Estimulação vestibular galvânica na melhora da atenção voluntária e da qualidade de vida em pacientes com doença de Parkinson e desequilíbrio corporal

RESUMO

A Estimulação Vestibular Galvânica (EVG) atua no equilíbrio corporal e tem se mostrado útil na melhora do humor, da qualidade de vida e de habilidades cognitivas. O objetivo deste estudo foi apresentar três casos de pacientes com doença de Parkinson e instabilidade postural que foram submetidos à EVG para melhorar o equilíbrio e avaliar o impacto dessa intervenção na cognição, no humor e na qualidade de vida. Os pacientes foram avaliados antes e após as sessões de EVG quanto a latência do potencial evocado P300, pontuação na escala de depressão geriátrica de 15 itens (EDG-15) e pelo questionário de qualidade de vida na doença de Parkinson de 39 itens (PDQ-39). Os três pacientes apresentaram melhora na latência do P300, indicando possível melhora na atenção. Apresentaram melhora na pontuação do PDQ-39, indicando possível impacto positivo na qualidade de vida. A pontuação na EDG-15 não modificou antes e após a intervenção. Nenhum paciente apresentou efeitos colaterais decorrentes da intervenção. Com base neste estudo piloto experimental de três casos, a EVG mostrou-se um método seguro e possivelmente útil para melhorar a atenção e, consequentemente, a qualidade de vida de pacientes com doença de Parkinson.

Descritores:
Doença de Parkinson; Equilíbrio Postural; Testes de Estado Mental e Demência; Qualidade de Vida; Potenciais Evocados

ABSTRACT

Galvanic vestibular stimulation (GVS) influences body balance and has proved to be useful to improve patients’ mood, quality of life, and cognitive skills. This study aimed to present three cases of patients with Parkinson’s disease and postural instability who had been submitted to GVS to improve their balance, by assessing the impact of this intervention on their cognition, mood, and quality of life. Patients were assessed before and after GVS sessions concerning P300 latency and scores on the 15-item Geriatric Depression Scale (GDS-15) and the 39-item quality-of-life Parkinson’s Disease Questionnaire (PDQ-39). The three patients’ P300 latency improved, possibly indicating improved attention. Their PDQ-39 score also improved, possibly indicating a positive impact on their quality of life. Their GDS-15 score did not change before and after the intervention. None of the patients had any intervention side effects. This three-case experimental pilot study has shown that GVS is a safe method, possibly useful to improve attention and, therefore, the quality of life of patients presented with Parkinson’s disease.

Keywords:
Parkinson Disease; Postural Balance; Mental Status and Dementia Tests; Quality of Life; Evoked Potentials

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) acomete diversas áreas do encéfalo e do tronco cerebral¹. Dentre as manifestações não motoras, a depressão e a disfunção cognitiva são destaques pela grande interferência na qualidade de vida dos pacientes¹. A depressão pode ocorrer nas fases iniciais da DP, mesmo antes das manifestações motoras clássicas, e é pior naqueles pacientes com o desequilíbrio instalado². Em paralelo às alterações cognitivas e de humor, a instabilidade postural é determinante na piora no aspecto da qualidade de vida³.

A atenção voluntária é a habilidade cognitiva que se altera nas fases iniciais de alterações cognitivas associadas à DP e também na depressão⁴.

Nos estágios iniciais da DP, o uso do P300 para testar alterações relacionadas à atenção torna-se particularmente importante, pois essas alterações cognitivas se apresentam de forma mais sutil nos estágios iniciais da doença⁵. Assim, por ser um procedimento simples e não invasivo, esse exame eletrofisiológico se torna uma ferramenta importante no reconhecimento precoce das disfunções cognitivas em pacientes com DP².

A Estimulação Vestibular Galvânica (EVG) é um tipo de estimulação elétrica que produz uma complexa resposta motora, ocular e perceptual que auxilia no processo de reabilitação postural⁶. Estudos demonstram que as vias eferentes vestibulares, que enviam estímulos para o vermis cerebelar via núcleos vestibulares, apresentam um importante efeito nas vias dopaminérgicas⁷. A EVG é capaz de ativar essas vias eferentes, como foi visto por meio da tomografia com emissão de pósitron no putâmen, em resposta à estimulação vestibular³. Desse modo, a EVG, um método seguro e indolor, pode ser uma ferramenta de reabilitação auxiliar para a instabilidade motora, com efeitos positivos para a cognição e para o humor⁸.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito da EVG aplicada em pacientes com DP e instabilidade postural em relação ao humor, à cognição e à qualidade de vida.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - SCMBH sob número do CEP 4.165.733 e do CAEE 28850619.9.3001.5138.

Trata-se de um estudo-piloto experimental em três pacientes com o diagnóstico de DP e instabilidade postural submetidos à EVG. Os pacientes foram avaliados no período de julho a dezembro de 2021 e selecionados previamente em um ambulatório específico de distúrbios do movimento. Todos já possuíam o diagnóstico de DP, estavam em uso de medicação, tinham instabilidade postural e foram submetidos a EVG para melhora do equilíbrio corporal⁹.

No presente estudo, os efeitos da EVG na cognição, humor e qualidade de vida foram considerados. As variáveis P300 (cognição auditiva), escala de depressão geriátrica de 15 itens (EDG-15) e questionário de qualidade de vida na doença de Parkinson de 39 itens (PDQ-39) foram avaliados antes e após a intervenção da EVG. Os pacientes incluídos apresentavam audição suficiente para se obter o potencial evocado P300 e cognição preservada com base no Mini Exame do Estado Mental (MEEM), considerando-se o ponto de corte igual ou inferior a 24 pontos para a definição de declínio cognitivo¹⁰. Previamente à realização do P300, os pacientes foram submetidos à audiometria tonal limiar e a perda auditiva com média quadritonal das frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 4.000 Hz acima de 40 dB foi critério de exclusão.

A avaliação eletrofisiológica da cognição auditiva pelo P300 foi feita por meio do equipamento de canal único MASBE/sistema Act Plus (CONTRONIC, Pelotas, Brasil). Os eletrodos foram posicionados seguindo o padrão Internacional de Sistema de Eletrodos (IES), utilizando uma pasta eletrolítica entre a pele e o eletrodo para melhor condutividade da corrente elétrica. O eletrodo ativo foi fixado na parte frontal, na região da linha média (Fz); os eletrodos negativos nos lobos das orelhas direita (A2) e esquerda (A1); e o terra (Fp1) fixado na região frontal mais à esquerda do Fz. Os eletrodos foram conectados ao pré-amplificador e a impedância máxima aceita foi 2 kΩ. Os estímulos auditivos foram apresentados por meio de fones de ouvido TDH-39, na intensidade de 90 dBNa, sendo os participantes orientados a identificar e contar os estímulos raros. Para cada exame, 300 estímulos foram apresentados, divididos em 80% frequentes em 1.000Hz e 20% raros em 2.000Hz, sendo o procedimento repetido pelo menos uma vez para garantir a replicabilidade do registro. A amplitude de rastreamento inicial foi de 5 uV, com o filtro passa-baixa de 20 Hz, filtro passa-alta de 1 Hz e filtro de 60 Hz. Considerou-se que idosos sem demência e com audição normal apresentam valores de P300 compatíveis com a faixa etária, sendo 300 a 340 ms entre 48 e 65 anos, 320 a 360 ms entre 66 e 81 anos¹¹.

Na triagem de depressão pela EDG-15, considerou-se o ponto de corte igual ou maior que 5 pontos¹².

O PDQ-39 é utilizado para avaliar a qualidade de vida na DP e o escore varia de 0 a 100%, sendo que quanto maior o valor pior a percepção da qualidade de vida pelo indivíduo¹³.

Testes antes e após a intervenção

Antes de serem submetidos ao protocolo de EVG, os pacientes responderam ao Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Também foram classificados com base no exame neurológico quanto ao grau de incapacidade de acordo com a escala de Hoehn & Yahr¹⁴. A caracterização da perda auditiva foi realizada por meio da audiometria tonal limiar por via aérea e via óssea e Índice de Reconhecimento de Fala.

Antes e após a intervenção, os pacientes foram submetidos ao P300, a EDG-15 e ao PDQ-39. Os examinadores que aplicaram as escalas e realizaram os testes foram previamente treinados pelos pesquisadores e a análise dos resultados foi cega quanto a ter sido feito antes ou depois da intervenção.

Estimulação Vestibular Galvânica (EVG)

O protocolo de EVG (intervenção) consistiu de oito sessões, semanais, com intensidade de corrente e tempo de duração com aumento progressivo de acordo com o protocolo de reabilitação descrito no Quadro 1.

Quadro 1
Protocolo utilizado na estimulação vestibular galvânica durante 8 semanas

Número de sessões	1° (1 sem)	2° (2 sem)	3° (3 sem)	4° (1 m)	5° (5 sem)	6° (6 sem)	7° (7 sem)	8° (2 m)
Estímulo 1	1,0/1,0/3,0	2,0/2,0/3,0	2,0/2,0/5,0	2,0/3,0/5,0	2,5/2,0/5,0	2,5/2,0/5,0	2,5/2,0/5,0	2,5/2,0/5,0
Estímulo 2	1,5/1,0/3,0	2,5/2,0/3,0	2,5/2,0/5,0	2,5/2,0/5,0	3,0/2,0/5,0	3,0/2,0/5,0	3,0/2,0/5,0	3,0/2,0/5,0
Estímulo 3	2,0/1,0/5,0	2,5/2,0/3,0	2,5/2,0/5,0	2,5/3,0/5,0	3,5/2,0/5,0	3,5/2,0/5,0	3,5/2,0/5,0	3,5/2,0/5,0

• Legenda: sem= semanas; m=meses; (voltagem em miliampere/tempo de duração do estímulo em minutos/número de repetições do estímulo)

Para a aplicação da EVG, utilizou-se o Estimulador Galvânico EVKGVS (CONTRONIC, Pelotas, Brasil). A estimulação foi realizada por meio de eletrodos de superfície, autoadesivos, descartáveis, de 3 cm de diâmetro (marca Valutrode, modelo CF3200) fixados em ambos os processos mastoideos, oferecendo estimulação binaural e bipolar. O estímulo foi gerado por um estimulador de corrente de polaridade alternada, de modo pulsada, retangular, com intensidade que varia de 1 a 3,5 mA e duração que varia de 1 a 3 minutos.

RESULTADOS

As características dos pacientes, tempo de DP, escolaridade e resultados dos exames realizados antes da intervenção estão descritos no Quadro 1. Os três pacientes não apresentavam história de doença vestibular prévia, histórico de mielite ou acidente vascular encefálico; não eram usuários de marca-passo e não tiveram mudança de medicação para o tratamento da DP nos 30 dias prévios à avaliação. Todos tinham limiar de audição na melhor orelha compatível com perda leve neurossensorial e nenhum apresentou MEEM alterado.

Em relação à escala de incapacidade de Hoehn & Yahr¹⁴ para a DP, os casos 1 e 2 se encontravam no estágio 3 (sintomas bilaterais e moderada instabilidade postural - paciente é independente, mas tem alguma perda funcional). O caso 3 no estágio 4 (incapacidade funcional importante, fica em pé e anda com ajuda)¹⁵. Os resultados das escalas e exames aplicados antes e após a intervenção encontram-se nos Quadros 2, 3 e 4.

Quadro 2
Informações quanto a gênero, idade, tempo de doença, escolaridade, limiar auditivo na melhor orelha e Mini Exame do Estado Mental

Caso	Gênero	Idade (anos)	Tempo de doença (anos)	Escolaridade (anos)	Média* do limiar auditivo na melhor orelha (Hz)	MEEM
1	masculino	77	9	8	30	25
2	masculino	70	8	4	30	28
3	feminino	65	11	4	25	27

• Legenda: MEEM = Mini Exame do Estado Mental; *considerando a média tritonal de 500, 1000 e 2000 Hz

Quadro 3
Valores do questionário de qualidade de vida e Escala de Depressão Geriátrica antes e após 8 sessões de Estimulação Vestibular Galvânica

Testes	EVG	Caso 1	Caso 2	Caso 3
PDQ-39 µ	Antes	61	45	62
	Após	21	38	40
EDG ρ	Antes	8	5	4
	Após	7	8	2

• Legenda: PDQ-39^µ = Questionário de Qualidade De Vida; EDG-15^ρ = Escala de Depressão Geriátrica; EVG = Estimulação Vestibular Galvânica; ^µ = maior pontuação indica pior percepção de qualidade de vida; ^ρ = score de corte ≥ 5 para determinar a presença de sintomas depressivos nos idosos.

No quadro 4 é possível observar que a latência do P300 reduziu após a realização da intervenção para os três casos, o que é um indicativo de melhora na atenção voluntária.

Quadro 4
Latência e amplitude do Potencial Auditivo de Longa Latência antes e após 8 sessões de Estimulação Vestibular Galvânica

Exame	EVG	Parâmetros	Caso 1	Caso 2	Caso 3
P300	Antes	Latência (ms)	376,74	379,27	351,51
		Amplitude (µV)	3,15	4,83	5,77
	Após	Latência (ms)	328,81	336,38	321,24
		Amplitude (µV)	1,9	11,83	15,8

• Legenda: ms=milissegundos; µV=microvolts; P300 = Potencial Auditivo de Longa Latência; EVG = Estimulação Vestibular Galvânica

DISCUSSÃO

No presente estudo, após a realização da EVG, os três pacientes apresentaram melhora nos parâmetros relacionados à cognição.

Pacientes com doença de Parkinson têm maior frequência de alterações cognitivas¹. Como a demência pode interferir na resposta do P300, no presente estudo, consideraram-se apenas pacientes com cognição preservada, com base na triagem pelo MEEM. Desse modo, foi possível avaliar se ocorreu alguma mudança na cognição auditiva de pacientes sem quadros demenciais com base na resposta evocada P300 após o paciente ter sido submetido às sessões de EVG. A latência do P300 reflete a velocidade do processamento auditivo aos estímulos externos, atenção e memória executiva¹⁶. Os três pacientes apresentaram redução dos valores da latência após a intervenção, o que indica possível melhora.

O presente estudo mostrou melhora na pontuação da EDG-15 após a intervenção em dois pacientes. Artigo prévio demonstrou que a EVG tem impacto positivo sobre o humor e a ansiedade¹⁷. Na DP, o aumento da velocidade de transição bradicinésica da posição de repouso para ativa foi observado com o uso da EVG¹⁸. Esse ganho contribuiu para melhorar a qualidade de vida desses pacientes e, consequentemente, o humor^19,20. Neste estudo, a pontuação obtida na aplicação do PDQ-39 melhorou após a EVG. Logo, os resultados estão alinhados com os achados da literatura sobre o impacto positivo da EVG na cognição e humor.

Artigos prévios evidenciaram que a EVG possui influências generalizadas na conectividade cerebral, podendo melhorar as interações neurais da DP^9,21.

Na DP a rede visual-cerebelar e outras projeções córtico-pontinas derivadas do córtex pré-frontal, parietal posterior, lobo temporal e sistema límbico estão prejudicados²² e acredita-se que a EVG pode promover mecanismos de aprimoramento relativos à cognição por meio do aumento da conectividade cerebelar^9,22.

O presente estudo possui algumas limitações em relação à efetividade e à eficiência da EVG na melhora da atenção e da qualidade de vida na DP. Um grupo controle que tenha recebido estímulo placebo não foi analisado e o tamanho amostral é insuficiente para qualquer análise estatística. Por outro lado, no desenho de um ensaio clínico, três casos avaliados antes e após a intervenção permitem avaliar segurança e tolerabilidade. Dentre os possíveis efeitos colaterais da aplicação do EVG, parestesia, prurido cutâneo no local do eletrodo e disgeusia foram relatados²². No presente estudo, nenhum paciente apresentou queixas relacionadas a possíveis efeitos colaterais decorrentes da intervenção.

CONCLUSÃO

Com base na análise de três casos antes e após, a EVG mostrou ser um método seguro, bem tolerado, de fácil execução e possivelmente útil para melhorar a função executiva e atenção e, consequentemente, a qualidade de vida de pacientes com DP e desequilíbrio corporal.

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• Estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  28 Jan 2023
• Aceito
  12 Jun 2023