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Síndrome Pós-COVID-19: investigação de sintomas fonoaudiológicos

RESUMO

Objetivo:

investigar a presença de sintomas fonoaudiológicos em adultos após o período da fase aguda da COVID-19, além do impacto da manutenção desses sintomas nos aspectos físicos, emocionais, capacidade funcional e relações sociais.

Métodos:

participaram 204 adultos que testaram positivo para COVID-19 no período de janeiro de 2021 a julho de 2022 e que preencheram um questionário on- line, abordando diferentes variáveis. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva.

Resultados:

os sintomas mais prevalentes até 30 dias após a infecção foram cansaço (46%), perda de memória (40,2%) e ageusia (26,5%). Os sintomas de longa duração mais observados foram perda de memória (34,3%), cansaço (21,1%) e dificuldades para iniciar um diálogo ou frase (10,1%). Anosmia e ageusia também foram citadas. Houve impacto da manutenção desses sintomas no aspecto emocional (33,3%), seguido dos aspectos físicos (26%) e ocupacionais (25%).

Conclusão:

neste estudo foram encontrados sintomas persistentes após o período da fase aguda da COVID-19 que podem levar a alterações fonoaudiológicas, como prejuízo na linguagem oral e nas questões alimentares. A manutenção desses sintomas impactou nos aspectos emocionais, físicos e ocupacionais dos participantes.

Descritores:
Síndrome Pós-COVID-19 Aguda; Diagnóstico; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to investigate speech-language-hearing symptoms in adults after the acute phase of COVID-19 and the impact of these persistent symptoms on their physical and emotional aspects, functional capacity, and social relationships.

Methods:

204 adults who tested positive for COVID-19 between January 2021 and July 2022 and who completed an online questionnaire, addressing different variables. Data were analyzed with descriptive statistics.

Results:

the most prevalent symptoms up to 30 days after infection were tiredness (46%), memory loss (40.2%), and ageusia (26.5%). The most found long-term symptoms were memory loss (34.3%), tiredness (21.1%), and difficulties in starting a sentence or conversation (10.1%). Anosmia and ageusia were also cited. These persistent symptoms had an impact on their emotional aspect (33.3%), followed by the physical (26%) and occupational (25%) ones.

Conclusion:

this study found persistent symptoms after the acute phase of COVID-19, which can lead to speech-language-hearing disorders, such as impaired oral language and eating. These persistent symptoms impacted the participants’ emotional, physical, and occupational aspects.

Keywords:
Post-Acute COVID-19 Syndrome; Diagnosis; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

A COVID-19 pertence à família Coronaviridae provocada pelo vírus SARS-Cov-2 e trata-se de uma infecção respiratória aguda transmitida por gotículas respiratórias e pelo contato. Os primeiros registros ocorreram em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China, e, no ano de 2020, propagou- se rapidamente, promovendo uma pandemia mundial11. Lana RM, Coelho FC, Gomes MFC, Cruz OG, Bastos LS, Vilela DAM et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad. Saúde Pública. 2020;36(3):1-5. https://doi.org/10.1590/0102-311X00019620 PMID: 32187288.
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Essa infecção alternou-se entre casos assintomáticos e manifestações clínicas de classificação leve, moderada, grave e crítica. Alguns dos sintomas geralmente apresentados são tosse, dor de garganta, congestão nasal, coriza, perda de olfato (anosmia) e de paladar (ageusia), febre, dor muscular, fadiga, dores na cabeça, conjuntivite, diarreia, náuseas, vômitos, diminuição de apetite, dispneia, dor torácica e falta de ar aos pequenos esforços. Saturação de oxigênio menor que 95% em ar ambiente, pneumonia, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés, além de disfunção de múltiplos órgãos também podem ser apresentadas. Tais sintomas podem aparecer de 2 a 14 dias após exposição ao vírus22. CDC [homepage on the internet] Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) - Symptoms.[accessed 2022 nov 18] Available at: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/symptoms-testing/symptoms.html
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. No entanto, pacientes que foram acometidos pela COVID-19 podem permanecer com os sintomas até mesmo após a resolução da fase aguda da doença.

Os termos Síndrome Pós-Covid-19, COVID longa ou Sequelas pós-agudas de COVID- 19 adquirem reconhecimento diante das comunidades e organizações médico-científicas, devido ao aumento considerável de pessoas que ainda apresentam sintomas após a infecção pelo vírus. A COVID-19 longa é descrita como a presença de pelo menos um sintoma persistente, que inclui fadiga ou dispneia por pelo menos três meses após o início dos sintomas, admissão hospitalar ou diagnóstico 33. Aiyegbusi OL, Hughes SE, Turner G, Rivera SC, McMullan C, Chandan JS et al. Symptoms, complications and management of long COVID: a review. J R Soc Med. 2021;114 (9):428-42. https://doi.org/10.1177/01410768211032850 PMID: 34265229.
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Embora com causas ainda desconhecidas e terminologias divergentes, alguns estudos têm recomendado o uso dos termos Sequelas pós-agudas de COVID-19, considerando a persistência dos sintomas de 4 a 12 semanas após a fase aguda da doença, e Síndrome Pós-COVID-19, considerando a permanência dos sintomas por mais de 12 semanas de duração44. Greenhalgh T, Knight M, A'Court C, Buxton M, Husain L. Management of post-acute covid-19 in primary care. BMJ. 2020;11(1):370-80. https://doi.org/10.1136/bmj.m3026 PMID: 32784198.
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,55. Munipalli B, Seim L, Dawson NL, Knight D, Dabrh AMA. Post-acute sequelae of COVID-19 (PASC): a meta-narrative review of pathophysiology, prevalence, and management. SN Compr Clin Med. 2022;4(1):90-100. https://doi.org/10.1007/s42399-022-01167-4 PMID: 35402784
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A intervenção fonoaudiológica durante a internação de pacientes em cuidados intensivos em decorrência da COVID-19 foi bastante relatada, principalmente devido à intubação e ventilação mecânica prolongadas, com alto risco de desenvolvimento de alterações na deglutição e voz66. Lima MS, Sassi FC, Medeiros GC, Britto AP, Andrade CRF. Functional development of swallowing in ICU patients with COVID-19. CoDAS. 2020;32(4):1-14. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20192020222 PMID: 33053075. No entanto, pouco se sabe sobre os sintomas fonoaudiológicos a longo prazo ou até de novos sintomas que surgiram após a infecção pelo vírus. Caso presentes, a Fonoaudiologia pode contribuir no tratamento das sequelas adquiridas, possibilitando a recuperação em áreas especificamente tratadas pelo profissional fonoaudiólogo. Programas de reabilitação e acompanhamento destes pacientes podem ser necessários.

Sabendo que a Fonoaudiologia é uma ciência que avalia e reabilita indivíduos com alterações na linguagem, voz, fala, audição e deglutição, e diante do pouco conhecimento e da alta incidência da síndrome Pós-Covid-19, este estudo teve como objetivo investigar a presença de sintomas fonoaudiológicos em adultos após o período da fase aguda da COVID-19, além do impacto da manutenção desses sintomas nos aspectos físicos, emocionais, capacidade funcional e relações sociais. Embora haja escassez de estudos desta natureza na literatura nacional e internacional, a hipótese é de que pode haver comprometimento nas funções de linguagem, voz, audição e/ou deglutição em indivíduos com a Síndrome Pós-COVID-19.

MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Sorocaba, Brasil, sob parecer número 5.958.717 (CAAE 66902623.5.0000.5500). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após anuência, no formato digital, e foram convidados a preencher um formulário via Google Forms, contendo 16 questões investigativas sobre o tema, elaborado pelas autoras, com perguntas de múltipla escolha.

Os dados obtidos por meio do questionário incluíram sexo, idade, data da infecção pela COVID-19, número de vezes que contraiu o vírus, histórico de comorbidades prévias à infecção pela COVID-19 (diabetes, cardiopatia, asma, câncer, hipertensão arterial); gravidade da doença (necessidade de hospitalização, suplementação de oxigênio ou intubação orotraqueal); duração dos sintomas após o contágio da doença, sendo por até 4 semanas (curto prazo), entre 4 e 12 semanas (médio prazo) e por mais de 12 semanas ou até os dias atuais (longo prazo); quadro vacinal; tipo e frequência dos sintomas fonoaudiológicos ou sintomas gerais que podiam levar a comprometimentos nas funções de linguagem, fala, voz, audição e deglutição, como: disfonia, dispneia, fadiga, dor na garganta, disfagia, diminuição de apetite, anosmia (perda do olfato), ageusia (perda do paladar), perda auditiva, zumbido, anomia e prejuízo na memória. O impacto da manutenção dos sintomas nos aspectos físicos, emocionais, capacidade funcional e relações sociais também foi investigado por meio do questionário aplicado.

A casuística foi composta por 204 participantes, sendo 163 mulheres (80%) e 41 homens (20%), com idades entre 18 e 60 anos (média de idade de 35 anos), que foram diagnosticados com COVID-19 por meio de testes laboratoriais (RT-PCR) ou testes rápidos, no período de janeiro de 2021 a julho de 2022, independente da sua gravidade e necessidade de internação. Foram excluídas pessoas que não preeencheram por completo o questionário investigativo. Os resultados foram categorizados e organizados em tabela do Excel® para análise por meio de estatística descritiva (frequência absoluta e relativa).

RESULTADOS

Caracterização da amostra

A maioria dos participantes não apresentou histórico de comorbidades prévias à infecção pela COVID-19. A comorbidade mais prevalente foi a obesidade, seguida de hipertensão e asma (Figura 1). Quanto ao quadro vacinal, apenas três participantes da amostra não haviam sido vacinados contra a COVID-19.

Figura 1
Ocorrência de comorbidades entre os participantes

Em relação à frequência de contaminação pela COVID-19 (Figura 2), a maioria dos participantes havia sido contaminada apenas uma vez. A confirmação da doença foi dada por meio de testes laboratoriais (RT-PCR), em sua maioria (75,5%), ou por testes rápidos (24,5%).

Figura 2
Frequência de contaminação pela COVID-19

Quanto ao histórico de internação, seis pessoas necessitaram ficar internadas durante o acometimento pela COVID-19. Dentre elas, quatro necessitaram de oxigenoterapia ou foram submetidas à intubação orotraqueal durante a internação, ou seja, manifestaram a forma mais grave da doença.

Tipo e Frequência de Sintomas

Em relação aos sintomas relatados quatro semanas após o início da infecção (Tabela 1), observou-se um predomínio da queixa de cansaço, seguido de prejuízo na memória, alteração no paladar e olfato. A dificuldade ou dor para engolir foi o sintoma menos relatado. Houve predomínio dos sintomas no sexo feminino. Observou-se que 25,5% dos participantes não apresentaram sintomas nesta fase.

Tabela 1
Tipo e frequência dos sintomas relatados quatro semanas após a fase aguda da COVID-19

Já em relação aos sintomas presentes entre quatro e 12 semanas após o início da infecção foi observado predomínio da queixa de alteração de memória, seguida de cansaço, alteração no paladar e olfato. A dificuldade ou dor ao engolir novamente foi a menos relatada neste período. Houve predomínio dos sintomas no sexo feminino. O número de participantes sem sintomas foi maior quando comparado à fase anterior da doença. Os dados estão descritos na Tabela 2.

Tabela 2
Tipo e frequência dos sintomas relatados entre quatro e 12 semanas após a fase aguda da COVID-19

Quanto à presença de sintomas por mais de 12 semanas (Figura 3) e a manutenção destes até os dias atuais (Figura 4), houve concordância entre os resultados mais prevalentes nestas duas fases, com predomínio na alteração da memória, seguido de cansaço e dificuldade para iniciar diálogos. A alteração no palato e olfato também foram citadas. Houve novamente predomínio dos sintomas no sexo feminino (55%).

Figura 3
Tipo e frequência dos sintomas relatados com mais de 12 semanas de duração após a fase aguda da COVID-19

Figura 4
Tipo e frequência dos sintomas relatados que permanecem até os dias atuais

Quanto à manutenção dos sintomas, 126 participantes (61,8%) referiram impacto na qualidade de vida após a infecção pela COVID-19. O maior impacto foi no domínio emocional/psicológico, seguido dos domínios físico e capacidades ocupacionais (Figura 5).

Figura 5
Impacto na qualidade de vida relacionado à permanência dos sintomas da COVID-19

DISCUSSÃO

Observou-se, neste estudo, uma prevalência de sintomas logo após o final da fase aguda da COVID-19 e até os dias atuais, como cansaço, alteração na memória e no paladar/olfato.

Os distúrbios do olfato e do paladar estão relacionados a uma ampla gama de infecções virais. A infecção do trato respiratório superior pode causar anosmia ou ageusia de início agudo, devido a danos virais ao epitélio olfatório, além de uma possível lesão no nervo ou bulbo olfatório, embora a patogênese ainda não esteja completamente conhecida77. Lee Y, Min P, Lee S, Kim SW. Prevalence and duration of acute loss of smell or taste in Covid-19 patients. J Korean Med Sci. 2020;35(18):174-85. https://doi.org/ 10.3346/jkms.2020.35.e174 PMID: 32383370
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,88. Bayrak AF, Karaca B, Ozkul Y. Smell and taste dysfunction in COVID-19 patients be a sign of the clinical course of the disease? Egypt J Otolaryngol. 2021;37(1):5-15. https://doi.org/10.1186%2Fs43163-021-00169-8 PMCID: PMC8501366.
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A disfunção do olfato e paladar em pacientes com COVID-19 foi encontrada em 53% dos casos em um estudo com 105 pacientes após quatro e 12 semanas da infecção. Embora muitos pacientes pareçam recuperar os sentidos do paladar e do olfato em poucas semanas, foi relatado que essas funções não se recuperaram na maioria desses pacientes88. Bayrak AF, Karaca B, Ozkul Y. Smell and taste dysfunction in COVID-19 patients be a sign of the clinical course of the disease? Egypt J Otolaryngol. 2021;37(1):5-15. https://doi.org/10.1186%2Fs43163-021-00169-8 PMCID: PMC8501366.
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. Em outro estudo, com 125 pacientes com alterações do paladar e do olfato na fase aguda da COVID-19, 30 (24,0%) relataram alterações persistentes do paladar e do olfato sete meses após o início dos sintomas.

Pacientes do sexo feminino foram mais propensos a relatar sintomas persistentes do que pacientes do sexo masculino99. Nguyen NN, Hoang VT, Lagier JC, Raoult D, Gautret P. Long-term persistence of olfactory and gustatory disorders in COVID-19 patients. Clin Microbiol Infect. 2021;27(6):931-2. https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.12.021 PMID: 33418020, corroborando os resultados encontrados.

No presente estudo, embora os sintomas de disfagia e perda de apetite foram pouco relatados em todas as etapas após a fase aguda da doença, sabe-se da importância da informação sensorial para uma deglutição segura e eficiente1010. Costa MMB. Neural control of swallowing. Arq Gastroenterol. 2018;55(1):61-75. https://doi.org/10.1590/S0004-2803.201800000-45
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. Além disso, alterações no paladar e olfato podem levar a uma inapetência associada à diminuição do prazer alimentar, com consequente quadro de perda de peso e desnutrição, reduzindo a qualidade de vida destes pacientes77. Lee Y, Min P, Lee S, Kim SW. Prevalence and duration of acute loss of smell or taste in Covid-19 patients. J Korean Med Sci. 2020;35(18):174-85. https://doi.org/ 10.3346/jkms.2020.35.e174 PMID: 32383370
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,88. Bayrak AF, Karaca B, Ozkul Y. Smell and taste dysfunction in COVID-19 patients be a sign of the clinical course of the disease? Egypt J Otolaryngol. 2021;37(1):5-15. https://doi.org/10.1186%2Fs43163-021-00169-8 PMCID: PMC8501366.
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.

Falta de ar, fraqueza muscular e sofrimento psicológico estão entre os sintomas mais frequentes relatados por pacientes hospitalizados com COVID-19 após a alta1111. Halpin SJ, McIvor C, Whyatt G, Adams A, Harvey O, McLean L et al. Postdischarge symptoms and rehabilitation needs in survivors of COVID-19 infection: a cross-sectional evaluation. J Med Virol. 2021;93(2):1013-22. https://doi.org/10.1002/jmv.26368 PMID: 32729939
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12. Michelen M, Manoharan L, Elkheir N, Cheng V, Dagens A, Hastie C et al. Characterising long COVID: a living systematic review. BMJ. 2021;6(9):1-10. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005427 PMID: 34580069.
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-1313. Huang C, Huang L, Wag Y, Li X, Ren L, Gu X et al. 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study. Lancet. 2021;16(397):220-32: 1- 18. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32656-8 PMID: 33428867.
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. Fadiga também é um dos sintomas mais relatados durante e após a infecção por COVID-19 e pode ser devido ao esforço respiratório excessivo relacionado a complicações respiratórias como dispneia, pneumonia e síndrome do desconforto respiratório agudo1414. Zengarini E, Ruggiero C, Pérez-Zepeda MU, Hoogendijk EO, Vellas B, Mecocci P et al. Fatigue: relevance and implications in the aging population. Exp Gerontol. 2015;70(1):78-83. https://doi.org/10.1016/j.exger.2015.07.011 PMID: 26190478.
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. Além disso, a alta resposta catabólica à infecção por COVID-19, levando à perda de peso e declínio muscular, pode contribuir ainda mais para a manifestação de fadiga1515. Azzolino D, Passarelli PC, D'Addona A. Nutritional strategies for the rehabilitation of COVID-19 patients. Eur J Clin Nutr. 2021;75(1):728-30. https://doi.org/10.1038%2Fs41430-020-00795-0 PMID: 33168957.
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.

Neste estudo, o cansaço ou fadiga foi o sintoma mais relatado a curto prazo (quatro semanas após a infecção), mantendo-se com o passar do tempo, ou seja, até os dias atuais. Embora também pouco prevalente dentre os sintomas permanentes relatados, sabe-se que o cansaço pode interferir na produção e qualidade vocal, além de interferir na coordenação entre a deglutição e respiração, mecanismos importantes para a proteção das vias aéreas inferiores1010. Costa MMB. Neural control of swallowing. Arq Gastroenterol. 2018;55(1):61-75. https://doi.org/10.1590/S0004-2803.201800000-45
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A disfagia pode surgir neste grupo de pacientes como resultado de dano primário à rede neuronal central e periférica da função de deglutição, mas também como resultado do tratamento intensivo e ventilação muitas vezes mais longos. Os primeiros achados clínicos mostraram disfagia persistente como parte da síndrome Pós-COVID-19 de modo que os pacientes também precisam de medidas de longo prazo para reabilitar a ingestão alimentar segura e suficiente por via oral1616. Frank U, Frank K. COVID-19-New challenges in dysphagia and respiratory therapy. Nervenarzt. 2022;93(2):167-74. https://doi.org/10.1007/s00115-021-01162-5 PMID: 34241639.
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. Tal dado não corrobora os dados encontrados no estudo presente, visto que apenas oito pacientes apresentaram sintoma de disfagia após três meses de infecção. É importante salientar que, dos seis pacientes que apresentaram histórico de internação, apenas um relatou alteração na deglutição a longo prazo.

Dois sintomas bastante relevantes no atual estudo foram a presença de prejuízo na memória e dificuldades para iniciar uma frase ou diálogo, presentes a curto, médio e longo prazo, mas, principalmente, neste último caso.

O termo Brain-Fog refere-se a um conjunto de sintomas neurológicos, relacionados à COVID- 19, causados, principalmente, pelo turbilhão de citocinas inflamatórias encontradas no organismo durante a infecção. Assim, apesar de os pulmões serem o primeiro sítio de infecção, o vírus também possui neurotropismo e consegue infectar regiões corticais e hipotalâmicas, o que gera em muitos pacientes uma perda de memória a curto e longo prazo1717. Lima IN, Yamanoto CY, Luz JS, Souza TC, Pereira KF. Perda de memória associada à infecção viral por SARS-CoV-2: Revisão de literatura. Res.Soc. Develop. 2022;11(4):1-11. https://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27609 PMID: 37377258.
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. Ela pode estar incluída em situações cotidianas, como no esquecimento de tarefas simples ou, até mesmo, na dificuldade em se lembrar de palavras ou frases. Tal fato também pode ser justificado devido ao estresse crônico como uma proteção cerebral, que, consequentemente, fadiga o hipocampo e gera morte celular em regiões cerebrais importantes1818. Ferrucci R, Dini M, Groppo E, Rosci C, Reitano MR, Bai F et al. Long-lasting cognitive abnormalities after COVID-19. Brain Sci. 2021;11(2):235-50. https://doi.org/10.3390/brainsci11020235 PMID: 33668456.
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. Além disso, pode ter origem psicológica/psiquiátrica, uma vez que pacientes que sobreviveram a outras infecções também causadas pelo coronavírus tiveram mais propensão ao transtorno de estresse pós-traumático1919. Satarker S, Nampoothiri M. Involvement of the nervous system in COVID-19: The bell should toll in the brain. Life Sci. 2020;262(1):10-20. https://doi.org/10.1016/j.lfs.2020.118568 PMID: 33035589
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Quanto ao impacto na qualidade de vida, a maioria dos participantes refere prejuízo no aspecto emocional, seguido dos aspectos físicos e funcionais. Um estudo avaliou o impacto da Pós-COVID na qualidade de vida de 221 participantes e encontrou maior prejuízo também nos aspectos psicológicos e físicos2020. Carvalho MCT, Jesus BMB, Castro VL, Trindade LMD. O impacto na qualidade de vida nos indivíduos pós Covid-19: O que mudou? Res, Soc, Develop. 2021;10(14):1-17. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.21769
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Em se tratando da Síndrome Pós-COVID-19, a Fonoaudiologia pode atuar na fraqueza muscular, devido às alterações nas funções de respiração, voz, fala, mastigação e deglutição; na perda do paladar e do olfato, podendo afetar a falta de apetite e dificuldades na alimentação; nos transtornos da comunicação, devido a alteração de memória e dificuldade de concentração (agravando a compreensão e expressão da fala); nas dificuldades respiratórias como a tosse crônica, ocasionando alterações vocais, desarranjos entre a fala e respiração, e os engasgos que são resultados de disfagia, caso presentes 2121. Torres ACMT, Vasconcelos D, Soares KPND, Santos NL, Ferreira THP, Silva VL et al. Guia de Orientação - O papel da fonoaudiologia na síndrome pós- covid19, Conselho Regional de Fonoaudiologia da 4ª Região 8º Colegiado [book on the internet]. 2022. 14 p. [accessed 2022 apr 28]. Available at: https://crefono4.org.br/wp-content/uploads/2022/01/Crefono_cartilha-covid-WEB-1.pdf
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Sendo assim, diante das manifestações fonoaudiológicas encontradas em indivíduos após a fase aguda da contaminação pela COVID-19 é importante monitorar os sintomas a longo prazo, a fim de que sejam realizadas as intervenções pertinentes. Além disso, é necessário ampliar os estudos na área e pensar em programas de acompanhamento e reabilitação neste público.

CONCLUSÃO

Os sintomas mais comuns na Síndrome Pós-COVID-19 foram alteração na memória, cansaço e dificuldades para iniciar um diálogo ou frase. Alterações no paladar e olfato também foram persistentes. Tais sintomas podem levar a prejuízos na linguagem oral e nas funções alimentares de indivíduos após a fase aguda da doença. A manutenção desses sintomas impactou nos aspectos emocionais, físicos e ocupacionais dos participantes.

REFERENCES

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  • Estudo realizado na Universidade de Sorocaba, Sorocaba, São Paulo, Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
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