Dificuldades de adultos ouvintes em situações cotidianas de escuta

RESUMO

Objetivo:

verificar as dificuldades auditivas relacionadas a situações cotidianas de escuta autorrelatadas por adultos normo-ouvintes.

Métodos:

trata-se de um estudo observacional transversal. Foram incluídos indivíduos adultos com limiares auditivos normais, verificados por meio de audiometria e timpanometria. Os participantes responderam à versão no português brasileiro do questionário Speech, Spatial and Qualities of Hearing Scale (SSQ). Os resultados foram analisados descritiva e estatisticamente. A análise estatística compreendeu teste descritivo e de correlação de Spearman com nível de significância de 5%.

Resultados:

a amostra foi composta por 28 participantes, com idades entre 20 e 44 anos. A mediana da pontuação no SSQ foi de 8,75 pontos no domínio Audição para a Fala; 8,11 no domínio Audição Espacial e 8,91 pontos no domínio Qualidade da Audição. Observou-se associação entre a idade do participante e a pontuação em cinco questões, demonstrando menor dificuldade autorrelatada conforme o aumento da idade.

Conclusão:

as dificuldades em situações cotidianas de escuta autorrelatadas pelos adultos normo-ouvintes participantes desse estudo foram mais relacionadas a situações com ruído competitivo e esforço de escuta.

Descritores:
Audição; Percepção Auditiva; Processamento Espacial; Adulto; Inquéritos e Questionários

ABSTRACT

Purpose:

to verify hearing difficulties related to everyday listening situations self-reported by normally-hearing adults.

Methods:

a cross-sectional observational study in which adult individuals with clinically normal hearing, verified through audiometry and tympanometry, were included. The participants answered the Brazilian Portuguese version of the Speech, Spatial and Qualities of Hearing Scale (SSQ) questionnaire. Statistical analysis comprised descriptive and Spearman’s correlation test with a significance level of 5%.

Results:

the sample consisted of 28 participants, aged between 20 and 44 years. The median SSQ score was 8.75, in the Hearing to Speech domain, 8.11, in the Spatial Hearing domain, and 8.91, in the Quality-of-Hearing domain. There was an association between the participant's age and the score on five questions, demonstrating less self-reported difficulty as age increased.

Conclusion:

difficulties in everyday listening situations, self-reported by normally-hearing adults, participating in this study, were more related to situations with competitive noise and listening effort.

Keywords:
Hearing; Auditory Perception; Spatial Processing; Adult; Surveys and Questionnaires

INTRODUÇÃO

A audição é comumente mensurada por meio da audiometria tonal liminar (ATL), exame considerado referência, que permite classificar, por meio dos limiares audiométricos, a existência da perda de audição, tipo e grau da alteração¹. No entanto, a ATL é realizada em um ambiente ideal de escuta, não sendo uma boa medida preditiva da capacidade auditiva em um ambiente real de escuta, que pode apresentar uma variedade de características que exigem do indivíduo a identificação, localização e atenção aos estímulos sonoros de forma alternada, a fim de manter a competência comunicativa².

O reconhecimento de palavras em situação de ruído competitivo diminui significantemente à medida em que há o aumento da média dos limiares obtidos na ATL, mesmo que estes continuem dentro da faixa de normalidade³. Além disso, situações com relação sinal/ruído (S/R) desfavoráveis interferem diretamente na inteligibilidade de fala, mesmo para o indivíduo ouvinte⁴.

Indivíduos que apresentam a mesma configuração audiométrica podem apresentar necessidades comunicativas diárias totalmente diferentes¹. Nesse sentido, os questionários auditivos são um complemento necessário para a avaliação de adultos no que se refere às experiências em situações reais de escuta⁵.

O questionário Speech, Spatial and Qualities of Hearing Scale (SSQ) foi elaborado com o objetivo de avaliar as habilidades e experiências que envolvem a audição em situações complexas cotidianas de escuta² e foi traduzido e adaptado para o português brasileiro em 2015⁶.

O SSQ é composto por 49 questões, que avaliam três domínios: (1) Audição para a Fala (14 itens), que engloba uma série de contextos conversacionais, como situação de ruído competitivo, reverberação e diferentes fontes sonoras; (2) Audição Espacial (17 itens), que engloba contextos de escuta com relação à direção, distância e movimento; e (3) Qualidades da Audição (18 itens), composta por itens relacionados à segregação dos sons, reconhecimento e esforço de escuta².

As informações sobre as pontuações obtidas no SSQ por indivíduos ouvintes podem permitir que profissionais avaliem de forma mais atenta os resultados de indivíduos com perda auditiva, estabelecendo metas mais reais para intervenção, contribuindo para que pesquisadores entendam a influência de fatores não auditivos na habilidade da audição⁷. Além disso, pode ser um indicador para grupos de normo-ouvintes que relatam alguma queixa auditiva e que, atualmente, por não apresentarem deficiência auditiva, não são atendidos em clínicas de Otorrinolaringologia ou Fonoaudiologia.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar as dificuldades auditivas relacionadas a situações cotidianas de escuta autorrelatadas por adultos normo-ouvintes.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas do Centro Universitário do Distrito Federal, Brasil, sob CAAE 26509619.1.0000.5650 e processo nº 3.757.898. O delineamento do estudo foi observacional e transversal. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) atestando sua participação no estudo.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram adotados como critérios de inclusão: idades entre 18 e 45 anos; limiares auditivos de via aérea nas frequências de 250 Hz a 8.000 Hz entre 0 e 25 dBNA em ambas as orelhas⁸ curvas timpanométricas tipo A (complacência estática de 0,30 ml a 1,65 ml e pressão de orelha média de -100 a +100 daPa)⁹ em ambas as orelhas e assinatura do TCLE.

Adotou-se como critério de exclusão a presença de autorrelato e/ou diagnóstico de disfunções neurológicas ou de autorrelato e/ou diagnóstico de alteração do processamento auditivo central (PAC), verificada no momento da entrevista.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada na Clínica Escola de Fonoaudiologia do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (UNIPLAN), na cidade de Brasília, no Distrito Federal.

Todos os participantes foram submetidos à inspeção do meato acústico externo (otoscópio marca MD, modelo Mark II 2.5), timpanometria (imitanciômetro marca Acústica Orlandi, modelo AO 400D) e pesquisa dos limiares auditivos por via aérea nas frequências de 250 Hz a 8.000 Hz (audiômetro marca GN Otometrics, modelo Midimate 622).

Sem saber o resultado do exame e orientados pela equipe de pesquisa, os participantes responderam à versão no português brasileiro do questionário SSQ⁶. O questionário foi autoadministrado pelos participantes, permanecendo uma integrante da equipe de pesquisa à disposição do participante para sanar qualquer dúvida a respeito das questões e/ou forma de preenchimento.

Para cada um dos 49 itens do questionário, o indivíduo deveria selecionar, em uma escala de 0 a 10, o quanto observa ter dificuldade em determinada situação de escuta. Quanto maior a pontuação, menor é a dificuldade autorrelatada^2,6.

Análise dos dados

Os resultados foram analisados descritivamente e estatisticamente em relação às variáveis idade e média tritonal. Devido à distribuição anormal dos dados, a análise foi realizada utilizando mediana, percentis e testes não paramétricos. Quanto às correlações entre as pontuações do questionário SSQ e as variáveis idade e média tritonal, as análises foram realizadas por meio do teste de correlação de Spearman, com nível de significância de 5% - p<0.05.

RESULTADOS

No total, 31 adultos concordaram em participar da avaliação. Destes, três não foram incluídos no estudo por apresentarem limiares piores que 25 dBNA nas frequências entre 4.000 Hz e 6.000 Hz. Dessa forma, a amostra foi composta por 28 participantes (16 do sexo feminino e 12 do sexo masculino), com idades entre 20 e 44 anos (24±5,09).

Na realização da timpanometria, todos os participantes apresentaram curva tipo A bilateral. Na ATL todos os participantes apresentaram média tritonal (500, 1.000 e 2.000 Hz) entre 0 e 11,66 dBNA em ambas as orelhas, com mediana de 5,0 dBNA (Q1= 2,91 dBNA e Q3= 6,66 dBNA) na orelha direta e 5,0 dBNA na orelha esquerda (Q1= 1,66 dBNA e Q3= 6,66 dBNA).

A análise das pontuações foi descrita de acordo com cada um dos três domínios avaliados pelo questionário.

A mediana do escore no domínio Audição para a Fala (parte 1) foi de 8,75 pontos (Q1=7,31 e Q3=9,25). As questões com maiores dificuldades, isto é, com menores pontuações medianas foram as questões Q6, Q10 e Q14, todas com mediana de 7,0. Já no domínio Audição Espacial (parte 2), a mediana do escore obtido foi de 8,11 pontos (Q1=7,80 e Q3=9,56), e a questão com maior dificuldade foi a questão Q16, com mediana de 7,0. Por fim, no domínio Qualidade da Audição (parte 3), obteve-se como escore a mediana de 8,91 pontos (Q1=7,49 e Q3=9,62) e os piores escores foram obtidos nas medianas das questões Q7, Q14 e Q18, estas com mediana de 8,0 (Tabela 1 e Tabela 2).

Tabela 1
Pontuações medianas e percentis (Q1 e Q3) de cada item respondido do questionário

Questão	Mediana parte 1 (Q1; Q3)	Mediana parte 2 (Q1; Q3)	Mediana parte 3 (Q1; Q3)
1	9,0 (Q1= 7,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)
2	10,0 (Q1= 10,0; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 7,0; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 5,75; Q3= 10,0)
3	10,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,75; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
4	8,5 (Q1= 7,0; Q3= 10,0)	9,5 (Q1= 7,75; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
5	10,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	8,0 (Q1= 7,0; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
6	7,0 (Q1= 4,75; Q3= 9,0)*	9,5 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 10,0; Q3= 10,0)
7	10,0 (Q1= 8,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	8,0 (Q1= 5,0; Q3= 10,0)*
8	9,0 (Q1= 6,0; Q3= 10,0)	8,0 (Q1= 6,0; Q3= 9,5)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
9	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	8,0 (Q1= 6,5; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
10	7,0 (Q1= 5,0; Q3= 9,0)*	8,5 (Q1= 6,88; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
11	9,0 (Q1= 7,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 7,75; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 8,75; Q3= 10,0)
12	9,0 (Q1= 5,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 9,0; Q3= 10,0)
13	10,0 (Q1= 8,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,75; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)
14	7,0 (Q1= 5,0; Q3= 8,0)*	9,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)	8,0 (Q1= 5,0; Q3= 10,0)*
15	-	8,0 (Q1= 5,0; Q3= 10,0)	9,0 (Q1= 5,0; Q3= 10,0)
16	-	7,0 (Q1= 4,0; Q3= 9,0)*	9,0 (Q1= 6,5; Q3= 10,0)
17	-	8,0 (Q1= 5,0; Q3= 10,0)	10,0 (Q1= 8,0; Q3= 10,0)
18	-	-	8,0 (Q1= 5,75; Q3= 10,0)*
Total	8,75 (Q1= 7,31; Q3= 9,25)	8,11 (Q1= 7,80; Q3= 9,56)	8,91 (Q1= 7,49; Q3= 9,62)

• *Questões com escores mais baixos em cada escala; Q1=1º Quartil; Q3=3º Quartil

Tabela 2
Questões com maior dificuldade (menor pontuação) obtida

Parte 1: Audição para a Fala	Parte 2: Audição espacial	Parte 3: Qualidades da audição
Q6: “Você está em um grupo, mais ou menos 5 pessoas, em um restaurante movimentado. Você NÃO consegue ver todos do grupo. Você consegue acompanhar a conversa?”	Q16: “Os sons das pessoas ou das coisas que você ouve, mas não pode ver de imediato, acabam por estar mais longe do que o esperado quando você as vê?»	Q7: “Quando você ouve música, consegue distinguir quais instrumentos estão tocando?”
Q10: “Você está ouvindo alguém que fala com você e ao mesmo tempo tenta acompanhar as notícias na televisão. Você consegue acompanhar o que ambos estão falando?”		Q14: “Você tem que se concentrar muito quando está escutando alguém ou alguma coisa?”
Q14: “Você está ao telefone e alguém perto de você começa a falar. Você consegue acompanhar o que está sendo dito por ambos os falantes?”		Q18: “Você consegue ignorar facilmente outros sons ao tentar escutar alguma coisa?”

• Legenda: Q=Questão

Na análise para verificação quanto à correlação entre idade e escore obtido em cada questão do questionário SSQ verificaram-se cinco itens com correlação positiva e diferença estatisticamente significante (p<0,05), demonstrando menor dificuldade autorrelatada conforme há o aumento da idade (Tabela 3).

Tabela 3
Questões que apresentaram relação estatisticamente significante (p<0,05) entre idade e pontuação do questionário

Domínio	Questão	Enunciado	p	r
Parte 2	Q3	Você está sentado entre duas pessoas. Uma delas começa a falar. Você consegue dizer imediatamente se é a pessoa da sua direita ou a da sua esquerda que está falando, sem precisar olhar?	p=0,004	0,524
	Q6	Você está ao ar livre. Um cachorro late bem forte. Você pode dizer imediatamente onde ele está sem precisar olhar?	p=0,008	0,493
	Q8	Na rua, você consegue dizer o quanto alguém está longe, pelo som da sua voz ou passos?	p=0,040	0,397
	Q12	Você consegue dizer pelo som da voz ou dos passos se uma pessoa está vindo em sua direção ou se afastando?	p=0,026	0,420
Parte 3	Q13	Você consegue julgar facilmente o humor de outra pessoa pelo som de sua voz?	p=0,029	0,413

• Legenda: Q=Questão
• Análise inferencial pelo teste de correlação de Spearman, diferença estatística para p<0,05(*).

Não foi observada diferença estatisticamente significante (p<0,05) quando analisada a correlação entre a média tritonal dos limiares auditivos por via aérea nas orelhas direita ou esquerda e a pontuação obtida em cada questão e em cada domínio do SSQ.

DISCUSSÃO

A detecção precoce da deficiência auditiva é fundamental para evitar prejuízos comunicativos e psicossociais que impactam na qualidade de vida. Este cenário justifica a triagem auditiva em adultos e, nesse sentido, questionários autoaplicáveis podem ser utilizados, visto que dispensam a necessidade de um ambiente acusticamente controlado ou equipamento e profissionais especializados¹⁰.

Não há uma pontuação específica do SSQ determinada para ser utilizada como parâmetro para tomada de decisões, portanto novos estudos podem contribuir para estabelecer pontuações para a versão em português do questionário nas diferentes faixas etárias¹¹. Na análise, avaliar as disparidades de pontuação entre os diferentes domínios do SSQ pode ser útil para avaliar aspectos específicos da dificuldade auditiva¹².

O presente estudo avaliou como adultos com limiares auditivos tonais normais percebem as situações cotidianas de comunicação. A faixa etária definida foi delimitada para que o processo de envelhecimento não influenciasse as respostas, considerando que o aumento da idade pode ser proporcional ao aumento dos limiares auditivos e, conforme aumentam os limiares auditivos, há maior dificuldade no desempenho auditivo¹³.

A média de pontuação entre os domínios avaliados variou entre 8,1 e 8,9 pontos, o que corroborou o resultado de outros estudos, que demonstraram que nem sempre adultos com limiares auditivos dentro do padrão de normalidade apresentam pontuação máxima no SSQ^13-15. No presente estudo, observou-se menor pontuação no domínio Audição Espacial, o que também foi observado por outros estudos que avaliaram adultos normo-ouvintes entre 18 e 27 anos^13,15. Além disso, o domínio com maior pontuação foi o Qualidade da Audição, com mediana de 8,91 pontos. Da mesma forma, outros estudos também apontaram melhores escores nesse domínio por essa população, com escores acima de 8,0¹⁶ e 9,0¹³.

O fato de adultos com audição clinicamente normal apresentarem pontuações abaixo de 10 nos diferentes domínios do SSQ deve ser levado em consideração ao avaliar os resultados obtidos por indivíduos com perda auditiva no questionário¹⁵. Tanto no presente estudo quanto em outros estudos^15,17,18, a menor pontuação obtida por indivíduos normo-ouvintes no SSQ foi no domínio Audição Espacial. Estudos demonstraram que adultos com perda auditiva também apresentaram menor pontuação no domínio Audição para a Fala do SSQ, sendo o domínio com maior discrepância de pontuação quando comparados a grupos de adultos com audição normal^5,12,15,17.

As questões em que foram observadas menores pontuações no presente estudo também estão entre as com menores pontuações em um estudo realizado com brasileiros com perda auditiva¹⁷. Com relação especificamente ao domínio Audição para a Fala, as questões com menores pontuações no presente estudo foram as questões 6, 10 e 14. A questão 14 também foi a menor pontuada em um estudo¹⁹ realizado com adultos entre 18 e 25 anos. Em outro estudo⁵, os autores avaliaram dois grupos de adultos com audição normal, sendo um grupo sem alteração do processamento auditivo central (PAC) e um grupo com alteração do PAC (aqueles que apresentaram pelo menos dois testes de PAC alterados). As questões 6, 10 e 14 estão entre as que apresentaram piores pontuações no SSQ para o grupo com alteração no PAC. As questões 10 e 14 também estão entre as menores pontuadas do grupo sem alteração no PAC.

O PAC é responsável pela análise e percepção auditiva realizadas no sistema auditivo nervoso central e, dentre as funções executadas por ele, encontram-se as funções de localização sonora e discriminação auditiva, além das funções de escuta durante situações com sinais acústicos competitivos ou com atenuação do sinal acústico²⁰. Um estudo realizado em 2020 avaliou as habilidades de PAC de 94 adultos normo-ouvintes, com média de idade de 28 anos, e apontou que algumas habilidades essenciais para a manutenção da qualidade de uma situação de conversa estavam alteradas, como a atenção seletiva, ordenação temporal e fechamento auditivo²¹. Sendo assim, percebe-se que a ausência de alteração nos limiares auditivos tonais não implica necessariamente em uma boa qualidade de escuta em situações reais. Ou seja, há a possibilidade de que as dificuldades autorrelatadas nas situações demonstradas pelo SSQ em indivíduos normo-ouvintes no presente estudo tenham relação com habilidades do PAC, as quais não foram avaliadas.

Outras variáveis, além da perda auditiva, podem interferir nos escores do SSQ, como gênero, escolaridade¹⁵ e idade¹⁶. Há de se considerar também que a qualidade da audição durante as atividades de vida diária depende de elementos intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo².

Estudos demonstraram que, com o aumento da idade, há a diminuição do desempenho auditivo, mesmo quando não há uma perda auditiva^13,22. No entanto, os resultados do presente estudo apontaram correlação positiva entre o aumento da idade e maior pontuação (menor dificuldade autorrelatada) em cinco questões do SSQ. Essa correlação entre idade e resultados do SSQ não foi encontrada em outro estudo que avaliou adultos com audição normal²².

Ressalta-se que, das cinco questões que apresentaram correlação com a idade, nenhuma está relacionada à percepção da fala em situações de ruído competitivo. Destas, quatro estão relacionadas a habilidades de localização sonora e uma diz respeito à discriminação auditiva (identificar o humor pelo som da voz). Sabe-se que, com a idade, adultos podem apresentar compensações na percepção auditiva da fala^23,24. Além disso, é importante destacar que a percepção auditiva depende da interação sensorial, central e de fatores cognitivos, sendo que experiências de vida podem favorecer habilidades de memória e atenção auditiva, determinando a qualidade de escuta em situações reais^24,25. Dessa forma, acredita-se que essa interação de fatores possa ter favorecido o maior escore dos adultos participantes deste estudo nessas cinco questões, justificando menos queixas com o aumento da idade. Nesse sentido, é importante que pesquisadores compreendam que a percepção auditiva da fala vai além de escutar em situações de competição sonora e que o aumento da idade talvez possa favorecer algumas habilidades auditivas que estão relacionadas a um maior aporte cognitivo e que são favorecidas com as experiências de escuta ao longo da vida.

Como exposto anteriormente, ainda não há uma definição com relação à pontuação esperada para normo-ouvintes no questionário SSQ. Sendo assim, acredita-se que o presente estudo possa contribuir para análises nesse sentido. Além disso, conhecer os escores dessa população no SSQ é fundamental para entender o que esperar dos escores apresentados por indivíduos com perda auditiva no mesmo questionário.

Uma das limitações do estudo é o fato de não ter sido realizada a avaliação do PAC nos participantes, apesar de eles não apresentarem queixas específicas nesse sentido. Dessa forma, sugere-se que novos estudos sejam conduzidos utilizando a aplicação do SSQ em normo-ouvintes, com amostras maiores, realização da avaliação do PAC e em grupos de diferentes faixas etárias, a fim de verificar também a influência da idade, experiência de vida e percepções cognitivas nas dificuldades autorrelatadas em situações reais de escuta.

CONCLUSÃO

As dificuldades em situações cotidianas de escuta autorrelatadas pelos adultos normo-ouvintes participantes desse estudo foram mais relacionadas a situações com ruído competitivo e esforço de escuta. Adultos mais velhos, com audição normal, podem apresentar menor dificuldade autorrelatada em determinadas situações reais de escuta, levantando a hipótese de que outros recursos não auditivos podem influenciar na percepção auditiva.

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• Estudo realizado no Centro Universitário Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN, Brasília, Distrito Federal, Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  25 Ago 2023
• Aceito
  13 Out 2023