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Avaliação do valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar amonizado com uréia

Evaluation of the nutritive value of sugarcane bagasse ammoniated with urea

Resumos

O trabalho foi desenvolvido objetivando-se avaliar o efeito da adição de uréia em doses crescentes, na presença ou ausência de urease, sobre o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado em arranjo fatorial (4 x 2) + 1 (controle), com quatro repetições. Os fatores avaliados foram níveis de uréia (2,0; 4,0; 6,0; e 8,0% da matéria seca), níveis de urease (presença, 20,0% da matéria fresca da uréia, e ausência) e um tratamento controle (0,0% de uréia e ausência de urease). Houve efeito da adição de uréia (63,3%) em relação ao controle (69,6%) e efeito da presença de urease (64,4%) em relação à sua ausência (62,1%), para o teor de matéria seca (MS). O menor teor de MS (62,5%) foi observado no nível de 6,2% de uréia. O teor de proteína bruta (PB) cresceu linearmente com a adição de uréia (12,0%) em relação ao controle (1,2%), sem urease. O teor de fibra em detergente neutro (FDN) dos materiais amonizados (81,4%) foi menor que o controle (84,7%), com efeito linear negativo das doses crescentes de uréia. Houve teores mais elevados de FDN nos tratamentos com presença de urease (82,1%) em relação aos tratamentos sem a mesma (80,8%). A digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) média do tratamento controle (23,2%) foi inferior à DIVMS média dos tratamentos com uréia (28,5%), com efeito linear positivo dos níveis crescentes de uréia. Não houve efeito da urease sobre a DIVMS do bagaço. A amonização com uréia melhorou o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar, sem a necessidade de adição de urease.

amonização; bagaço; cana-de-açúcar; uréia; valor nutritivo


The objective of this work was to evaluate the effect of the addition of crescent levels of urea, with or without urease, on sugarcane bagasse nutritive value. The experimental design was a completely randomized design in a factorial arrangement (4 x 2) + 1 (control), with four replicates. The evaluated factors were urea levels (2.0, 4.0, 6.0 and 8.0% DM), urease levels (presence - 20% of urea fresh matter - and absence) and a control treatment (0.0% urea and without urease). There was an effect of urea addition (63.3%) on the control (69.6%) and effect of urease presence (64.4%) on its absence (62.1%) for the dry matter (DM) content. The smallest estimated DM content (62.5%) was observed at 6.2% urea level. The crude protein (CP) content linearly increased with the addition of crescent levels of urea (12.0%) as compared to the control (1.2%), without urease effect. The neutral detergent fiber (NDF) content of ammoniated materials (81.4%) was smaller than the control (84.7%), with a negative linear effect of the crescent levels of urea. There was higher NDF content in the treatments with the presence of urease (82.1%) than on the treatments without urease (80.8%). The average in vitro dry matter disappearance (IVDMD) of the control treatment (23.2%) was lower than average urea addition treatments (28.5%), with positive linear effect by the crescent addition of the urea levels. There was no urease effect on IVDMD. The ammoniation with urea improved the sugar cane bagasse nutritive value, without necessity to add urease.

ammoniation; bagasse; sugarcane; urea; nutritive value


Avaliação do valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar amonizado com uréia11 Pesquisa financiada pela Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa-FUNCAP.

Evaluation of the nutritive value of sugarcane bagasse ammoniated with urea

Magno José Duarte CândidoI; José Neuman Miranda NeivaII; José Carlos Machado PimentelIII; Vânia Rodrigues VasconcelosIII; Eliana Miranda SampaioIV; Josué Mendes NetoV

I Mestrando em Zootecnia/UFV. Av. P. H. Rolfs, s/n, 36.571-000, Viçosa-MG

IIProf. Depto. de Zootecnia/Universidade Federal do Ceará. Av. Mr. Hull, 2977, 60.000, Fortaleza-CE

IIIPesquisador da EMBRAPA-CNPC. Estr. Sobral-Groaíras, Km 10, c.p. D-10, Sobral-CE

IVProf. Depto. Estatística e Matemática Aplicada/UFC

V Acadêmico de Agronomia/UFC

RESUMO

O trabalho foi desenvolvido objetivando-se avaliar o efeito da adição de uréia em doses crescentes, na presença ou ausência de urease, sobre o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado em arranjo fatorial (4 x 2) + 1 (controle), com quatro repetições. Os fatores avaliados foram níveis de uréia (2,0; 4,0; 6,0; e 8,0% da matéria seca), níveis de urease (presença, 20,0% da matéria fresca da uréia, e ausência) e um tratamento controle (0,0% de uréia e ausência de urease). Houve efeito da adição de uréia (63,3%) em relação ao controle (69,6%) e efeito da presença de urease (64,4%) em relação à sua ausência (62,1%), para o teor de matéria seca (MS). O menor teor de MS (62,5%) foi observado no nível de 6,2% de uréia. O teor de proteína bruta (PB) cresceu linearmente com a adição de uréia (12,0%) em relação ao controle (1,2%), sem urease. O teor de fibra em detergente neutro (FDN) dos materiais amonizados (81,4%) foi menor que o controle (84,7%), com efeito linear negativo das doses crescentes de uréia. Houve teores mais elevados de FDN nos tratamentos com presença de urease (82,1%) em relação aos tratamentos sem a mesma (80,8%). A digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) média do tratamento controle (23,2%) foi inferior à DIVMS média dos tratamentos com uréia (28,5%), com efeito linear positivo dos níveis crescentes de uréia. Não houve efeito da urease sobre a DIVMS do bagaço. A amonização com uréia melhorou o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar, sem a necessidade de adição de urease.

Palavras-chave: amonização, bagaço, cana-de-açúcar, uréia, valor nutritivo

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the effect of the addition of crescent levels of urea, with or without urease, on sugarcane bagasse nutritive value. The experimental design was a completely randomized design in a factorial arrangement (4 x 2) + 1 (control), with four replicates. The evaluated factors were urea levels (2.0, 4.0, 6.0 and 8.0% DM), urease levels (presence - 20% of urea fresh matter - and absence) and a control treatment (0.0% urea and without urease). There was an effect of urea addition (63.3%) on the control (69.6%) and effect of urease presence (64.4%) on its absence (62.1%) for the dry matter (DM) content. The smallest estimated DM content (62.5%) was observed at 6.2% urea level. The crude protein (CP) content linearly increased with the addition of crescent levels of urea (12.0%) as compared to the control (1.2%), without urease effect. The neutral detergent fiber (NDF) content of ammoniated materials (81.4%) was smaller than the control (84.7%), with a negative linear effect of the crescent levels of urea. There was higher NDF content in the treatments with the presence of urease (82.1%) than on the treatments without urease (80.8%). The average in vitro dry matter disappearance (IVDMD) of the control treatment (23.2%) was lower than average urea addition treatments (28.5%), with positive linear effect by the crescent addition of the urea levels. There was no urease effect on IVDMD. The ammoniation with urea improved the sugar cane bagasse nutritive value, without necessity to add urease.

Key Words: ammoniation, bagasse, sugarcane, urea, nutritive value

Introdução

Nas regiões tropicais do Brasil, a produção estacional de forragem é um fato concreto que tem causado enormes prejuízos à pecuária nacional, pois a maioria dos produtores não se prepara para suplementar os rebanhos no período de escassez de forragem de boa qualidade. Entre as opções existentes no momento, o aproveitamento de restos de culturas e subprodutos da agroindústria tem se mostrado interessante e viável.

No segmento de subprodutos da agroindústria destaca-se o bagaço de cana-de-açúcar, que representa a maior porcentagem de resíduos da agroindústria brasileira, apresentando sobra anual de 15 milhões de toneladas de bagaço (BÜRGI, 1995). Contudo, o uso desse subproduto na alimentação animal, em escala comercial, somente foi viabilizado com a adequação de tratamentos que permitiram aumentar o seu valor nutritivo; entre eles, o processo de adição de amônia (amonização) é uma alternativa que tem apresentado resultados promissores.

Um dos efeitos da ação da amônia sobre a forragem é a desestruturação no complexo formado pelos componentes da fibra (celulose, hemicelulose e lignina), oferecendo aos microrganismos maior área de exposição e, conseqüentemente, aumentando o grau de utilização das diferentes frações de fibra (GARCIA e NEIVA, 1994). Geralmente, o efeito mais expressivo sobre a fração fibrosa do material é a redução no teor de fibra em detergente neutro (FDN), em conseqüência da solubilização da hemicelulose (BUETTNER et al., 1982; VAN SOEST et al., 1984; MOORE et al., 1985; DRYDEN e LENG, 1988; REIS et al. 1990; e REIS et al., 1991). Outros resultados foram relatados por PEREIRA et al. (1990), que observaram ligeiro acréscimo no teor de celulose da palha de milho e do bagaço de cana-de-açúcar amonizados com amônia anidra. QUEIROZ et al. (1992), entretanto, mencionaram que o teor de lignina da palha de trigo tratada com amônia anidra foi reduzido em 19,8%, em decorrência da sua solubilização durante o processo.

Verifica-se também que a amonização promove aumento na digestibilidade da fibra, principalmente em virtude da solubilização parcial da hemicelulose. Segundo BUETTNER et al. (1982), coeficientes de digestão da matéria seca, FDN, FDA, celulose e hemicelulose foram aumentados pela amonização, em especial desta última, cuja digestibilidade aparente foi elevada de 62 para 92%. SAENGER et al. (1983), trabalhando com amonização de palha de trigo, verificaram que a digestibilidade in vitro da FDN variou de 42,5% na palha não-tratada para 67,6% na palha tratada com NH3 e a digestibilidade in vitro da FDA, de 43,5% para 60,4, respectivamente. Maior variação na digestibilidade dos componentes da fibra foi atribuída à maior porção (46,5%) da hemicelulose, que foi solubilizada parcialmente pela amônia.

Outro efeito marcante da amonização sobre os materiais tratados é o aumento no teor de compostos nitrogenados. Como esses materiais apresentam normalmente baixo teor de nitrogênio, que limita o desenvolvimento dos microrganismos do rúmen, o aumento no teor desse elemento após a amonização permite atuação mais eficaz das bactérias ruminais sobre os mesmos. Entre os compostos nitrogenados que sofrem os efeitos da amonização, o aumento no teor de proteína bruta (PB) é explicado pela adição de N não-protéico. Inúmeras pesquisas têm reportado elevação no teor de PB de materiais fibrosos amonizados, que variaram de 50 a 276% em função do tipo de matéria-prima tratada, do nível de amônia utilizado e das condições de temperatura e umidade reinantes (HORTON e STEACY, 1979; BEN SALEM et al., 1994; e FAHMY e KLOPFESTEIN, 1994).

A utilização da uréia como fonte de amônia tem sido estudada (NEIVA e GARCIA, 1995) por apresentar baixo custo e fácil manuseio. Apesar de a amonização com uréia apresentar resultados bastante promissores (REIS et al. 1995), há carência de pesquisas no sentido de se avaliarem o nível ótimo de adição, o teor de umidade adequado do material a ser amonizado e, principalmente, a necessidade ou não de se adicionar fonte de urease, enzima responsável pela hidrólise da uréia.

O trabalho foi desenvolvido objetivando-se avaliar os efeitos da adição de várias doses de uréia, em presença ou não de urease, sobre algumas características relacionadas ao valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar.

Material e Métodos

A presente pesquisa foi desenvolvida no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza (CE).

Foi adotado esquema fatorial (4 x 2) + 1 no delineamento inteiramente casualizado com quatro repetições. Os fatores estudados foram doses de uréia (2, 4, 6 e 8% da matéria seca), níveis de urease (presença - 20% da matéria fresca da uréia - e ausência) e um tratamento controle (0% de uréia e ausência de urease).

O bagaço foi adquirido de usinas da região metropolitana de Fortaleza e, após seu descarregamento, quatro amostras foram coletadas para se determinar o teor de matéria seca utilizando-se forno de microondas, de acordo com metodologia descrita por CAMPOS (1994).

Foi utilizada a soja grão moída como fonte de urease, sendo feita a mistura com a uréia na proporção de 20% (matéria fresca), segundo recomendação de JAYASURIYA e PEARCE (1983). Ao bagaço foi misturada a quantidade de uréia correspondente a cada dose e, em seguida, foi feita homogeneização. Esta mistura foi então colocada em sacos de polietileno com dimensões de 0,60 x 0,90 m e espessura de 0,20 mm. Os sacos, após o enchimento, foram vedados com fitas adesivas e armazenados em galpão coberto.

Ao final do período de amonização de 42 dias, acima do mínimo recomendado por SUNDSTOL et al. (1978), os sacos foram abertos e aerados por 6 horas para permitir a liberação do excesso de amônia. Então, retiraram-se amostras, que foram levadas à estufa a 55ºC para pré-secagem, sem perda de valor nutritivo, e posterior determinação dos teores de matéria seca, proteína bruta, fibra em detergente neutro e digestibilidade in vitro da matéria seca. As análises foram feitas no Laboratório de Nutrição Animal do Centro Nacional de Pesquisa de Caprinos CNPC/EMBRAPA, de acordo com metodologias descritas por SILVA (1990).

Para testar as hipóteses de efeito das doses de uréia e dos níveis de urease, foi utilizado o teste F na análise de variância (Tabela 1). O efeito dos tratamentos foi desmembrado em um conjunto de contrastes ortogonais, segundo recomendações de CHEW (1976), que forneceram os efeitos de controle vs. adição de uréia e/ou urease, uréia, urease e interação entre os efeitos de uréia e urease. Em relação à adição de uréia, procedeu-se à análise de regressão, decompondo-a em componentes linear e quadrático, para estimar o efeito das várias doses sobre cada variável analisada.

Resultados e Discussão

Caracterização do bagaço de cana amonizado

Por ocasião da abertura dos sacos, notou-se coloração mais escura do bagaço amonizado com doses mais elevadas de uréia (6 e 8% MS), o que também foi observado por SAENGER et al. (1983) quando amonizaram palha de trigo.

Por outro lado, o tratamento controle e os tratamentos com menores doses de uréia (2% e 4%) e adição de urease apresentaram fungos, principalmente, até o nível de 2%. Provavelmente, a quantidade de amônia liberada foi insuficiente para exercer sua ação fungicida e bactericida, conforme relatado por ALLI et al. (1983), tendo como agravante eventual presença de contaminantes trazidos pela soja.

Teor de matéria seca

O bagaço de cana no tratamento controle apresentou teor médio de matéria seca (69,6%) superior (P<0,01) ao dos materiais amonizados, em função das diferentes doses de uréia (63,3%), conforme se observa na Tabela 1 e na Figura 1. Estes resultados estão em concordância com os mencionados por HASSOUN et al. (1990), trabalhando com bagaço de cana amonizado com uréia. Já PEREIRA et al. (1992), amonizando palha de milho com uréia, não encontraram redução significativa no teor de MS, embora os valores apresentassem essa tendência. Reduções nos teores de matéria seca de materiais amonizados podem ser explicadas pelo elevado poder higroscópico da uréia e da amônia, fazendo com que o material absorva umidade do ambiente. Com relação às doses de uréia adicionada, observou-se efeito quadrático (P<0,05), conforme pode ser visto na Figura 1. A adição de até 6,2% de uréia propiciou redução progressiva no teor de MS, sendo que, a partir desta dose de uréia, o teor de MS voltou a se elevar, o que pode ser explicado pela elevação dos teores de MS, em função da maior proporção de soja-grão (fonte de urease), que apresenta 90% de MS, contribuindo assim para a elevação do teor total de MS dos referidos tratamentos. Esse fato é confirmado no presente trabalho por ter sido verificado efeito significativo (P<0,01) da adição de urease, ou seja, a adição de soja-grão elevou o teor de MS do bagaço (Figura 5a).







Teor de proteína bruta

De acordo com a Tabela 1, ocorreu diferença significativa (P<0,01) entre o teor médio de PB do tratamento controle (1,2%) e dos demais (12,0%), evidenciando o efeito benéfico da adição de uréia ao bagaço de cana (Figura 2). Este resultado está de acordo com os obtidos por HASSEN e CHENOST (1992) e QUEIROZ et al. (1992), ao amonizarem materiais fibrosos. Houve também efeito linear positivo (P<0,01) em relação às doses de uréia adicionada (Figura 2), o que está em concordância com PAIVA et al. (1995a). O aumento nos teores de PB pode ser explicado pela adição de nitrogênio não-protéico (NNP), em doses crescentes, via amonização. O efeito linear positivo das doses de uréia sobre o conteúdo de PB do bagaço não significa que o ideal seja adicionar altas doses de uréia, fonte de nitrogênio não-protéico (NNP), pois extrapolaria as necessidades nutricionais dos ruminantes. No presente estudo, o nível mínimo de PB para bom funcionamento do rúmen (7,0% PB) foi obtido com a adição de 2,7% de uréia, com base na matéria seca, sendo este valor calculado a partir da equação de regressão linear (Figura 2).


Não foi observado efeito significativo da adição de urease sobre o teor de PB (Figura 5b). Este resultado se assemelha aos obtidos por HASSOUN et al. (1990), amonizando bagaço de cana-de-açúcar com uréia. Como o teor de PB é obtido em função do teor de nitrogênio total, protéico ou não, não se pode detectar efeito da adição de urease sobre esta variável.

Teor de fibra em detergente neutro

Houve diferença significativa (P<0,01) entre os teores médios de FDN do tratamento controle (84,7%) e dos demais (81,4%), conforme a Tabela 1, evidenciando o efeito benéfico da adição de uréia sobre os teores de FDN (Figura 3). Resultados similares foram observados por CHESTNUT et al. (1988) e OLIVEROS et al. (1993). Esse efeito sobre a FDN é explicado principalmente pela solubilização da hemicelulose, conforme reportado por BUETTNER et al. (1982), DRYDEN e LENG (1988) e REIS et al. (1990). Com relação às doses de uréia adicionada, foi verificado efeito (P<0,05) linear negativo (Figura 3), ou seja, o aumento das doses de uréia implicou em diminuição dos teores de FDN. A adição de uréia até a dose de 8% promoveu redução de até 4,3 pontos percentuais (p.p.) no teor de FDN (de 84,7% para 80,4%) em relação ao controle, o que está em concordância com HAI e SINGH (1994), que obtiveram redução de 10,83 p.p. dos teores de FDN da palha de aveia com níveis de adição de uréia de até 4%. O maior efeito da amonização encontrado por esses autores pode ser atribuído à qualidade do material utilizado (WAISS JR. et al., 1972), que provavelmente era de valor nutritivo inferior ao bagaço tratado no presente estudo. PAIVA et al. (1995b), amonizando palhada de milho - material de mais alto valor nutritivo que o bagaço de cana - com amônia anidra, observaram pequena redução nos teores de FDN do material tratado. A adição de urease provocou elevação (P<0,05) do teor de FDN das amostras tratadas (média de 82,06%) em relação às amostras sem a adição da enzima (80,75%), como pode ser visto na Figura 5C. Este resultado é controverso, pois o efeito esperado para a adição de urease é a rápida hidrólise da uréia e potencialização do seu efeito, provocando redução nos teores de FDN do material amonizado, embora vários trabalhos relatem a ineficácia do tratamento com urease (HASSOUN et al., 1990; BROWN e ADJEI, 1995). Segundo SAHNOUNE et al. (1991) e JOY et al. (1992), níveis de umidade entre 20 e 30% poderiam inibir o efeito da urease, o que pode ter ocorrido no presente trabalho, em que o bagaço apresentou teor de umidade em torno de 30% no início do tratamento. No presente estudo, a elevação dos teores de FDN na presença de urease, apesar de significativa, apresentou pequeno valor absoluto e pode ter sido favorecida pelo baixo coeficiente de variação verificado para esta variável entre as amostras analisadas (Tabela 1).


Digestibilidade in vitro da matéria seca

Houve efeito significativo (P<0,01) da adição de uréia sobre os valores da DIVMS, conforme a Tabela 1. O valor da DIVMS do bagaço de cana não-tratado (23,2%) foi inferior ao valor médio do bagaço amonizado (28,5%), conforme a Figura 4. Este resultado está de acordo com OJI et al. (1977), que encontraram elevação de 8,6 p.p. na digestibilidade de palhadas de cereais tratadas com amônia anidra. Considerando-se as doses de uréia adicionada, foi verificado efeito (P<0,01) linear positivo (Figura 4), com as doses crescentes de uréia promovendo elevação na DIVMS do bagaço, confirmando as observações de FLACHOWSKY et al. (1996), amonizando palha de trigo, e CHIQUETTE et al. (1992), tratando feno de timóteo (Phleum pratense) com amônia anidra. A desestruturação provocada pela amônia no arranjo dos carboidratos estruturais proporciona à microbiota do rúmen grande quantidade de substrato disponível, explicando o aumento na DIVMS dos materiais fibrosos após a amonização (SAENGER et al., 1983).


A adição de urease não elevou a DIVMS, conforme se observa na Figura 5d. Este resultado confirma estudo de WILLIAMS et al. (1983), utilizando 5% de uréia com adição de soja-grão (base da matéria seca) na amonização de palha de cevada. Segundo esses autores, o material amonizado apenas com uréia apresentou degradabilidade in situ da matéria seca de 47,1%, enquanto o material amonizado com uréia e adição de soja-grão apresentou DISMS de 48,2%, não encontrando diferença significativa.

Conclusões

A amonização via uréia proporcionou melhoria no valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar, comprovada pela elevação do teor de PB e DIVMS e pela redução no conteúdo de FDN.

A adição de urease não resultou em melhoria significativa do valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar, provavelmente devido ao baixo teor de umidade do material original utilizado (em torno de 30%), e/ou à presença de quantidade suficiente da enzima no bagaço.

O nível mínimo de adição de uréia ao bagaço, visando à melhoria no seu valor nutritivo, foi 3% (base da MS), considerando-se o nível mínimo de PB adequado para bom funcionamento do rúmen. Porém, mais pesquisas precisam ser realizadas para se avaliar o seu efeito sobre o desenvolvimento de fungos e também para se determinar o nível de adição que apresenta a maior viabilidade econômica.

Recebido em:18/06/98

Aceito em:22/02/99

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    Pesquisa financiada pela Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa-FUNCAP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2012
    • Data do Fascículo
      1999

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 1998
    • Aceito
      22 Fev 1999
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