Determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo: uma revisão de escopo

RESUMO

Objetivo:

mapear os determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo.

Métodos:

revisão de escopo realizada seguindo a metodologia do JBI, concomitantemente com as recomendações do checklist PRISMA-Extension for Scoping Reviews. A coleta de dados foi realizada nas bases de dados Medline/PubMed, Lilacs, Cinahl, Scopus e Embase e, para identificação da literatura cinzenta, utilizou-se a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. A síntese dos resultados foi organizada em três modelos teóricos: distal, intermediário e proximal.

Revisão da Literatura:

foram encontrados 3.998 títulos e, após todas as etapas de seleção, foram incluídos 145 estudos, de diferentes desenhos metodológicos, publicados entre os anos de 2002 e 2022. Foram mapeados como determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo: escolaridade materna, renda familiar, realização e número de consultas no pré-natal, orientação e práticas do aleitamento materno, tempo até a primeira mamada, sexo do recém-nascido, trabalho materno e licença-maternidade, uso de chupeta e orientações sobre aleitamento materno exclusivo nos serviços de saúde.

Conclusão:

os determinantes que podem facilitar ou dificultar o aleitamento materno exclusivo são extrínsecos e intrínsecos ao binômio mãe e bebê, e fazem-se necessárias políticas públicas que protejam o direito de amamentação de qualquer ser humano.

Descritores:
Aleitamento Materno; Saúde Materno-infantil; Determinantes Sociais da Saúde

ABSTRACT

Purpose:

to map health determinants associated with exclusive breastfeeding.

Methods:

a scoping review conducted according to the JBI methodology and recommendations in PRISMA-Extension for Scoping Reviews. Data were collected in the MEDLINE/PubMed, LILACS, CINAHL, Scopus, and EMBASE databases and in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations for the grey literature. The results were synthesized and organized into three theoretical models: distal, intermediate, and proximal.

Literature Review

altogether, 3,998 titles were found, of which 145 were included in the review, after all selection stages. They had various methodological designs and were published between 2002 and 2022. The following health determinants associated with exclusive breastfeeding were mapped: maternal educational attainment, family income, attendance to and frequency of prenatal care, breastfeeding guidance and practices, time until first breastfeeding, newborn’s sex, maternal employment and maternity leave, pacifier use, and exclusive breastfeeding guidance at health services.

Conclusion:

determinants that can facilitate or hinder exclusive breastfeeding are extrinsic and intrinsic to the mother and infant. Public policies are needed to protect every person’s right to breastfeeding.

Keywords:
Breast Feeding; Maternal and Child Health; Social Determinants of Health

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS)¹ estabeleceu como meta aumentar as taxas de aleitamento materno exclusivo (AME) nos 6 primeiros meses de vida para 50% até o ano de 2025. Não obstante os inúmeros esforços de promoção, proteção e incentivo à amamentação, essas taxas ainda estão aquém do recomendado.

Entre as medidas já adotadas, a OMS ratifica a importância de quatro ações principais, a saber: licença-maternidade remunerada de seis meses a todas as mães trabalhadoras, bem como a instituição de políticas que incentivem a amamentação no trabalho e em locais públicos; fortalecimento dos sistemas de saúde; apoio às mães, com aconselhamento sobre AME e a limitação de divulgação de fórmulas infantis, sendo esta monitorada por órgão competente^1,2.

A amamentação exclusiva até os 6 meses de idade e complementada com alimentos saudáveis até os 2 anos ou mais é altamente defendida. O AME é sabidamente benéfico para o binômio mãe-bebê, protege os bebês contra todas as formas de desnutrição, além de proteger as mães contra doenças, como diabetes e câncer de mama³.

As baixas taxas de AME apresentam impacto direto na economia global, uma vez que os países perdem mais de 300 bilhões de dólares por ano¹ devido à pouca adesão ao AME. Portanto, estudos que monitorem e guiem os determinantes ao AME nos diferentes cenários e culturas são primordiais.

Os determinantes associados ao AME constituem diferentes estudos, mostrando uma heterogeneidade entre os vários países. O papel da mãe é indispensável para o sucesso da amamentação, porém este não é de exclusiva responsabilidade dela. Trata-se de uma responsabilidade coletiva, portanto, de toda a sociedade⁴. Ao longo dos anos e com as mudanças pelas quais a sociedade passa diariamente, os determinantes em saúde podem ter sofrido possíveis alterações e/ou novos podem ter surgido. Portanto, mapear os determinantes e compreendê-los pode contribuir para as boas práticas para a amamentação, o que reforça a necessidade e a importância da elaboração deste estudo.

Dessa forma, esta revisão de escopo teve como objetivo mapear os determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo.

MÉTODOS

Protocolo e Registro

Esta revisão de escopo foi realizada seguindo a metodologia Joanna Briggs Institute (JBI)⁵, concomitantemente com as recomendações do checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA-ScR)⁶. O protocolo foi registrado na plataforma Open Science Framework (OSF), com acesso por meio do seguinte link: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/74MR5

Formulação da questão de pesquisa

Utilizou-se o acrônimo PCC (população, conceito e contexto) para formulação do objetivo do estudo: P (população)= lactantes e lactentes; C (conceito)= determinantes em saúde; C (contexto)= aleitamento materno exclusivo⁵. A questão norteadora do estudo é: quais são os determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo no binômio lactante e lactente?

Critérios de Inclusão

Participantes (P): esta revisão considerou estudos que incluíram lactantes e lactentes menores de 24 meses de idade.

Conceito (C): consideraram-se estudos que exploravam determinantes em saúde do AME. O mapeamento foi subsidiado por uma adaptação do modelo conceitual de Boccolini⁷, sendo contemplados para esta revisão os níveis: distal (características familiares/domiciliares e maternas), intermediário (características da gravidez e da atenção pré-natal, características do parto e maternas durante a internação hospitalar e características do recém-nascido) e proximal (características das nutrizes/família, dos bebês e dos serviços de saúde).

Contexto (C): o contexto desta revisão foi o AME, considerando a concepção recomendada pela OMS - AME - quando a criança recebe somente leite, direto da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais ou medicamentos. Contemplaram-se os cenários dos serviços de saúde, domiciliares ou que consideraram os dados de bases e inquéritos populacionais¹.

Critérios de exclusão

Foram excluídas notícias de jornais, blogs e editoriais e artigos que não deixaram claros os métodos utilizados ou que apresentaram resultados que não se alinhavam ao objetivo deste estudo.

Tipos de fonte

Esta revisão de escopo considerou desenhos de estudo de métodos quantitativos, qualitativos, mistos e revisões. Foi realizada leitura cuidadosa das listas de referências de todos os estudos e revisões elegíveis para identificar possíveis estudos adicionais. Consideraram-se estudos primários, teses e dissertações inéditas, além da “literatura cinza”. As seguintes bases de dados foram utilizadas: Medline via PubMed, Lilacs, Cinahl, Scopus via Elsevier e Embase. Para a identificação da literatura cinzenta, utilizou-se a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (BDTD). A limitação temporal não foi definida, tendo em vista a trajetória do conceito vinculado aos determinantes em saúde. Nenhuma limitação de idioma foi aplicada.

Seleção de dados

A estratégia de busca incluiu termos controlados e palavras-chave relacionadas aos itens que compõem a estratégia PCC, associados com os operadores booleanos AND e OR. A estratégia de busca, incluindo todas as palavras-chave e termos de indexação identificados, foi adaptada para cada fonte de informação (Quadro 1).

Quadro 1
Estratégia de busca por base de dados

Medline	(((Breast[ti] AND (Feed*[ti] OR milk[ti])) OR Breastfeed*[ti] OR Breastfed[ti]) AND (exclusive*[tiab] OR only[tiab] OR full[tiab])) AND («associated factors»[tiab] OR aspect[tiab] OR cause[tiab] OR circumstance[tiab] OR determinant[tiab] OR «Associated Factor»[tiab]).
Lilacs	((ti:Breast AND ti:(Feed* OR milk)) OR ti:Breastfed* OR ti:Breastfeed* OR ti:amamanta* OR ti:amamenta* OR ti:aleitamento) AND tw:(exclusiv* OR only OR full OR apenas OR unicamente OR somente) AND tw:(«associated factors» OR aspect OR cause OR circumstance OR determinant OR «Associated Factor» OR «fatores associados» OR causa OR Circunstancia OR determinante OR «fator associado» OR «factores asociados» OR «factor asociado»).
CINAHL	TI ((Breast AND (feed* OR milk)) OR breastfeed* OR breastfed) AND (AB ((exclusive OR only OR full) AND («associated factors» OR aspect OR cause OR circumstance OR determinant OR «Associated Factor»)) OR TI ((exclusive OR only OR full) AND («associated factors» OR aspect OR cause OR circumstance OR determinant OR «Associated Factor»)))
Scopus	(((TITLE(Breast) AND (TITLE(Feed*) OR TITLE(milk))) OR TITLE(Breastfeed*) OR TITLE(Breastfed)) AND (TITLE-ABS(exclusive*) OR TITLE-ABS(only) OR TITLE-ABS(full))) AND (TITLE-ABS(«associated factors») OR TITLE-ABS(aspect) OR TITLE-ABS(cause) OR TITLE-ABS(circumstance) OR TITLE-ABS(determinant) OR TITLE-ABS(«Associated Factor»))
EMBASE	(((Breast:ti AND (Feed*:ti OR milk:ti)) OR Breastfeed*:ti OR Breastfed:ti) AND (exclusive*:ti,ab OR only:ti,ab OR full:ti,ab)) AND (‘associated factors’:ti,ab OR aspect:ti,ab OR cause:ti,ab OR circumstance:ti,ab OR determinant:ti,ab OR ‘Associated Factor’:ti,ab)
BDTD	«(Todos os campos:»Aleitamento materno» OR amamentação OR Breastfeed OR Breastfed OR Breastfeeding E Todos os campos:apenas OR unicamente OR somente OR exclusivo OR «associated factors» OR aspect OR cause OR circumstance OR determinant OR «Associated Factor» E Todos os campos:»fatores associados» OR causa OR Circunstancia OR determinante OR «fator associado» OR «factores asociados» OR «factor asociado»)»

Extração de dados

No processo de seleção dos estudos para compor a revisão de escopo, os resultados das buscas foram enviados ao programa Endnote Web⁸, um gerenciador de referências, para a remoção de estudos duplicados. Posteriormente, a seleção dos estudos foi realizada de maneira independente por dois revisores (ALBS) e (CRSF) por meio da plataforma de seleção Rayyan⁹. Inicialmente os artigos foram selecionados após a leitura de título e resumo, assim os que atenderam aos critérios de elegibilidade, e por consenso dos dois revisores, foram separados para leitura na íntegra para inclusão ou exclusão na revisão. As discordâncias na elegibilidade dos estudos foram resolvidas por um terceiro revisor (PGS), e, no caso de exclusão, foi registrado o motivo em todas as fases do processo de seleção dos estudos.

Os dados foram extraídos e transferidos para tabelas com as seguintes informações: ano de publicação, origem/país de origem, continente, tipo de estudo, prevalência do AME e determinantes.

Síntese dos Resultados

Os estudos que compuseram a síntese desta revisão foram elencados em forma de tabelas e gráfico. As variáveis associadas ao AME foram classificadas, segundo o modelo conceitual sugerido por Boccolini⁷. Foram elas: distais (características familiares/domiciliares e maternas), intermediárias (características da gravidez e da atenção pré-natal; características da atenção ao parto, maternas durante a internação hospitalar e do recém-nascido) e proximais (características das nutrizes/família, dos bebês e dos serviços de saúde).

Os dados extraídos foram incluídos na tabela com os determinantes do AME conforme níveis hierárquicos (Quadro 2).

Quadro 2
Determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo conforme modelo teórico Boccolini

Distal
Características familiares ou domiciliares	Características que envolvem a rede de apoio materno, como idade e escolaridade paterna, renda familiar, condições de moradia.
Características maternas	Características da cor da pele ou raça, idade, escolaridade, paridade, experiência prévia com amamentação, situação conjugal.
Intermediário
Características da gravidez	Estado nutricional materno, desejo pela gravidez, tabagismo, alcoolismo, atenção pré-natal, realização de pré-natal e número de consultas, informações sobre aleitamento materno, participação em grupo de pré-natal, financiamento do pré-natal.
Características de atenção ao parto	Nascer em Hospital Amigo da Criança ou com Banco de Leite Humano, financiamento da maternidade, orientações em aleitamento materno, práticas em aleitamento materno.
Características maternas durante a internação hospitalar	Intenção de amamentar, tipo de parto, tempo até a primeira mamada, aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar.
Características do recém-nascido	Peso ao nascer, idade gestacional, intercorrências imediatas após o parto, sexo do recém-nascido.
Proximal
Características das nutrizes /família	Trabalho/licença-maternidade, cansaço e indicadores emocionais, conhecimento sobre aleitamento materno exclusivo, dificuldades em amamentar, convivência e apoio familiar, cuidador da criança.
Características dos bebês	Idade, saúde, uso de chupeta.
Características dos serviços de saúde	Tipo de financiamento da atenção primária em saúde, tipo de unidade básica, satisfação das mães com apoio recebido do serviço, orientações sobre aleitamento materno, acompanhamento em uma unidade básica amiga da amamentação.

REVISÃO DA LITERATURA

Seleção dos estudos

Foram encontradas 3.988 referências, sendo 3.400 nas bases eletrônicas Cinahl (n=1.036), Embase (n=597), Lilacs (n=336), Medline (n=332), Scopus (n=1.099) e 598 registros identificados na literatura cinzenta, através da BDTD. Após a triagem, foram excluídos estudos por duplicidade (2.871) e pela análise de título e resumo (2.595). Sendo assim, procedeu-se à leitura na íntegra de 276 artigos para análise de elegibilidade, selecionados ao final 145 artigos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos estudos incluídos na revisão de escopo seguindo as recomendações do PRISMA-ScR⁶, 2023

Características dos estudos

Dos 145 (^APÊNDICE) estudos selecionados para compor esta revisão de escopo, 42% (61) foram oriundos da América do Sul e, do continente africano, 26% (38). Quanto ao tipo de estudo, 56% (81) eram do tipo transversal e 30% (43) de coorte. Quanto a prevalência de AME 37% (54) dos estudos encontraram uma taxa de AME de 31 a 50% (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos estudos sobre os determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo, 2023

Variáveis	Número de Estudos	%
Continente
África	38	26
América (Central)	5	3
América (do Norte)	3	2
América (do Sul)	61	42
Ásia	24	17
Europa	7	5
Oriente médio	7	5
Tipo de estudo
Transversal	81	56
Coorte	43	30
Caso-controle	4	3
Revisões (Integrativa e sistemática-com ou sem metanálise)	8	5
Análise multinível	3	2
Qualitativo	3	2
Método misto	3	2
Prevalência de aleitamento materno exclusivo
0 a 30%	45	31
31 a 50%	54	37
51 a 90%	26	18
Não avaliaram	5	4
Não descreveram	15	10

• Legenda: % percentual

Os estudos incluídos na revisão foram publicados entre 2002 e 2022 (Figura 2). Essa produção científica distribuiu-se assimetricamente na última década, com um ápice de publicação no ano de 2021, com 16 estudos.

Figura 2
Distribuição por ano de publicação dos artigos selecionados para a revisão de escopo, 2023

Evidências individuais dos determinantes associados ao aleitamento materno exclusivo

O mapeamento dos determinantes em saúde no AME é observável na Tabela 2. A escolaridade materna (n=48) no modelo distal foi o determinante predominante nos estudos investigados, seguido por trabalho materno e licença-maternidade (n=46) no modelo proximal.

Tabela 2
Determinantes em saúde associados ao aleitamento materno exclusivo encontrados na revisão de escopo, 2023

MODELO DISTAL		MODELO INTERMEDIÁRIO		MODELO PROXIMAL
Características familiares ou domiciliares	n	Características da gravidez	n	Características das nutrizes/família	n
Renda familiar	36	Realização de pré-natal e número de consultas	16	Trabalho materno e licença-maternidade	46
Condições de moradia	10	Informações sobre aleitamento materno	10	Conhecimento sobre AME	19
Rede de apoio	8	Atenção pré-natal	5	Dificuldades em amamentar	13
Escolaridade paterna	2	Desejo pela gravidez	4	Convivência e apoio familiar	11
Idade paterna	0	Estado nutricional materno	3	Cansaço e indicadores emocionais	8
Características maternas		Participação em grupo de pré-natal	1	Cuidador da criança	0
Escolaridade	48	Tabagismo	1	Característica dos bebês
Idade materna	37	Alcoolismo	0	Uso de chupeta	27
Paridade	25	Financiamento do pré-natal	0	Idade	21
Situação conjugal	10	Características de atenção ao parto		Saúde do bebê	6
Experiência prévia com amamentação	7	Orientações em aleitamento materno	3	Característica dos serviços de saúde
Cor da pele ou raça	1	Práticas em aleitamento materno	3	Orientações sobre aleitamento materno	9
		Financiamento da maternidade	1	Tipo de financiamento da atenção primária em saúde	6
		Nascer em Hospital Amigo da Criança ou com BLH	0	Tipo de unidade básica	4
		Características maternas durante a internação hospitalar		Satisfação das mães com apoio recebido do serviço	2
		Tempo até a primeira mamada	17	Acompanhamento em Unidade Básica Amiga da Amamentação	0
		Tipo de parto	15
		Intenção de amamentar	9
		AME na alta hospitalar	1
		Características do recém-nascido
		Sexo do recém-nascido	10
		Peso ao nascer	5
		Idade gestacional	1
		Intercorrências imediatas após o parto	0

• Legenda: BLH=Banco de Leite Humano;AME=Aleitamento materno exclusivo; n=número de estudos

Entre os estudos incluídos nesta revisão de escopo, houve publicações sobre AME oriundas dos seis continentes, em sua maioria da América do Sul. Os estudos nos países subdesenvolvidos discorrem sobre como os determinantes sociais e econômicos podem facilitar ou dificultar o AME^10-12 e os associam à baixa prevalência de AME, identificada nesta revisão em 50%. O ano de 2021 foi predominante no quantitativo de estudos, ano marcado pela pandemia causada pelo coronavírus. Isso impactou negativamente vários aspectos envolvendo o aleitamento materno, assim como a adesão ao AME, o que ratifica a necessidade de produção científica na temática¹³. Os determinantes em saúde predominantes, protetores ou fatores de risco, são indicadores importantes para o alcance das metas estabelecidas pela OMS¹ para o alcance da melhora dos índices de AME. Por meio do modelo de determinantes do AME⁷, é possível investigar quando e como esses fatores interferem no processo. No mapeamento dos determinantes em saúde do AME representado pelo modelo de Bocollini⁷, justifica-se a sua importância devido à diversidade de cenários que envolvem o aleitamento materno, à necessidade de sua discussão conforme o determinante do modelo a que pertence, se distal, intermediário ou proximal.

Modelo Distal

A escolaridade, variável apontada nas características maternas, foi predominante em relação a todos os determinantes mapeados. Nos estudos desta revisão, ela foi apontada como facilitador do AME; na Arábia saudita¹⁰, evidenciou-se que uma mãe com pelo menos sete anos de escolaridade tem duas vezes mais chances em AME do que outra com menos tempo de instrução; na Etiópia¹¹, mães com, no mínimo, ensino médio apresentam 3,86 mais chances de praticar AME, e, no Brasil, há uma melhor adesão ao AME na região Sul do país em decorrência da presença de maior escolaridade nessa região entre as mulheres¹². Ainda que visto como um fator facilitador, em países em desenvolvimento, o melhor nível de instrução e consequente elevação da formação e alcance de melhores cargos no trabalho e menos tempo na residência resultam em uma acelerada transição urbana sem apropriada rede de apoio e políticas públicas que protejam a mãe e seu bebê, podendo ocorrer uma diminuição da prática de AME nesses países¹⁰. Ainda assim, o aumento do conhecimento capacita as mães a resistirem a práticas e pressões que as exponham a risco de desmame precoce, pois uma maior instrução faz com que elas valorizem melhores práticas no desenvolvimento da criança, como o AME. Sendo assim, reitera-se a necessidade de que este cenário seja visualizado em sua amplitude, com oferta de educação de qualidade e igualdade no acesso às oportunidades no mercado de trabalho^11,12,14.

Vislumbrar esse cenário em sua integridade representa compreender que a renda familiar, relacionada às características familiares ou domiciliares do modelo distal nesta revisão, mostrou ser um determinante que pode dificultar o AME. Num total de 36 estudos, 18 mostraram essa variável como sendo um fator de risco para o AME. Na atualidade, a mulher que possui menor escolaridade, desconhecimento dos benefícios da amamentação, baixa renda familiar, reduzido apoio e dificuldade de acesso à assistência à saúde, associados ao fato de estar inserida no mercado de trabalho que não tem preparo para apoiá-la no pós-parto, tem mais chances de desmame precoce^12,14-16.

No Brasil, identificou-se que a baixa renda familiar elevou em 1,22 a chance de cessação do AME, demostrando que as desigualdades sociais como as que envolvem questões econômicas impactam diretamente as condições em saúde materna e infantil¹⁷. No entanto, outros estudos evidenciam a baixa renda como fator protetor para o AME, justificando tal assertiva com base no fato de que o leite materno muitas vezes é o único alimento disponível para consumo de bebês em países pobres^10,11.

Um estudo realizado no Peru também identifica a variável baixa renda como fator protetor para o AME. No entanto, destaca que, embora o país tenha atingido 70% do AME recomendado pela OMS, tem características de baixa renda e escolaridade predominantes e que, pelo fato de essa prevalência acontecer de formas variadas nas suas diferentes regiões, devem-se analisar as diferenças regionais e culturais dessa prevalência¹⁸. Os autores salientam que a avaliação quanto à oferta de AME não deve se restringir a percentuais, é preciso analisar a qualidade de vida do binômio mãe e bebê para maior sucesso da amamentação.

Modelo Intermediário

Na perspectiva intermediária do modelo em AME, em relação às características da gravidez, a realização e o número de consultas no pré-natal foram determinantes apontados em 16 estudos e como principais fatores a realização de pré-natal classificado como oportuno, a possibilidade de educação em saúde e orientações sobre AME.

O acolhimento é o momento ideal para fortalecer o vínculo com a unidade de saúde e realizá-lo com qualidade pode garantir que a mãe seja protagonista do seu momento de aleitamento materno, optando por fazê-lo¹⁵. A realização de, no mínimo, seis consultas mostrou associação positiva com AME^12,19. Iniciá-lo no primeiro trimestre gestacional, com orientações e educação em saúde sobre aleitamento materno, é fator protetor¹².

No que concerne à atenção ao parto, verificou-se que as orientações sobre aleitamento e as práticas voltadas ao aleitamento materno foram os determinantes mais investigados. Os estudos enfatizaram que a falta de orientação ou conhecimento deficiente sobre amamentação contribuem de forma significativa para o desmame precoce^20,21. Estudos que identificaram as práticas da amamentação relacionadas ao sucesso ou não do AME relataram que as mães que exercitam as boas práticas do aleitamento materno são mães mais propensas a praticar a amamentação exclusiva. Entre estas estão mães com conhecimento correto sobre o colostro, AME e com escores mais altos de percepção para benefícios do aleitamento materno^22,23. Esses determinantes estão significativamente associados à atuação dos profissionais de saúde que acompanham essa fase da vida da mulher, desde o início da gravidez até o pós-parto. Todo contato com essa mulher no serviço de saúde é uma oportunidade de orientar sobre o aleitamento materno e seus benefícios, não só mediante informação, mas principalmente por meio da implementação de ações que envolvam a gestante e sua família²⁴.

Quanto às características maternas referentes ao período de internação hospitalar, o que estabeleceu a amamentação exclusiva foi o tempo até a primeira mamada, tendo sido este determinante associado ao AME em 17 estudos desta revisão. Vários estudos apontam o sucesso da amamentação exclusiva associado, entre outros determinantes, ao início do aleitamento materno até uma hora após o parto^12,22,25. Esta é uma estratégia sugerida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância em conjunto com a OMS, quando instituíram o Hospital Amigo da Criança, cuja iniciativa recomenda dez passos para o sucesso da prática do aleitamento materno. Entre esses, no quarto passo, recomenda-se que se coloque o lactente em contato com a mãe imediatamente após o parto, durante pelo menos uma hora²⁶.

Essa prática, infelizmente, ainda não é realizada amplamente. Estudo realizado no Brasil mostrou que a amamentação precoce ficou aquém do recomendado pela OMS, ainda que a instituição cenário da investigação seja considerada um Hospital Amigo da Criança. O estudo ainda revelou que os principais fatores associados à amamentação na primeira hora de vida foram o parto normal, que tinha enfermeiro prestador de assistência ao parto, e o contato pele a pele entre mãe e bebê²⁷.

Quanto às características dos recém-nascidos, a variável mais explorada foi o sexo do bebê, investigada em dez estudos. Três desses estudos mostraram uma associação positiva entre a variável sexo feminino e a prática do AME^28-30, e um estudo evidenciou que as lactentes têm mais chances de interrupção precoce do AME do que lactentes do sexo masculino¹⁷. Assim, observa-se que, semelhantemente a resultados de outros estudos^7,28, ainda não se tem um consenso sobre qual sexo do recém-nascido determina o AME. Isso decorre do fato de este determinante envolver diferente fatores, entre eles, fatores culturais e familiares, como a crença de que os recém-nascidos do sexo masculino têm um maior apetite, o que justificaria uma maior ingestão de alimentos do que os do sexo feminino, sugestionando a mãe a introduzir alimentos complementares precocemente. Ressalta-se que outros estudos devem ser realizados para explicar melhor esse fenômeno²⁸.

Modelo Proximal

Em relação aos determinantes do modelo proximal, o trabalho materno e a variável licença-maternidade foram os determinantes mais contundentes associados ao AME nesse nível proximal, e ocuparam a segunda colocação entre determinantes no modelo geral de Bocollini⁷, detectados em 46 estudos. Diferentes artigos apontaram que o trabalho da mãe fora de casa é a principal causa de interrupção do AME antes dos 6 meses de idade do bebê^29,31-33. Estudo na Etiópia mostrou também que as mulheres donas de casa apresentam maior probabilidade de alcançar as metas para o AME do que as mulheres em emprego formal.

Essa associação se explica pelo fato de que as mães desempregadas ou donas de casa têm um tempo maior para ficar no domicílio com seu bebê do que as mulheres que trabalham fora. Porém, algumas ações devem ser consideradas para que estas últimas tenham disponibilidade e suporte para se manterem em casa e, no caso do retorno ao trabalho, apoio para amamentação nesse ambiente³⁴. Alguns exemplos podem ser citados, como licença-maternidade remunerada de até seis meses e existência de salas de amamentação nos locais de trabalho¹⁷. Tais ações são uma forte estratégia na proteção da amamentação exclusiva para as mães inseridas no mercado de trabalho formal³⁵.

Ainda com referência aos determinantes mais próximos ao AME, quanto às características dos bebês, a prática do uso de chupeta foi um determinante contundente encontrado nesta revisão de escopo, caracterizado como uma associação negativa à amamentação exclusiva, identificado por 27 estudos. Tal fenômeno também foi encontrado em outros estudos^20,21,36.

Estudo de coorte, realizado com o objetivo de investigar a relação entre o desmame precoce e o uso de chupeta mostrou que a interrupção precoce do AME e o uso de chupeta aumentam gradativamente com a elevação da idade do bebê. A pesquisa apontou que, no quarto mês, mais da metade dos bebês já haviam desmamado e faziam uso de chupeta³⁷. Essa prática é desencorajada pela OMS na publicação “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”. A OMS também enfatiza a importância de aconselhar as mães sobre o uso e os riscos de mamadeiras, bicos e chupetas³⁸. Essa associação também precisa ser mais bem investigada, uma vez que vários outros contextos, maternos, fisiológicos, familiares, estão envolvidos nesse fenômeno.

Em relação às características referentes aos serviços de saúde, poucos foram os estudos que investigaram esses determinantes, porém, entre os investigados, a variável orientações sobre aleitamento materno nesses ambientes foi o determinante mais frequente associado positivamente ao AME, encontrado em nove estudos. Tal relação foi encontrada também em estudo realizado na Etiópia, mostrando que as mulheres que recebem orientações sobre amamentação nas unidades de saúde têm duas vezes mais chances de amamentar exclusivamente²⁵.

Já em estudo desenvolvido na China²², relacionado às informações sobre aleitamento materno nas unidades de saúde, traz outro determinante importante, que é a não sugestão de alimentação com fórmulas infantis por parte dessas unidades e outras fontes. O estudo mostrou que as mães que não receberam essas informações apresentaram maior probabilidade de praticar o AME. A comercialização das fórmulas infantis preocupa as organizações que trabalham em prol da amamentação, como a OMS, que reforça que os serviços de saúde devem, além de outras normas, cumprir plenamente o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, que traz como um de seus objetivos a nutrição segura e adequada dos bebês. Esta deve acontecer por meio de ações de proteção e promoção da amamentação, assegurando o uso apropriado dos substitutos do leite materno somente quando forem de extrema necessidade, com base principalmente em orientações adequadas³⁸.

Como limitações do estudo, ainda que abrangente, observa-se que documento de políticas públicas e anais de eventos não foram identificados na seleção, também estudos de países desenvolvidos sobre a temática foram escassos, o que pode ter contribuído para que estudos relevantes não tenham sido incluídos. Sendo assim, para minimizar viés, foi realizada busca em uma amplitude de bases, com a possibilidade de maior número possível de artigos para leitura na íntegra para texto completo realizada por duas pesquisadoras e, quando necessário, houve a participação de uma terceira para decisão, a fim de minimizar possíveis perdas. Ressalta-se, ainda, que a avaliação de qualidade de estudo quanto a rigor científico não foi realizada por não ser característica de uma revisão de escopo, sugerindo, assim, estudos futuros com os determinantes mapeados em outras metodologias.

CONCLUSÃO

Esta revisão de escopo mapeou determinantes em saúde do AME em várias realidades continentais, predominando estudos realizados na América do Sul, em países com várias facetas sociais e econômicas que dificultam o AME. Na perspectiva do modelo em amamentação utilizado nos determinantes distais, verificou-se que a ausência de ou o pouco acesso à escolaridade, variável predominante, e a baixa renda impactam negativamente o AME. Os determinantes intermediários como realização e número de consultas de pré-natal, orientação e práticas de AME no pré-natal, tempo até a primeira mamada são ações que cabem aos profissionais de saúde e são possíveis de ser efetivadas com qualidade na prática, facilitando as chances de realização prolongada desse aleitamento.

Não houve consenso sobre o papel do sexo do bebê no AME, presente nos estudos mapeados, necessitando, portanto, de estudos que melhor relacionem essas duas variáveis. No modelo proximal, as variáveis trabalho materno e a licença-maternidade compuseram o segundo determinante mais presente no modelo. Evidenciou-se também o papel da mulher pós-inserção no mercado de trabalho sem a devida rede de apoio. Os outros determinantes, como uso de chupeta e orientações sobre aleitamento materno, também foram identificados. Portanto, os determinantes que podem facilitar ou dificultar o AME são extrínsecos e intrínsecos ao binômio mãe e bebê. Fazem-se necessárias políticas públicas que protejam o direito de amamentação de qualquer ser humano no mundo.

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• Estudo realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

APÊNDICE - Lista de referências dos estudos incluídos na revisão de escopo

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  30 Set 2022
• Aceito
  31 Jul 2023