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Correlação entre digestibilidade in vitro da parede celular e três métodos analíticos para a avaliação quantitativa da lignina

Correlation between in vitro cell wall digestibility and three analytical methods for quantifying lignin

Resumos

Três métodos analíticos para a estimativa do conteúdo de lignina na parede celular, em diferentes frações vegetais, de sete espécies forrageiras, foram comparados. Os métodos empregados foram: lignina em detergente ácido (LDA), lignina permanganato de potássio e lignina solúvel em brometo de acetila (LSBA). Para o método espectrofotométrico (LSBA), foi utilizado como padrão de referência a lignina extraída da planta através do próprio reagente brometo de acetila. Não houve concordância entre os três métodos, sendo que, no geral, o método da LSBA mostrou valores mais elevados que os outros dois métodos e o método da LDA, menores valores. Na maioria das amostras, a concentração de lignina foi superior para a parede celular oriunda de planta madura em relação àquela proveniente de planta jovem, assim como o teor de lignina foi maior para a fração colmo em relação à fração folha. As leguminosas tenderam a apresentar teores mais elevados de lignina pelos métodos gravimétricos que as gramíneas, independentemente do estádio de maturidade. Entretanto, essa tendência não foi observada para o método LSBA, particularmente no estádio maduro. Preparações de parede celular foram fermentadas in vitro e os dados correlacionados com os teores de lignina obtidos por intermédio dos três métodos. O método LSBA exibiu os menores coeficientes de correlação, para a maioria das amostras, sugerindo que este método deve ser melhor avaliado.

digestibilidade; lignina brometo de acetila; lignina detergente ácido; lignina permanganato de potássio; método espectrofotométrico; parede celular


Three methods were compared in the estimate of lignin cell wall contents in different fractions of seven forage species. The methods for assaying lignin were: acid detergent lignin, permanganate lignin and acetyl bromide soluble lignin. The lignin extracted from the forage sample through the acetyl bromide reagent was employed as a reference standard for the spectrophotometric method. There was no agreement among the three methods; in general, the ABSL yielded higher values than the two other analytical procedures while the ADL method yielded the lowest values. For most samples, lignin concentration was higher for the mature plant cell wall in relation to the young plant; similarly, lignin concentration was higher for the stem fraction as compared to the leaf fraction. Legumes tended to show higher lignin values obtained through the gravimetric methods than grasses, regardless of maturity stage; however, this trend was not observed for the ABSL method, particularly at mature stage. The cell wall preparations were fermented "in vitro" and the data correlated with lignin concentrations obtained through the three methods. The spectrophotometric method exhibited the lowest correlation coefficients for the majority of samples, which strongly suggests that this method must be better evaluated.

acetyl bromide lignin; acid detergent lignin; cell wall; digestibility; potassium permanganate lignin; spectrophotometric method


Correlação entre Digestibilidade In Vitro da Parede Celular e Três Métodos Analíticos para a Avaliação Quantitativa da Lignina

1 1 Parte da tese de Mestrado do segundo autor. Parte de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP, processo número 95/3798-3.

Romualdo Shigueo Fukushima2 1 Parte da tese de Mestrado do segundo autor. Parte de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP, processo número 95/3798-3. , Nancy Maria de Fátima Savioli3 1 Parte da tese de Mestrado do segundo autor. Parte de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP, processo número 95/3798-3.

RESUMO - Três métodos analíticos para a estimativa do conteúdo de lignina na parede celular, em diferentes frações vegetais, de sete espécies forrageiras, foram comparados. Os métodos empregados foram: lignina em detergente ácido (LDA), lignina permanganato de potássio e lignina solúvel em brometo de acetila (LSBA). Para o método espectrofotométrico (LSBA), foi utilizado como padrão de referência a lignina extraída da planta através do próprio reagente brometo de acetila. Não houve concordância entre os três métodos, sendo que, no geral, o método da LSBA mostrou valores mais elevados que os outros dois métodos e o método da LDA, menores valores. Na maioria das amostras, a concentração de lignina foi superior para a parede celular oriunda de planta madura em relação àquela proveniente de planta jovem, assim como o teor de lignina foi maior para a fração colmo em relação à fração folha. As leguminosas tenderam a apresentar teores mais elevados de lignina pelos métodos gravimétricos que as gramíneas, independentemente do estádio de maturidade. Entretanto, essa tendência não foi observada para o método LSBA, particularmente no estádio maduro. Preparações de parede celular foram fermentadas in vitro e os dados correlacionados com os teores de lignina obtidos por intermédio dos três métodos. O método LSBA exibiu os menores coeficientes de correlação, para a maioria das amostras, sugerindo que este método deve ser melhor avaliado.

Palavras-chave: digestibilidade, lignina brometo de acetila, lignina detergente ácido, lignina permanganato de potássio, método espectrofotométrico, parede celular

Correlation Between In vitro Cell Wall Digestibility and Three Analytical Methods for Quantifying Lignin

ABSTRACT - Three methods were compared in the estimate of lignin cell wall contents in different fractions of seven forage species. The methods for assaying lignin were: acid detergent lignin, permanganate lignin and acetyl bromide soluble lignin. The lignin extracted from the forage sample through the acetyl bromide reagent was employed as a reference standard for the spectrophotometric method. There was no agreement among the three methods; in general, the ABSL yielded higher values than the two other analytical procedures while the ADL method yielded the lowest values. For most samples, lignin concentration was higher for the mature plant cell wall in relation to the young plant; similarly, lignin concentration was higher for the stem fraction as compared to the leaf fraction. Legumes tended to show higher lignin values obtained through the gravimetric methods than grasses, regardless of maturity stage; however, this trend was not observed for the ABSL method, particularly at mature stage. The cell wall preparations were fermented "in vitro" and the data correlated with lignin concentrations obtained through the three methods. The spectrophotometric method exhibited the lowest correlation coefficients for the majority of samples, which strongly suggests that this method must be better evaluated.

Key Words: acetyl bromide lignin, acid detergent lignin, cell wall, digestibility, potassium permanganate lignin, spectrophotometric method

Introdução

Animais ruminantes podem utilizar a porção fibrosa de plantas forrageiras como fonte de energia. Entretanto, o aproveitamento desta fonte de energia não pode ser considerado adequado, caso significativa porção seja excretada pelo animal. É geralmente considerado ser a lignina, ao se ligar quimicamente com os carboidratos da parede celular, o principal obstáculo à digestão da fibra (JUNG et al., 1996). Entretanto, os mecanismos de ação não estão completamente elucidados. Veja-se o exemplo de gramíneas, que embora apresentem menores concentrações de lignina que as leguminosas, aparentemente a lignina de gramíneas inibe mais acentuadamente a digestão (MOWAT et al., 1969). Outro exemplo reside na constatação de que nas forrageiras jovens, que caracteristicamente apresentam baixas concentrações de lignina, ligeiro aumento na concentração de lignina acarreta em significativo efeito negativo na digestibilidade, enquanto nas forrageiras maduras, que possuem elevados teores de lignina, aumento na concentração de lignina acarreta pequenos decréscimos na digestibilidade (JUNG e VOGEL, 1986).

A determinação da real concentração de lignina pode ser útil para estimar a extensão da digestão da fibra (AKIN et al., 1977). O grau de correlação existente entre a digestibilidade e o parâmetro medido é muitas vezes empregado para avaliar procedimentos analíticos. Embora o grau de correlação seja muitas vezes um critério insatisfatório, este índice reflete a praticidade de se obter a estimativa mais acurada do valor nutritivo a partir de dados da composição bromatológica (VAN SOEST e ROBERTSON, 1980). Entretanto, o grau de correlação para ser uma medida de valor exige que a determinação química de um dado nutriente seja pelo menos satisfatória (FONNESBECK, 1976).

A presente pesquisa pretendeu fornecer dados de concentração de lignina obtidos por meio de três procedimentos analíticos (dois de natureza gravimétrica e um espectrofotométrico) em algumas amostras de plantas forrageiras (planta inteira, colmo e folha), em dois estádios de maturidade, e correlacioná-los com os dados de digestibilidade in vitro da parede celular dessas plantas, de modo a eleger o método analítico mais adequado para a estimativa quantitativa da concentração de lignina.

Material e Métodos

Amostras de plantas forrageiras foram colhidas em dois estádios de maturidade, "início da fase reprodutiva" e "plena frutificação" (respectivamente, emergência da panícula ou início da abertura das primeiras flores e plena formação de cariopses ou vagens) no Campo agrostológico da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), em Pirassununga, SP. As espécies forrageiras estudadas foram as seguintes: aveia forrageira (Avena sativa), brizanta (Brachiaria brizantha), marandu (Brachiaria brizantha cv. marandu), setária nandi (Setaria anceps cv. nandi), estilosantes (Stylosanthes guianensis), siratro (Macroptilium atropurpureum) e soja perene (Neonotonia wightii ). As plantas foram cortadas e secas em estufa com ventilação forçada de ar a 65oC, por 72 horas. Foram obtidas três amostras: planta inteira, colmo e folha. Após moagem em moinho munido com peneira de 1 mm, as amostras foram acondicionadas em saquinhos plásticos.

Os dados relativos às concentrações de lignina foram obtidos por intermédio do método espectrofotométrico lignina solúvel em brometo de acetila - LSBA (FUKUSHIMA, 1996) e, para fins comparativos, dois outros métodos, de natureza gravimétrica, foram conduzidos: o método da lignina detergente ácido - LDA (VAN SOEST, 1963) e lignina permanganato de potássio - Lper (VAN SOEST e WINE, 1968).

Objetivando eliminar a interferência de outras substâncias que absorvem no mesmo comprimento de onda da lignina (MORRISON, 1972), foi escolhida a preparação de parede celular, descrita por IIYAMA e WALLIS (1990), e, com base no trabalho de SAVIOLI et al. (2000), foi incorporada uma etapa adicional inicial, que consistiu na infusão da amostra em água a 90ºC por 45 min, sendo, após, filtrada em cadinho de vidro com filtro de porcelana, porosidade grossa (40-60 micra). Esta mesma preparação foi a empregada para os ensaios de digestibilidade in vitro.

Os ensaios de digestibilidade in vitro foram realizados no Laboratório de Ciências Agrárias, pertencente à FZEA-USP. No ensaio de digestibilidade in vitro, as amostras de parede celular (em triplicatas) foram incubadas por 48 h a 39oC em solução de MacDougall e líquido ruminal, e apenas a fase fermentativa conduzida (FUKUSHIMA et al., 1991). Optou-se por fermentar a parede celular, pelo fato de a lignina exercer os seus efeitos deletérios sobre a parede celular, e não no conteúdo celular (VAN SOEST, 1964). O líquido ruminal foi proveniente de um bovino fistulado no rúmen recebendo dieta à base de volumoso (70% de capim e cana de açúcar picados) mais concentrado (30%).

O delineamento experimental utilizado para teores de lignina foi o inteiramente casualizado com duas repetições por tratamento (método analítico); os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA), e as diferenças entre as médias, determinadas pelo teste Tukey, a 5%. Para a digestibilidade in vitro, o delineamento experimental adotado foi o de blocos ao acaso; foram realizados três blocos, um em cada semana. Os dados de lignina, com base na parede celular, foram correlacionados com os valores de digestibilidade in vitro da parede celular das amostras de cada fração vegetal e em cada estádio de maturidade. Os dados foram analisados com o auxílio do pacote estatístico SAS (STATISTICAL ANALYSIS SYSTEM, 1985).

Resultados e Discussão

Os teores de lignina estimados por três métodos analíticos para a determinação da lignina nas espécies forrageiras, para as frações planta inteira, caule e folha, nos estádios de maturidade "início da fase reprodutiva" e "plena frutificação", com base na parede celular, podem ser visualizados na Tabela 1. No estádio de maturidade "início da fase reprodutiva", as concentrações de LDA variaram de 5,5 a 20,8% na planta inteira, 4,1 a 20,3% no caule e 4,1 a 20,3% na folha; no estádio de maturidade "plena frutificação", a LDA foi de 7,7 a 27,4% na planta inteira, 7,0 a 22,8% no caule e 6,2 a 25,0% na folha. No estádio "início da fase reprodutiva", a Lper variou de 14,2 a 33,3% na planta inteira, 11,7 a 32,8% no caule e 14,4 a 36,4% na folha; no estádio "plena frutificação", a Lper foi 19,8 a 33,0% na planta inteira, 15,9 a 30,5% no caule e 18,2 a 37,7% na folha. Para o estádio "início da fase reprodutividade", a LSBA variou de 16,6 a 26,1% na planta inteira, 17,0 a 31,7% no caule e 18,4 a 22,2% na folha; no estádio "plena frutificação", a LSBA foi de 19,9 a 28,9% na planta inteira, 16,9 a 29,7% no caule e 18,8 a 24,1% na folha. Pela análise dos dados constantes da Tabela 1, verifica-se discordância dos teores de lignina provenientes dos três métodos. Para as gramíneas, no geral, as concentrações de lignina determinadas pelo método LSBA foram mais altas que nos dois outros métodos, com o método da LDA proporcionando os valores mais baixos, dentro de cada fração vegetal, para ambos estádios de maturidade (P<0,05). Diferentemente das gramíneas, as leguminosas mostraram teores mais elevados pelo método Lper em relação ao método espectrofotométrico, continuando o método LDA com os mesmos valores (P<0,05). FUKUSHIMA e DEHORITY (2000) e SAVIOLI e FUKUSHIMA (2000) também registraram grande variação entre os resultados obtidos pelos métodos gravimétricos LDA e Lper e o método espectrofotométrico LSBA, para as mesmas amostras forrageiras. Uma das razões residiria na constatação de que, no método LDA, parte da lignina poderia ser solubilizada em uma das soluções que compõe o método (HATFIELD et al., 1994; FUKUSHIMA e DEHORITY, 1995), trazendo como consequência, teores subestimados de lignina. Por outro lado, concentrações mais elevadas de lignina pelo método LSBA em relação à LDA poderiam ser explicadas pela hipótese de que o método espectrofotométrico seria sensível o suficiente para detectar aqueles compostos fenólicos, que seriam rapidamente removidos pela ação das soluções que compõe o método LDA (FAHEY JR. et al., 1979). Apesar de existir a possibilidade de as leituras de densidade óptica estarem artificialmente elevadas por outros compostos que não a lignina, a explicação mais plausível ainda reside na constatação de que significativa porção da lignina é solúvel em uma das soluções que compõe o método LDA.

No geral, os teores de LSBA também foram superiores aos valores de Lper (nas gramíneas), embora em menor magnitude que a observada em relação à LDA. Contrariamente ao que é imputado ao método LDA, deve-se considerar que os teores de Lper possam estar artificialmente elevados, uma vez que outros componentes da parede celular (celulose e hemicelulose) podem ser atacados pela solução de permanganato de potássio, particularmente nas gramíneas imaturas (VAN SOEST e WINE, 1968). Em Festuca sp., parte da hemicelulose e alguns tecidos do mesofilo foram oxidados pela solução de permanganato (BARTON II e AKIN, 1977). No presente experimento, para a maioria das amostras de leguminosas, as concentrações de Lper foram superiores em relação à LSBA, que poderia ser especulada pela possível existência de ataque oxidativo do permanganato aos outros componentes da parede celular, além da lignina.

Valores de lignina obtidos com os três métodos mostraram efeito do estádio de maturidade em praticamente todas as amostras de parede celular de gramíneas (P<0,05 ¾ análise estatística não mostrada), predominando a observação de que plantas no estádio de "plena frutificação" (valores médios: LDA ¾ 12,2; Lper ¾ 19,7; LSBA ¾ 24,6%) apresentaram teores mais elevados quando comparados aos de plantas em "início da fase reprodutiva" (LDA ¾ 9,9; Lper ¾ 16,7; LSBA ¾ 19,7%). Para as leguminosas, o efeito da maturidade foi menos intenso, sendo em muitos casos observados menores teores de lignina em plantas maduras (valores médios: LDA ¾ 19,9; Lper ¾ 29,1; LSBA ¾ 21,9%) do que nas jovens (LDA ¾ 18,3; Lper ¾ 30,4; LSBA ¾ 24,6%). VAN SOEST (1994) já havia reportado observação semelhante e uma das conseqüências seria a constatação de que leguminosas podem apresentar elevada digestibilidade por tempo mais prolongado em relação às gramíneas. A fração caule mostrou concentrações mais elevadas de LDA (média de 15,2%) e LSBA (média de 25,2%) do que a folha (LDA ¾ 13,6; LSBA ¾ 20,8%) em praticamente todas as amostras (P<0,05 ¾ análise estatística não mostrada). HATFIELD et al. (1994) já haviam reportado achado semelhante, quando compararam os métodos LDA e "klason" entre si. JUNG e VOGEL (1992) observaram menores concentrações de LDA no tecido de folha em relação ao tecido de caule. Esta constatação vai de encontro à observação freqüentemente encontrada na literatura, em que usualmente os caules exibem valores de digestibilidade menores que as folhas (VAN SOEST, 1994). Entretanto, a constatação de concentrações mais elevadas de lignina nos caules, em comparação com as folhas, não foi observada com a mesma magnitude em relação ao método Lper; muito possivelmente, estas diferenças se devem à própria natureza dos métodos analíticos empregados. Quando se compararam os teores de lignina de uma dada fração vegetal, entre as espécies botânicas, constataram-se para todos os métodos, à exceção do método espectrofotométrico no estádio maduro, valores mais elevados para a maior parte das frações botânicas provenientes das leguminosas, em relação às gramíneas (P<0,05).

Os dados de digestibilidade in vitro da parede celular das amostras vegetais, nas frações planta inteira, caule e folha, nos estádios de maturidade "início da fase reprodutiva" e "plena frutificação", constam da Tabela 2. Da mesma maneira que já havia sido registrado para amostras de planta intacta (FUKUSHIMA e DEHORITY, 2000), a magnitude do desaparecimento da parede celular foi de maior grandeza naquelas amostras de parede celular oriundas de plantas no "início da fase reprodutiva" (33,2%) vs. "plena purificação" (30,8%), (P<0,05 ¾ análise estatística não mostrada). JUNG e VOGEL (1992) observaram que maturidade fisiológica resultou em decréscimo na degradação da FDN, hemicelulose e celulose de caule e folha das plantas estudadas. Aumento da concentração de lignina, à medida que a forrageira amadurece, é a explicação mais difundida (JUNG e VOGEL, 1986; VAN SOEST, 1994). O presente trabalho também mostrou teores mais elevados de lignina nas preparações de parede celular provenientes de plantas em "plena frutificação". Não houve clara indicação se a parede celular proveniente da fração folha foi mais ou menos extensivamente digerida que a parede celular de caule, embora um dos achados da presente pesquisa foi a maior concentração de lignina na fração caule em relação à folha. É necessário também levar-se em conta a observação de que a lignina presente no caule é possivelmente diferente daquela presente na folha (SAVIOLI e FUKUSHIMA, 2000). Quanto à espécie forrageira, não houve clara tendência de maior ou menor desaparecimento da parede celular para esta ou aquela espécie, excetuando-se as leguminosas siratro e soja perene, fração folha e no estádio jovem, que exibiram menores taxas de desaparecimento da parede celular, em contraste com as demais espécies.

Os dados de digestibilidade da parede celular de todas as frações vegetais foram correlacionados com os teores de lignina estimados pelos três procedimentos. As equações de regressão linear, bem como os respectivos coeficientes de correlação, estão mostrados nas Tabelas 3 e 4, respectivamente, para os estádios de maturidade "início da fase reprodutiva" e "plena frutificação". Embora seja difícil estabelecer um procedimento como o mais adequado para estimar a digestibilidade, aparentemente, os melhores resultados dos coeficientes de correlação indicariam os dois métodos gravimétricos. O método espectrofotométrico mostrou, no geral, os piores coeficientes de correlação entre o teor de LSBA e digestibilidade da parede celular. Resultados diferentes foram obtidos por FUKUSHIMA e DEHORITY (2000), que observaram altos coeficientes de correlação, a favor do método LSBA. As explicações para estes resultados discrepantes não estão claras. Entretanto, nos dois trabalhos citados, a comparacão foi com a digestibilidade da planta intacta, enquanto, no presente experimento, o ensaio de digestibilidade foi realizado com a parede celular. Embora exista forte correlação negativa entre quantidade de lignina e digestibilidade, a composição química da lignina deve também ter importante papel na determinação da digestibilidade da parede celular (JUNG, 1989; JUNG e VOGEL, 1992). GABRIELSON et al. (1990) verificaram que amostras de Panicum virgatum exibindo baixos ou elevados índices de digestibilidade in vitro diferiram na concentração de componentes fenólicos da lignina periférica ("non-core lignin"). E nem sempre alta correlação expressa relação de causa e efeito.

Como já destacado no presente estudo, foram fermentadas preparações de parede celular, em vez de planta intacta, pelo fato de a lignina exercer os seus efeitos deletérios sobre a parede celular, e não no conteúdo celular (VAN SOEST, 1964). Enquanto a digestibilidade da matéria seca foi similar entre diversos fenos de forrageiras, a mesma situação não se verificou entre as digestibilidades das fibras em detergente neutro e ácido (FUKUSHIMA et al., 1999). Leguminosas caracteristicamente tendem a possuir menor conteúdo de parede celular (altamente lignificado) e maior de conteúdo celular, relativo às gramíneas (VAN SOEST, 1994).

No presente estudo, o método espectrofotométrico não se mostrou o melhor estimador da digestibilidade em relação aos outros dois procedimentos. Entretanto, muitos outros ensaios deverão ser realizados, variando o número de espécies e variedades forrageiras, objetivando ampliar o leque de observações e, conseqüemente, obter maior variabilidade no teor de lignina.

Conclusões

O procedimento espectrofotométrico revelou potencial para ser empregado na determinação quantitativa da lignina em plantas forrageiras. Entretanto, o baixo coeficiente de correlação entre LSBA e digestibilidade in vitro da parede celular está a indicar que o método analítico em pauta deverá ser estudado com maior profundidade, para possível emprego na estimativa da digestibilidade de plantas forrageiras.

Recebido em: 24/05/99

Aceito em: 13/11/00

2 Médico Veterinário. Professor Associado da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP). Av. Duque de Caxias Norte, 225. CEP 13630-000, Pirassununga-SP. Telefone: (19) 561-2044. E.mail: rsfukush@usp.br

3 Bióloga. Aluna de pós-graduação em Zootecnia, área de Qualidade e Produtividade Animal da FZEA-USP. Bolsista da FAPESP.

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  • 1
    Parte da tese de Mestrado do segundo autor. Parte de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP, processo número 95/3798-3.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2001
    • Data do Fascículo
      Abr 2001

    Histórico

    • Recebido
      24 Maio 1999
    • Aceito
      13 Nov 2000
    Sociedade Brasileira de Zootecnia Universidade Federal de Viçosa / Departamento de Zootecnia, 36570-900 Viçosa MG Brazil, Tel.: +55 31 3612-4602, +55 31 3612-4612 - Viçosa - MG - Brazil
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