estudo realizado com uso de sistema robusto de comunicação alternativa, os autores também descrevem, em seus achados, que o uso deste sistema de comunicação favorece o desenvolvimento de todas as habilidades, com um maior destaque para as de linguagem receptiva66. Walter C, Almeida MA. Evaluation of an augmentative and alternative communication program for mothers of adolescents with autism. Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(3):429-46. https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008.
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As intervenções com CAA provocam mudanças nos aspectos comunicacionais e comportamentais, sendo os resultados mais evidentes para as habilidades de comunicação do que para outras categorias de habilidades77. Montenegro ACA, Silva LKSM, Bonotto RCS, Lima RASC, Xavier IAL. Use of a robust alternative communication system in autism spectrum disorder: a case report. Rev. CEFAC. 2022;24(2):e11421. https://doi.org/10.1590/1982-0216/202224211421s.
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. Quanto às habilidades de comunicação, outros estudos demonstram os benefícios da CAA na promoção da acessibilidade comunicacional de sujeitos com TEA, com significativa evolução nas competências comunicativas55. Wertzner HF, Rosal CAR, Pagan LO. Ocorrência de otite média e infecções de vias aéreas superiores em crianças com distúrbio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2002;7(1):32-9.,88. Ganz JB, Earles-Vollrath TL, Heath AK, Parker RI, Rispoli MJDJ. A meta-analysis of single case research studies on aided augmentative and alternative communication systems with individuals with autism spectrum disorders. J Autism Dev Disord. 2012;42(1):60-74. https://doi.org/10.1007/s10803-011-1212-2. PMID: 21380612.
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Ao analisar os dados da habilidade de comunicação expressiva, observa-se que a habilidade “solicitar para que seja dada continuidade” avançou de uma frequência de "às vezes”, na 1ª aplicação, para “frequentemente”, nas 2ª e 3ª aplicações. No mesmo sentido, a habilidade “solicitar quando é retirado algum objeto” também variou positivamente de frequência, passando de “frequentemente”, nas 1ª e 2ª aplicações, para “sempre”, na 3ª aplicação. Esses resultados evidenciam um avanço na intencionalidade do adolescente em compartilhar seu interesse com o parceiro de comunicação, apresentando a habilidade de Resposta de Atenção Compartilhada (RAC), delineando um foco comum de atenção99. Pereira ET, Montenegro ACA, Rosal AGC, Walter CCF. Augmentative and alternative communication on autism spectrum disorder: impacts on communication. CoDAS. 2020;32(6):1-8. e20190167. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20202019167. PMID: 33206773.
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Os resultados ainda apontam para o crescimento do comportamento de Iniciativa de atenção Compartilhada (IAC), em situações nas quais o adolescente direcionou, de forma espontânea, a atenção do parceiro de comunicação para um objeto de seu interesse, ou seja, sem nenhuma solicitação do adulto de compartilhar interesse em relação à determinada situação. O uso da CAA amplia o uso de iniciativas e respostas de atenção compartilhada, além de favorecer o desenvolvimento de habilidades funcionais1010. Zanon RB, Backes B, Bosa CA. Conceptual differences between response and initiative of joint attention. Psicologia: Teoria e Prática. 2015;17(2):78-90..

O uso do sistema robusto de comunicação favorece a compreensão da criança quanto aos atos intencionais dos adultos direcionados a ela, impulsionando a emergência da habilidade de atenção compartilhada e demais habilidades receptivas e expressivas de comunicação66. Walter C, Almeida MA. Evaluation of an augmentative and alternative communication program for mothers of adolescents with autism. Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(3):429-46. https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008.
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. Estes dados corroboram outro estudo realizado com uso de CAA para intervenção em contexto familiar para adolescentes com TEA, que demonstra o avanço na linguagem expressiva, utilizada com intenção comunicativa e vocabulário expressivo suficiente para expressar necessidades e desejos55. Wertzner HF, Rosal CAR, Pagan LO. Ocorrência de otite média e infecções de vias aéreas superiores em crianças com distúrbio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2002;7(1):32-9..

Assim, antes do uso do livro de CAA, a habilidade comunicativa de “solicitar algo que você nunca lhe tenha oferecido” se manifestava por meio do contato visual ou puxando o outro, com atos comunicativos não verbais, após o uso do sistema robusto de CAA, o adolescente apresentou um aumento da frequência de uso dessa habilidade, além solicitar apontando no livro de CAA, sem falar. Da mesma forma, a habilidade de "chamar a sua atenção" também variou positivamente, como pode ser visto na Figura 3, apontando o desenvolvimento das habilidades comunicativas após a intervenção com o sistema robusto de CAA66. Walter C, Almeida MA. Evaluation of an augmentative and alternative communication program for mothers of adolescents with autism. Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(3):429-46. https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008.
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Esses dados corroboram um estudo que avaliou os efeitos do uso de um programa de CAA no contexto familiar por meio da capacitação de familiares de adolescentes autistas, não verbais e/ou com fala não funcional, que demonstrou avanço quanto à linguagem expressiva destes adolescentes, representado por um aumento no uso de número de figuras utilizadas pelos filhos para comunicar algo necessário, desejado, ou mesmo para informar algo, sendo estas figuras utilizadas com função comunicativa66. Walter C, Almeida MA. Evaluation of an augmentative and alternative communication program for mothers of adolescents with autism. Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(3):429-46. https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008.
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Ainda com relação à habilidade de comunicação expressiva, constatou-se que o adolescente avançou ao apresentar a iniciativa de interação social “ao oferecer coisas ou ao compartilhar”, “mostrar algo”, o que antes da intervenção não acontecia. Esse resultado mostra um avanço na reciprocidade socioemocional, levando a um aumento da motivação social para situações interativas, dado relevante, já que existe a prevalência em jovens e adultos com TEA de enfrentarem maior risco para depressão1111. Leite GA, Franco NM, dos Santos D, Pereira JEA, Xavier IALN. Contributions of alternative communication in the development of communication in children with autism spectrum disorder. Audiol., Commun. Res. 2021;26:e2442. https://doi.org/10.1590/2317-6431-2020-2442.
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Destaca-se o surgimento da habilidade de uso de produções sociais, na segunda e terceira intervenções (Figura 2). Nota-se que o adolescente não apresentava tal habilidade e desenvolveu com o uso da CAA. Esse dado é relevante, uma vez que na adolescência há um aumento das experiências de socialização e, consequentemente, mais cobrança social e o desenvolvimento das habilidades expressivas favoreceram a socialização do adolescente.

Quanto às habilidades de comunicação receptiva, os dados do ACOTEA-1, Figura 4, mostraram evolução em quase todos os subitens, como "dirigir o olhar", “responder ao não” e "compreender e executar comandos simples”. Observou-se que o adolescente progrediu da primeira para a terceira aplicação, 50%, 25% e 50%, respectivamente (Figura 3). Antes da intervenção com o CAA, o adolescente apresentava dificuldades em obedecer ao comando verbal, o parceiro de comunicação precisava utilizar gestos como o apontar. Após a intervenção, evidenciou-se desenvolvimento da habilidade de comunicação receptiva.

Em revisão de escopo com o objetivo de mapear as evidências do uso de CAA auxiliado e não auxiliado na linguagem receptiva de crianças com deficiências de desenvolvimento, os autores concluem que existem estudos de alta qualidade que sugerem que a exposição ao sistema de CAA de forma ampliada, isto é, por meio de vários estímulos, como visuais e auditivos, de modo simultâneo, pode apoiar o desenvolvimento da linguagem receptiva destas crianças. Entretanto, refere que os estudos focam na aprendizagem de vocabulário de uma única palavra ou de um único símbolo, e aponta para a ênfase predominantemente colocada na linguagem expressiva e não no desenvolvimento da linguagem receptiva, ressaltando uma lacuna identificada quanto aos efeitos da intervenção com CAA na compreensão morfológica, sintática e discursiva1212. Smith IC, White SW. Socio-emotional determinants of depressive symptoms in adolescents and adults with autism spectrum disorder: a systematic review. Autism. 2020;24(4):995-1010. https://doi.org/10.1177/1362361320908101.
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Tal achado diverge do apresentado neste estudo, no qual foi utilizado sistema robusto de comunicação e a estratégia de modelagem pelo parceiro de comunicação, com construções frasais, em contextos naturais e situações diversas, favorecendo o desenvolvimento expressivo e também receptivo nos aspectos pragmáticos, semânticos e morfossintáticos.

Ressalta-se que apesar da habilidade de “responder ao nome” ter mantido a mesma frequência, um aspecto importante é que não houve regressão de habilidades. De maneira geral, o uso do sistema de CAA promoveu uma maior responsividade da criança nas situações de interação social.

No que concerne à habilidade de comportamento social, os dados do ACOTEA-1 evidenciaram um aumento da frequência de habilidade de imitação, do brincar engajado com o outro e do contato visual. De maneira geral, o aumento no conjunto das habilidades sociais, auxiliará o desenvolvimento das habilidades expressivas de comunicação. Os dados apontam para a relevância do uso da CAA, já que a imitação é um preditor de linguagem expressiva para crianças mais velhas e adolescentes com TEA1313. Dada S, Flores C, Bastable K, Schlosser R. The effects of augmentative and alternative communication interventions on the receptive language skills of children with developmental disabilities: a scoping review. Int J Speech Lang Pathol. 2021;23(3):247-57. https://doi.org/10.1080/17549507.2020.1797165.
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Em revisão sistemática que investiga a intervenção com CAA para adolescentes e adultos com TEA, os autores destacam que a intervenção com CAA demonstra ser altamente eficaz para adolescentes e adultos com TEA. Ressaltam ainda que, apesar da relevância da intervenção precoce, os sujeitos com idades mais avançadas também se beneficiam da intervenção com CAA1414. Holyfield C, Drager KDR, Kremkow JMD, Light J. Systematic review of AAC intervention research for adolescents and adults with autism spectrum disorder. Augment Altern Commun. 2017;33(4):201-12. https://doi.org/10.1080/07434618.2017.1370495.
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Um aspecto importante a ser mencionado é o uso de dicas físicas, bem como da modelagem a cada ensino de uma nova habilidade, sendo retirada, gradativamente, à medida que a criança ia adquirindo a habilidade. O uso de dicas físicas, visuais e/ou verbais aumenta a eficiência no ensino de novas habilidades para crianças com TEA, garantindo maior compreensão e motivação para realização das atividades propostas, uma vez que esses sujeitos apresentam maior facilidade para interagir com os estímulos visuais33. Montenegro ACA, Lima RASC, Xavier IALN. Desenvolvimento das habilidades comunicativas no autismo. In: Araújo ANB, Lucena JA, Studart-Pereira L, editors. Relatos de experiências em fonoaudiologia. Recife: Editora UFPE; 2021. p. 19-33.. Pessoas com TEA, em diferentes faixas etárias, podem apresentar maior facilidade em interagir com estímulos visuais, ou seja, apresentar melhor desempenho no processamento visual, beneficiando-se do uso de estímulos concretos com pistas visuais, que promovem maior compreensão e participação nas atividades propostas1515. Pecukonis M, Plesa Skwerer D, Eggleston B, Meyer S, Tager-Flusberg H. Concurrent social communication predictors of expressive language in minimally verbal children and adolescents with Autism Spectrum Disorder. J Autism Dev Disord. 2019;49:3767-785. https://doi.org/10.1007/s10803-019-04089-8. PMID: 31187332. PMCID: PMC6988896.
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Destaca-se ainda, que todos os terapeutas, além do fonoaudiólogo, utilizavam o mesmo recurso de comunicação alternativa. A família também utilizava o livro com frequência na rotina diária e o adolescente o levava para os demais ambientes os quais frequentava, como a escola. Os pais são essenciais no processo terapêutico, possibilitando a modelagem e o acesso aos recursos e ao apoio, o que potencializa a intervenção. O engajamento da família garante que os objetivos terapêuticos sejam ampliados em contexto domiciliar, proporcionando maior sincronicidade e contingência comunicativa e social, entre a criança e seus interlocutores, ao mesmo tempo que empodera a família e diminui sua sobrecarga emocional1616. Sennott S, Light J, McNaughton D. AAC modeling intervention research review. Res Pract Pers with Sev Disabil. 2016;41(2):101-15. https://doi.org/10.1177/1540796916638822.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados demonstrados neste estudo apontam que o uso da comunicação alternativa favoreceu o desenvolvimento das habilidades de comunicação no adolescente com TEA assistido. Dentre os principais achados apresentados, destaca-se o avanço na intenção comunicativa, favorecendo o desenvolvimento da comunicação funcional, constatada pelo aumento das habilidades receptivas e expressivas de comunicação.

Salienta-se que o uso de sistema robusto e da estratégia de modelagem pelos parceiros de comunicação, com construções frasais, em contextos naturais e situações diversas possibilitaram, além do aprendizado de novos conceitos, o desenvolvimento expressivo e receptivo nos aspectos pragmáticos e morfossintáticos.

Por se tratar de um relato de caso, recomenda-se a realização de novos estudos que envolvam o uso de sistema robusto de comunicação em adolescentes com TEA, com ampliação da amostra, a fim de melhor observar os ganhos encontrados neste estudo e possibilitar a generalização dos resultados. Ressalta-se uma outra limitação, que foi a escassez de estudos envolvendo intervenção com o uso de CAA em adolescentes com TEA, dificultando a comparação dos resultados obtidos com outras amostras semelhantes.

Apesar das limitações deste estudo, os resultados apontam evidências do desenvolvimento de habilidades comunicativas e avanço no comportamento social com o uso de um sistema robusto de comunicação, com o método DHACA. Podem ser promissores estudos de intervenção para adolescentes com TEA que enfatizem a capacitação da família e demais parceiros de comunicação, visando ao uso eficaz do recurso de CAA em contextos naturais, possibilitando maiores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento das habilidades de comunicação.

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  • Estudo realizado na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil.
  • Fonte de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e Proexc - UFPE Protocolo 358216.1996.268534.03082020.

Anexo A. Livro de comunicação DHACA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2022
  • Aceito
    25 Abr 2023
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