Avaliação de espécies forrageiras em áreas mal drenadas dos cerrados

Evaluation of forage species under savanna poor soil drainage conditions

Avaliação de Espécies Forrageiras em Áreas Mal Drenadas dos Cerrados

Maria Isabel de Oliveira Penteado¹, Manuel Claudio Motta Macedo¹,²

RESUMO - Com o objetivo de identificar espécies forrageiras adaptadas a condições de má drenagem, foram avaliados seis acessos de Paspalum e quatro de leguminosas. O experimento foi conduzido por três anos consecutivos na Fazenda Modelo, município de Terenos (MS), em área de campo cerrado, recém-desmatado, sobre um Plintosolo mal drenado. As produções de matéria verde e seca foram avaliadas por cortes, efetuados às três, seis, nove e 12 semanas posteriores à uniformização das parcelas, em épocas representativas das estações de seca e águas de cada ano experimental. As leguminosas não sobreviveram às condições do experimento e, entre as gramíneas, destacou-se o acesso BRA 010707 de Paspalum guenoarum, que é indicado para estudos posteriores visando ao lançamento comercial.

Palavras-chave: gramíneas, leguminosas, Paspalum, Plintosolo

Evaluation of Forage Species under Savanna Poor Soil Drainage Conditions

ABSTRACT - Six Paspalum and four legumes accessions were evaluated to identify forage species adapted to poor soil drainage conditions. The experiment was carried out during three successive years, in Modelo Farm, Terenos county (MS, Brazil), in "cerrado" type field area, just after the removing of the natural vegetation, on a poor Plinthaquox soil drainage conditions. Dry matter and green matter yields were evaluated by cuttings done at three, six, nine and 12 weeks after a plot cut uniformity in times that represent the dry and rainy seasons of each experimental year. The legumes accessions did not survive the experimental conditions. Among the grasses, the Paspalum guenoarum (BRA 010707) accession was very well adapted and it is recommended for further studies aiming the release of a new forage plant option for commercial enterprise.

Key Words: grasses, legumes, Paspalum, Paspalum, Plinthaquox

Introdução

O cultivo de plantas forrageiras tolerantes ao alagamento ou adaptadas a condições de má drenagem é uma alternativa para aproveitamento de áreas consideradas pouco produtivas para pecuária de corte. Muitos produtores possuem, em suas propriedades, áreas mal drenadas que são praticamente inexploradas, devido à falta de opções forrageiras para tais situações. De acordo com ADAMOLI et al. (1988), estas áreas representam cerca de 10% da área de Cerrados, onde predominantemente se pratica a pecuária de corte no Brasil.

Para o aproveitamento dessas áreas, além de um estudo criterioso das mesmas visando-se evitar problemas ambientais de proteção natural, é necessário identificar plantas que se adaptem adequadamente a solos mal drenados.

Algumas espécies forrageiras possuem, naturalmente, maior aptidão para estas condições, como as espécies do gênero Paspalum, entre as gramíneas. BUTTERWORTH (1985) considera as espécies Paspalum repens e Paspalum fasciculatum, entre outras, típicas de áreas inundadas no Brasil. Este gênero ocupa lugar de destaque, por apresentar várias espécies nativas das quais muitas apresentam bom valor forrageiro (BOGDAN, 1977; VALLS, 1987). Para a região do Pantanal sul-mato-grossense, por exemplo, a espécie Paspalum oteroi foi considerada por COMASTRI FILHO e COSTA JR. (1980) como uma das espécies nativas que mais se destacaram como forrageira, devido à sua adaptabilidade, palatabilidade e tolerância a pragas e doenças.

As espécies do gênero Paspalum estão organizadas em três grandes grupos botânicos, o Notata, o Dilatata e o Plicatula, sendo este último o de maior importância relativa no Brasil Central, onde é representado por diversas espécies de grande porte (VALLS e POZZOBOM, 1987), que apresentam excelente adaptação à seca, frio, alagamento, fogo e desfolha (BATISTA et al., 1987). Entre as leguminosas, a espécie Pueraria phaseoloides pode suportar altos níveis de água no solo (BOGDAN, 1977) e, também, algumas espécies do gênero Desmodium apresentam tolerância ao alagamento.

O presente trabalho foi conduzido com o objetivo de identificar materiais adaptados a condições de má drenagem para utilização como planta forrageira.

Material e Métodos

O experimento foi implantado na Fazenda Modelo, pertencente ao Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte (CNPGC) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), localizada no município de Terenos, MS, distante cerca de 20 km a oeste da cidade de Campo Grande, MS, em área de campo cerrado, recém-desmatado e solo mal drenado.

O clima da região é caracterizado como de transição entre Cfa e Aw, segundo a classificação de Köppen. A normal climática de precipitação anual é de 1550 mm e a temperatura média anual, de 23^oC, com estação seca bem definida (maio a setembro). Cerca de 70% das chuvas ocorrem no período de outubro a abril.

O solo no local do experimento foi classificado como Plintosolo distrófico, com horizonte A moderado, de textura argilosa (54,7% de argila na camada arável) e com as seguintes características químicas: pH (H₂O) 4,5; 0,6; 0,3 e 0,12 meq/100 cc de Ca⁺⁺, Mg⁺⁺ e K⁺, respectivamente; 56% de saturação de Al⁺⁺⁺, 1,3 mg/dm³ de P (Mehlich-1) e 4,2% de matéria orgânica. Foi aplicada, à época do plantio, uma adubação por hectare de 300 kg de superfosfato simples, 34 kg de cloreto de potássio e 30 kg de FTE BR16. Anualmente, foi feita a reposição de 34 kg/ha de cloreto de potássio. Nas parcelas de gramíneas foram adicionados 40 kg/ha de nitrogênio.

Foram avaliados seis acessos de gramíneas do gênero Paspalum e quatro de leguminosas (dois de Pueraria phaseoloides, um de Desmodium strigillosum e um de Desmodium heterocarpum), cujos registros são mostrados na Tabela 1.

O delineamento experimental foi o de blocos completos casualizados, com parcelas subsubdivididas no tempo, com três repetições, seguindo a metodologia proposta por TOLEDO (1982) para avaliação de plantas forrageiras em ensaios de rede. A parcela principal foi constituída pelo acesso forrageiro; as subparcelas, pelas semanas de crescimento; e as subsubparcelas, pelos anos de avaliação. A parcela principal era formada por quatro linhas de 5 m, distantes 0,5 m entre si, com 10 m² de área útil, e as subparcelas, por quadrados de 1 m, amostrados a cada três semanas, respeitando uma bordadura de 0,5 m na frente e no fundo da parcela principal.

Durante a fase de estabelecimento, foram observadas a porcentagem de cobertura, o número de plantas por m² e a altura média das plantas, às quatro, oito e 12 semanas após a semeadura, respectivamente. A porcentagem de cobertura do solo foi estimada visualmente e para altura das plantas foram medidas cinco plantas aleatoriamente.

As produções de matéria verde e seca foram avaliadas nas épocas da seca e das águas, por três anos consecutivos, amostrando-se 1 m² de área, às três, seis, nove e 12 semanas após cortes de uniformização que eram feitos no início de cada estação.

Os dados das variáveis observadas foram analisados por análise de variância e as médias, comparadas pelo teste de Waller-Duncan, de acordo com o procedimento General Linear Models (GLM) constante do aplicativo SAS (1989), considerando as parcelas perdidas e o Erro Tipo III.

Resultados e Discussão

Clima

As condições climáticas ocorridas no decorrer do experimento foram analisadas tomando-se como base as observações coletadas na estação climatológica principal do CNPGC-EMBRAPA, localizada aproximadamente a 9 km em linha reta do experimento, nas coordenadas 20°27' de latitude S e 54°37' de longitude W e com características climáticas similares. Os dados de precipitação são apresentados na Figura 1 e os de temperatura média, na Figura 2.

Observa-se pelos resultados que, durante o período experimental, alguns meses do ano, como outubro, novembro, dezembro e fevereiro, estiveram sistematicamente abaixo da precipitação normal obtida em 20 anos. Por outro lado, os meses de maio a julho apresentara temperaturas médias também abaixo da normal durante o período. Durante os três anos do experimento, observou-se precipitação crescente do primeiro para o terceiro ano e, quanto à temperatura, o segundo ano foi o mais frio, apresentando, em média, 1ºC a menos que os demais.

Mesmo nessas condições, o solo permaneceu com má drenagem, com mais de 90 dias cumulativos de água na seção de controle. Vale destacar a alta precipitação ocorrida no mês de janeiro de 1989, que resultou na permanência da lâmina de água sobre a área experimental por quase um mês.

Produção vegetal

Dos 10 acessos semeados, apenas o Desmodium strigillosum não se estabeleceu. Quanto às demais leguminosas, embora tenham germinado bem, as parcelas de Pueraria foram praticamente dizimadas pela geada ocorrida durante o inverno da segunda estação seca, mostrando uma rebrota insignificante no período chuvoso subseqüente e desaparecendo completamente no terceiro ano experimental. O Desmodium heterocarpum, mesmo persistindo durante os três anos de avaliação, não apresentou produções que garantissem sobrevivência e persistência caso tivesse sob pastejo animal. Posto que nenhuma leguminosa mostrou adaptação às condições testadas e pela insuficiência de dados, não se considerou esse material genético nas análises estatísticas. A principal informação é, portanto, a inadequação destes acessos de leguminosas às condições de solo mal drenado do experimento. Embora se tratando de gêneros sabidamente adaptados a condições de má drenagem, deve-se salientar que o solo no local do experimento é muito argiloso (cerca de 55% de argila na camada arável) e de baixa fertilidade natural, o que pode ter agravado a persistência dessas plantas.

Os seis acessos de gramíneas estudados estabeleceram-se bem e produziram sementes nos três anos de experimentação. Também mostraram boa tolerância ao frio, pragas e doenças, observando-se apenas leve ataque de insetos sugadores nas inflorescências, durante o primeiro ano experimental, e pequena incidência de ferrugem no terceiro ano de avaliação.

É importante salientar que, durante a estação de chuvas de 1988/89, houve alta precipitação, o que ocasionou inundação da área experimental, permanecendo uma lâmina de água por quase um mês, e agravou a má drenagem, valorizando os resultados obtidos.

Comparando os acessos de Paspalum durante a época de estabelecimento, observaram-se diferenças significativas para porcentagem de cobertura do solo e altura de plantas. Os acessos BRA 001449, BRA 001490 e BRA 008486 foram os mais precoces, enquanto o BRA 010693 foi o mais lento em se estabelecer (Tabela 2). Apesar destas diferenças, a metade dos acessos mostrou mais de 90% de cobertura de solo às 12 semanas após a semeadura.

Quanto à produtividade (g/m²) do germoplasma estudado, pela análise estatística, podem-se verificar diferenças entre os acessos, para a época de seca (P<0,05). Não se observaram diferenças significativas (P>0,01), no entanto, entre os acessos durante a estação de chuvas (Tabela 3). Comparando-se as produções de matéria seca dos acessos durante a estação de menor pluviosidade, pelo teste Waller-Duncan, observou-se diferença significativa entre o acesso BRA 010707 e os demais (Tabela 4).

Constatou-se também efeito significativo de anos (Tabela 3), em que a produção do segundo foi inferior à dos demais (Tabela 5). Isto pode ser explicado pelas temperaturas mais baixas observadas nesse período, além de provável efeito residual da pequena precipitação do ano anterior (Figuras 1 e 2). Em conseqüência, também foram observadas interações significativas (P<0,01) entre semanas de crescimento e anos, para as duas épocas de avaliação e entre acessos e anos para a época seca (Tabela 3).

Durante a estação seca, observou-se tendência de todas as gramíneas acumularem material até a nona semana (agosto) após o corte de uniformização e depois estabilizarem ou diminuírem suas produções devido ao acúmulo de material morto. Durante as águas, verificou-se que a produção se ajustava a uma curva ascendente até a 12ª semana. Concluiu-se, portanto, que há potencial para maior produção, além do período estudado (Figura 3). Esta é uma das limitações apresentadas pela metodologia utilizada, pois, se a estação das águas tivesse sido avaliada em sua plenitude, possivelmente observar-se-iam diferenças mais expressivas e talvez significativas entre os acessos.

Outro aspecto a se levar em conta é a rapidez de resposta ao corte de uniformização, com destaque para a taxa média de crescimento total do acesso BRA 010707 nas duas estações do ano. Essa velocidade de rebrota pode ser uma característica importante na determinação do manejo adequado da pastagem. É interessante notar que esse mesmo material foi bastante lento durante o estabelecimento.

Fazendo-se uma estimativa da taxa de crescimento total médio dos diferentes acessos de Paspalum, durante as diferentes semanas de crescimento, nas estações de águas e seca (Tabelas 6 e 7 ), em kg/ha/dia, tem-se para o acesso BRA 010707, taxas mais altas que as obtidas para os demais. Mesmo na época seca, em apenas uma ocasião a taxa de crescimento esteve abaixo de 12 kg MS/ha/dia, o que seria considerado abaixo dos requisitos mínimos exigidos para a seleção de material verde correspondente e dieta adequada de um animal adulto. Comparando-se estes resultados aos obtidos por Rika et al. (1991), citados por FISHER e KERRIDGE (1996), de 18,4 a 24,5 kg/ha/dia de MS em parcelas de Brachiaria humidicola, espécie conhecida que se adaptaria às condições do experimento, considera-se a produção de Paspalum razoável, embora com resultados abaixo do desejável na época seca. Dados de taxa de crescimento médio de Brachiaria brizantha cv. Marandu, sob diferentes níveis de fósforo, nas águas, em fase de estabelecimento e de utilização, obtidos por MACEDO e BONO (1997), mostraram médias de 113 e 64 kg MS/ha/dia, respectivamente, em Latossolo Vermelho escuro, bem drenado dos Cerrados.

Analisando-se estes resultados, pode-se inferir que, mesmo com produções mais baixas, nas condições de má drenagem e baixa fertilidade natural, há possibilidade de diversificação das espécies forrageiras.

Muitos autores relataram o potencial das espécies deste gênero na produção animal. BARCELLOS et al. (1997) observaram ganhos em peso de até 203 e 697 g/an./dia, respectivamente, durante as épocas de seca e de águas em pastagens consorciadas de Paspalum atratum e Arachis sp, estabelecidas em áreas parcialmente inundadas. Ganhos semelhantes foram obtidos em pastos de Brachiaria, de acordo com EUCLIDES et al. (1993), que, em solos bem drenados, observaram resultados de 234 e 461 g/an./dia em B. decumbens nas épocas de seca e de águas. Isso ressalta o potencial de espécies desse gênero no aproveitamento de áreas pouco utilizadas e que podem apresentar produções semelhantes às obtidas por pastos de Brachiaria nos Cerrados.

Conclusões

Com base nos resultados obtidos, recomenda-se o acesso BRA 010707 de Paspalum guenoarum para avaliação sob pastejo como potencialmente utilizável em áreas sujeitas a inundações ocasionais ou com problemas de drenagem.

Nenhum dos acessos de leguminosas testados mostrou adaptação às condições do experimento.

Agradecimento

Ao pesquisador Ademir Hugo Zimmer, pela coleta de dados do último ano agrícola.

Referências Bibliográficas

Recebido em: 24/11/98

Aceito em: 24/05/00

² Bolsista do CNPq.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Out 2002
• Data do Fascículo
  Dez 2000

Histórico

• Aceito
  24 Maio 2000
• Recebido
  24 Nov 1998