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Consórcio suíno-peixe: aspectos ambientais e qualidade do pescado

Integrated fish/pig systems: environmental feature and fish quality

Resumos

Amostras de músculo de carpa comum (Cyprinus carpio) e de água de três viveiros fertilizados com dejetos de suínos e de um viveiro em que os peixes foram alimentados com ração comercial para peixes foram analisadas durante seis meses. O objetivo foi observar a presença de bactérias patogênicas, como Salmonella, Staphylococcus aureus e coliformes totais e fecais, em peixes comercializados in natura no município de Chapecó, Santa Catarina. Foram aferidos quinzenalmente, na água dos quatro viveiros, oxigênio dissolvido, pH, turbidez, alcalinidade total, dureza total, amônia, nitrato e ortofosfato, bem como a quantidade de coliformes totais e fecais. A análise microbiológica músculo dos peixes demonstrou ausência de Salmonella em todas as amostras. A contagem dos demais microrganismos manteve-se inferior ao limite máximo permitido pela legislação vigente, em todas as amostras. Portanto, os peixes analisados estavam aptos ao consumo humano, pois atenderam aos padrões recomendados pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos (DINAL). A comparação entre os viveiros fertilizados com dejetos de suínos e o viveiro fertilizado com ração comercial para peixes não apresentou diferença significativa, porém apresentou efeito significativo sobre oxigênio dissolvido, turbidez, alcalinidade total e amônia. A matéria orgânica foi responsável pelos maiores valores, com exceção da turbidez, que foi menor no viveiro fertilizado com ração comercial para peixes. Entretanto, após análise de todos os parâmetros físico-químicos e microbiológicos da água dos viveiros, pode-se constatar que todos os viveiros se enquadraram nas classes II ou III da classificação de águas interiores estabelecida pelo CONAMA.

Cyprinus carpio; dejetos suínos; Salmonella; Staphylococcus aureus; coliformes totais e coliformes fecais


Samples from common carp (Cyprinus carpio) muscle and water from three fish ponds fertilized with pig manure and one where the fishes were fed with commercial ration, were analyzed for a period of six months. The objective was to observe the incidence of pathogenic bacterial, such as Salmonella, Staphylococcus aureus, total and fecal coliforms, in fish sold in natura in Chapecó county, Santa Catarina. Dissolved oxygen, pH, turbidity, total alkalinity, total hardness, ammonia, nitrate and orthophosphate, total and fecal coliforms were monitored at each 15 days in the water from the four fish ponds. Bacteriological examination fulfilled in all samples from fish muscles evidenced absence of Salmonella in all samples. Others microorganisms count maintened in all samples lower than the maximum limit number admitted by present legislation. The fishes analised were suitable for human consumption, because they attend the standard recommendation by the National Division of Food Sanitary Vigilance (DINAL). Comparation between fish ponds fertilized with pig manure and fish pond fertilized with commercial ration for fish showed no significant difference for the variables: dissolved oxygen, turbidity, total alkalinity, and ammonia. The organic matter was responsible by the high values, excepted for turbidity, that was lower for the fish pond fertilized with commercial ration for fish. However, after all physical-chemical and micobiological analyses of water of the fish ponds, it was conclude that all fish ponds were classified in the II or III class of the inner water classification stated by CONAMA.

common carp (Cyprinus carpio); swine waste; Salmonella; Staphylococcus aureus; total coliforms and fecal coliforms


AQÜICULTURA

Consórcio suíno-peixe: aspectos ambientais e qualidade do pescado

Integrated fish/pig systems: environmental feature and fish quality

Fabiana PilarskiI; Osmar Tomazelli JúniorII; Jorge de Matos CasacaIII; Flávio Roberto Mello GarciaIV; Ingrid Boesche TomazelliV; Ieda Rottava dos SantosVI

IBióloga Msc. em Zootecnia e Doutoranda em Aqüicultura pelo CAUNESP-UNESP de Jaboticabal (fabianap@caunesp.unesp.br)

IIOceanógrafo, Pesquisador do CEPAF-EPAGRI de Chapecó, SC (osmartj@epagri.rct-sc.br)

IIIMédico Veterinário, Pesquisador do CEPAF-EPAGRI de Chapecó, SC (jmcasaca@epagri.rct-sc.br)

IVBiólogo, Prof. Dr. Depto. de Biologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina-UNOESC, Campus Chapecó, SC. (flaviog@unoesc.rct-sc.br)

VEngenheira Química Gerente Técnica do Laboratório de Análises Microbiológicas LANAL-SENAI de Chapecó, SC. (ingrid@senai-sc.ind.br)

VIBióloga, Gerente de Qualidade do SENAI de Chapecó, SC (iedaro@senai-sc.ind.br)

RESUMO

Amostras de músculo de carpa comum (Cyprinus carpio) e de água de três viveiros fertilizados com dejetos de suínos e de um viveiro em que os peixes foram alimentados com ração comercial para peixes foram analisadas durante seis meses. O objetivo foi observar a presença de bactérias patogênicas, como Salmonella, Staphylococcus aureus e coliformes totais e fecais, em peixes comercializados in natura no município de Chapecó, Santa Catarina. Foram aferidos quinzenalmente, na água dos quatro viveiros, oxigênio dissolvido, pH, turbidez, alcalinidade total, dureza total, amônia, nitrato e ortofosfato, bem como a quantidade de coliformes totais e fecais. A análise microbiológica músculo dos peixes demonstrou ausência de Salmonella em todas as amostras. A contagem dos demais microrganismos manteve-se inferior ao limite máximo permitido pela legislação vigente, em todas as amostras. Portanto, os peixes analisados estavam aptos ao consumo humano, pois atenderam aos padrões recomendados pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos (DINAL). A comparação entre os viveiros fertilizados com dejetos de suínos e o viveiro fertilizado com ração comercial para peixes não apresentou diferença significativa, porém apresentou efeito significativo sobre oxigênio dissolvido, turbidez, alcalinidade total e amônia. A matéria orgânica foi responsável pelos maiores valores, com exceção da turbidez, que foi menor no viveiro fertilizado com ração comercial para peixes. Entretanto, após análise de todos os parâmetros físico-químicos e microbiológicos da água dos viveiros, pode-se constatar que todos os viveiros se enquadraram nas classes II ou III da classificação de águas interiores estabelecida pelo CONAMA.

Palavras-chave:Cyprinus carpio, dejetos suínos, Salmonella, Staphylococcus aureus, coliformes totais e coliformes fecais

ABSTRACT

Samples from common carp (Cyprinus carpio) muscle and water from three fish ponds fertilized with pig manure and one where the fishes were fed with commercial ration, were analyzed for a period of six months. The objective was to observe the incidence of pathogenic bacterial, such as Salmonella, Staphylococcus aureus, total and fecal coliforms, in fish sold in natura in Chapecó county, Santa Catarina. Dissolved oxygen, pH, turbidity, total alkalinity, total hardness, ammonia, nitrate and orthophosphate, total and fecal coliforms were monitored at each 15 days in the water from the four fish ponds. Bacteriological examination fulfilled in all samples from fish muscles evidenced absence of Salmonella in all samples. Others microorganisms count maintened in all samples lower than the maximum limit number admitted by present legislation. The fishes analised were suitable for human consumption, because they attend the standard recommendation by the National Division of Food Sanitary Vigilance (DINAL). Comparation between fish ponds fertilized with pig manure and fish pond fertilized with commercial ration for fish showed no significant difference for the variables: dissolved oxygen, turbidity, total alkalinity, and ammonia. The organic matter was responsible by the high values, excepted for turbidity, that was lower for the fish pond fertilized with commercial ration for fish. However, after all physical-chemical and micobiological analyses of water of the fish ponds, it was conclude that all fish ponds were classified in the II or III class of the inner water classification stated by CONAMA.

Key Words: common carp (Cyprinus carpio), swine waste, Salmonella, Staphylococcus aureus, total coliforms and fecal coliforms

Introdução

O Estado de Santa Catarina ocupa hoje lugar de destaque no cenário nacional com a produção de peixes de água doce, mantendo um crescimento anual em torno de 10%, tendo produzido cerca de 16 mil toneladas de pescado em 1999 (Tomazelli Jr. & Casaca, 2001).

Por outro lado, a região oeste catarinense tem sua economia impulsionada pela produção agropecuária, com destaque para a avicultura e suinocultura, contando com 76% das 3,4 milhões de cabeças produzidas em todo o Estado (Costa et al., 1998).

Esta grande disponibilidade de matéria orgânica na pequena propriedade rural, associada à delicada situação econômica do pequeno produtor rural, favoreceu o desenvolvimento da piscicultura integrada no Estado.

A utilização de resíduos orgânicos da propriedade, com reciclagem na piscicultura, estabelece um processo produtivo de baixo impacto ambiental, com custo de produção mínimo, proporcionando, desta forma, novas condições de vida à família rural, gerando empregos e prevenindo o êxodo rural, além de contribuir com a melhoria do meio ambiente (Lui & Cai, 1998).

Somente em Santa Catarina, a piscicultura é responsável pela geração de mais de mil empregos diretos e uma receita anual bruta de aproximadamente seis milhões de reais (Costa et al., 1998).

Na região oeste do Estado, o modelo básico para a criação de peixes é o policultivo, o qual tem sido reconhecido pela eficiente ocupação do espaço físico dos viveiros, bem como a utilização dos nichos alimentares (Zimmermann & New, 2000). Este sistema consiste na criação simultânea de duas ou mais espécies de peixes em um mesmo viveiro, com o objetivo de maximizar a produção, utilizando organismos com diferentes hábitos alimentares e distribuição espacial, proporcionando a oportunidade de aumentar a produtividade e a rentabilidade dos cultivos, devido às alterações sinergísticas que ocorrem neste sistema, em que uma espécie potencializa o crescimento da outra espécie (Kestemont, 1995).

As espécies geralmente utilizadas nestes viveiros são a carpa comum (Cyprinus carpio), carpa prateada (Hypophtalmichthys molitrix), carpa cabeça grande (Aristichthys nobilis), carpa capim (Ctenopharyngodon idellus) e tilápia-do-Nilo (Oreochormis niloticus), sendo a primeira a espécie principal, por ser um peixe de hábito alimentar omnívoro, elevada resistência às condições adversas do meio e às enfermidades, além de possuir uma carne com elevada aceitabilidade no mercado (Casaca & Tomazelli Jr., 1997).

Estas espécies, em um viveiro fertilizado com matéria orgânica, encontram um ambiente favorável para o seu crescimento, pois há um aproveitamento racional dos resíduos de alimentos e excrementos, que são transformados em biomassa de alto valor nutritivo e econômico, incrementando a produção e reduzindo o impacto ambiental (Schroeder, 1978).

Apesar de contribuir para o aumento da produção piscícola, o fornecimento de matéria orgânica, quando de forma incorreta, pode ocasionar queda na qualidade da água e prejudicar a saúde dos animais e seres humanos, com a presença de patógenos indesejáveis, causando danos à produção, além de poluição dos recursos naturais (Zhou et al., 1995).

Como a piscicultura integrada é amplamente difundida e vem sendo muito contestada pela inexistência de trabalhos na literatura à respeito da qualidade da carne do pescado produzida neste sistema, o objetivo deste trabalho foi avaliar microbiologicamente a qualidade do músculo de carpa comum (Cyprinus carpio) comercializada in natura no município de Chapecó, SC, por meio da enumeração de bactérias enteropatogênicas, como Salmonella, Staphylococcus aureus e coliformes totais e fecais, bem como a qualidade microbiológica e físico-química da água dos viveiros procedentes do policultivo integrado à suinocultura.

Material e Métodos

Período e local de coleta

Foram coletados ao acaso cinco exemplares de carpa comum por viveiro durante seis meses, totalizando 220 peixes e 44 amostras de água em duas propriedades do município de Chapecó, SC: viveiros 1, 2 e 3, sem renovação de água (somente reposição da água perdida por evaporação ou infiltração), com aporte direto e contínuo de matéria orgânica (incluindo urina, fezes, água de lavagem das pocilgas e restos de ração) com as baias construídas sobre o mesmo (Figura 1); viveiro 4, sem aporte de dejetos, onde os peixes foram alimentados exclusivamente com ração comercial para peixe e com renovação constante da água (100% do volume total do viveiro em um dia).


Nos viveiros 1, 2 e 3, foi desenvolvido o policultivo de peixes, utilizando as seguintes espécies: carpa comum (Cyprinus carpio), carpa prateada (Hypophtalmichthys molitrix), carpa cabeça grande (Aristichthys nobilis), carpa capim (Ctenopharyngodon idellus) e tilápia-do-Nilo (Oreochormis niloticus), com densidades de estocagem de 4.500 peixes/ha (Tabela 1).

Amostragem dos animais e da água dos viveiros

Os exemplares de Cyprinus carpio submetidos aos dois tratamentos foram coletados nos viveiros de criação com auxílio de tarrafa, lavados em água corrente para retirada de escamas e excesso de muco, visando facilitar as análises microbiológicas. As coletas de água e medições dos parâmetros físico-químicos foram efetuadas assepticamente na superfície dos quatro viveiros quinzenalmente às 8h30, ao mesmo tempo em que os peixes foram capturados.

As análises microbiológicas de Cyprinus carpio e da água dos viveiros foram realizadas no Laboratório de Análises Microbiológicas (LANAL) do SENAI de Chapecó, SC. No músculo dos animais foi verificada a presença ou ausência de microrganismos patogênicos como Salmonella, Staphylococcus aureus e coliformes totais e fecais, utilizando-se a técnica de fermentação em tubos múltiplos expressa em número mais provável (NMP), segundo os Padrões Microbiológicos do Ministério da Saúde, portaria 001 de 28 de fevereiro de 1987 (Brasil, 1987).

Dados hidrológicos dos viveiros

Nas amostras de água foram enumerados os coliformes totais e fecais utilizando a mesma técnica adotada para o músculo do peixe. Os valores de temperatura, pH e turbidez das amostras foram mensurados com o multi-sensor marca Horiba U10. As determinações de N-Nitrato (N-NO3) foram realizadas segundo método descrito por Mackereth et al. (1978); as concentrações de amônia total, de acordo com o método proposto por Koroleff (1976); e a concentração de oxigênio dissolvido, por titulação pelo método de Winckler modificado. Amostras de água foram coletadas, com auxílio de garrafa de Van Dorn, para determinação de alcalinidade (titulação potenciométrica), P-ortofosfato (P-PO-24) e dureza (titulação com EDTA), por intermédio do método descrito por Golterman et al. (1978). Mediu-se também a transparência da água utilizando-se o disco de Secchi.

Análise estatística

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com dois tratamentos (dejeto de suíno e ração comercial para peixe) e doze repetições. Os dados microbiológicos (coliformes totais e fecais), tanto do músculo dos animais quanto da água, foram submetidos ao teste F para análise de variância (SAS), e as médias, quando diferentes significativamente, foram comparadas pelo teste de Dunnett (0,05%). Os parâmetros físico-químicos da água dos quatro viveiros foram avaliados e comparados por intermédio do teste de contrastes ortogonais (SAS).

Resultados e Discussão

Em todas as análises microbiológicas realizadas no músculo de Cyprinus carpio, não foi notificada a presença de Salmonella em nenhuma das amostras, estando de acordo com as recomendações da legislação vigente.

Staphylococcus aureus foi verificada em uma única amostra, no viveiro 2, possivelmente após o rompimento do intestino de um dos peixes durante a manipulação, resultando em contaminação do músculo. Em todas as amostras subseqüentes, essa bactéria apresentou valores inferiores a 1 x 10 UFC/g (unidade formadora de colônia), ou seja, considerando-se o músculo de qualquer produto cárneo isento do microrganismo, estiveram de acordo com a legislação, em que são permitidos até 103 UFC/g.

A contagem de coliformes fecais, na maioria das amostras, apresentou valores entre < 3 NMP/g e 1x10 NMP/g (número mais provável), também estando de acordo com a legislação, onde o limite máximo permitido é de 102 NMP/g. O número de coliformes totais foi semelhante ao número de coliformes fecais (Tabela 2). A maioria das amostras apresentou valores entre < 3 NMP/g e 1,5x102 NMP/g (resultado obtido no viveiro 2, em decorrência do rompimento do intestino de um peixe, que elevou a média geral das demais análises). Não foi observada tendência do aumento de NMP de coliformes totais e fecais encontrados no músculo do peixe com o encontrado na água dos viveiros, constatando que a situação microbiológica dos peixes não foi resultado da situação microbiológica da água dos viveiros. Os dados contrastam com os obtidos por Antoniolli (1993), que, ao realizar trabalho sobre a qualidade da carne de carpa comum alimentadas com dejetos, observou que a água influencia a situação microbiológica dos peixes e também com os dados obtidos por Easa et al. (1995), ao estudarem tilápias do Nilo tratadas com efluentes domésticos, as quais se apresentaram isentas de microrganismos, devido ao nível reduzido destes na água do efluente.

Entretanto, apesar da qualidade do músculo não ter sido afetada pela qualidade da água, esta é uma preocupação constante em criações de peixes integradas à de outros animais. Quando a água é de baixa qualidade, podem ocorrer quedas no desempenho produtivo e mortalidade dos peixes, o que acarreta redução da produção e da lucratividade.

Coelho et al. (1990), ao estudarem a microbiota de tilápias alimentadas com dejetos de suínos, e Rosa et al. (1990), pesquisando microrganismos patogênicos em tilápias alimentadas com dejetos suínos, concluíram que os peixes apresentaram índices microbiológicos dentro dos valores permitidos pela legislação para consumo humano.

Silva & Lima (1990), estudando aspectos sanitários da criação de tambaqui em consórcio com suínos, também obtiveram resultados semelhantes ao dos pesquisadores acima mencionados.

No período de chuvas constantes, observou-se tendência para aumento do número de coliformes totais e fecais nos viveiros 1, 2 e 3, devido à entrada de enxurrada nos viveiros, a qual acarretou maior quantidade de matéria orgânica na água.

A análise de variância realizada para comparar as quantidades médias de coliformes (totais e fecais) entre os quatro viveiros revelou efeito significativo (Tabela 3) e estas foram comparadas pelo teste de Dunnett (0,05%). Comparando os resultados obtidos nos viveiros 3 e 4, não foram encontradas diferenças significativas, pois o viveiro 3 apresentou praticamente as mesmas condições microbiológicas do viveiro 4, ou seja, 91% das amostras do viveiro 3 apresentaram valores inferiores a 1000 NMP/100 mL e 100% das amostras do viveiro 4, inferiores a esta contagem, salientando que o viveiro 3 recebeu aporte de matéria orgânica de até 150 suínos por hectare, e o viveiro 4 não recebeu aporte de dejetos, sendo os peixes alimentados exclusivamente com ração. Portanto, observou-se que os índices microbiológicos dos viveiros 3 e 4 estão de acordo com os padrões microbiológicos exigidos pela legislação ambiental para águas de classe II, ou seja, águas destinadas ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional, à proteção das comunidades aquáticas, à recreação de contato primário, à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas e à criação natural ou intensiva de espécies destinadas à alimentação humana.

Nos viveiros 1 e 2, houve excesso de matéria orgânica, com até 184 suínos por hectare, sendo três vezes maior que a indicação técnica regional, de 60 suínos/ha.

A introdução excessiva de matéria orgânica na água permite um exacerbado desenvolvimento de fitoplâncton, o que acarreta desequilíbrio ecológico, depressão das concentrações de oxigênio dissolvido e asfixia dos seres aeróbios (Boyd, 1997), ou ainda afetar a qualidade do peixe produzido, em virtude da grande variedade de compostos sintetizados por estes organismos que, ao serem absorvidos pelos peixes, tornam-nos impróprios para o consumo (Baccarin, 2002).

Portanto, é necessário definir ações que visem otimizar o manejo e reduzir a influência do uso de diferentes fontes alimentares sobre a qualidade da água, além de aumentar a eficiência produtiva da atividade piscícola, sem que haja prejuízo ao meio ambiente. Deve-se apenas seguir as recomendações de técnicos especializados em piscicultura, respeitando o limite de capacidade de carga dos ecossistemas aquáticos e a capacidade de reciclagem dos mesmos (Quesada et al., 1998). Com isso, pode-se estabelecer um sistema de reciclagem de matéria orgânica proveniente de outras atividades agropecuárias, com baixo impacto ambiental e alta lucratividade.

No viveiro 4 (sem aporte de matéria orgânica), foi encontrada diferença significativa (p>0,001) na alcalinidade, inferior à dos demais viveiros, em razão de a água deste não ter recebido calagem e ter renovação constante de água, permitindo inferir que a alcalinidade seja reflexo da água de abastecimento, já que na região oeste catarinense a alcalinidade é baixa, devido ao fato de a formação litológica ser de basalto (Figura 2 a). Já os viveiros 1, 2 e 3 tiveram efeito cúbico de 3o grau, isto é, a curva iniciou com valores baixos com tendência à elevação, tendo o maior pico no dia 7. O aumento da alcalinidade nestes viveiros provavelmente decorreu do aumento de matéria orgânica na água, que produz ácidos orgânicos que podem reagir para neutralizar íons hidrogênio (H+), atuando como bases e, portanto, contribuindo para elevar o teor de alcalinidade da água. Este aumento também pode ser atribuído à maior quantidade de fitoplâncton existente nestes viveiros, o qual consome e libera dióxido de carbono, contribuindo também para o aumento da alcalinidade, devido à formação de íons carbonatos e bicarbonatos (Sipaúba-Tavares, 1995). Entretanto, os quatro viveiros estudados apresentaram, ao longo de todo o experimento, valores superiores a 20 mg/L, conforme recomendações técnicas para viveiros de piscicultura, determinadas por Boyd (1972), o qual afirma que a alcalinidade total mínima aceitável para que um viveiro de piscicultura apresente boa produção de peixes é de 20 mg/L.


A dureza não demonstrou diferença significativa entre os quatro viveiros estudados (Figura 2 b), pois a comparação das curvas representativas do viveiro 4 com os demais demonstrou que todos tiveram efeito cúbico de 3o grau, aumentando até a quinta coleta, tornando a reduzir e tendendo a aumentar novamente.

A amônia apresentou diferença significativa entre os viveiros (p<0,01), sendo menor no viveiro 4 (Figura 2 c). Essa diferença entre níveis de amônia se deve ao fato de os viveiros 1, 2 e 3 receberem carga diária de matéria orgânica e por possuírem baixa renovação de água. Entretanto, a maioria das amostras analisadas apresentou concentrações mínimas de zero e máximas de 4,3 mg/L, salientando que os padrões catarinenses para piscicultura admitem concentração de amônia total de até 2 mg/L e a legislação ambiental tolera concentrações de até 5 mg/L para emissão de efluentes líquidos. Além disso, todas as coletas ocorreram na parte da manhã, quando a concentração de amônia tende a apresentar valores mais elevados, em razão de o processo ser predominantemente heterotrófico durante a noite.

O nitrato (Figura 3 a) não demonstrou diferença significativa entre os quatro viveiros estudados. Contudo, todas as amostras analisadas apresentaram sempre resultados inferiores a 5 mg/L, bem abaixo da concentração tolerada pela legislação para águas de classe II (máximo de 10 mg/L), pois, em sistemas de criação de peixes com elevada carga de matéria orgânica, o nitrato geralmente apresenta valores baixos, em virtude de o sistema ser predominantemente orgânico. Além disso, a amônia e o nitrato são perdidos pela desnitrificação, um processo microbiano em que são convertidos em gás nitrogênio, que é difundido para o ar. Adições periódicas de nitrogênio (NO3, NO2, NH3 e NH4) devem ocorrer nos viveiros, em forma de fertilizantes ou rações, para que as concentrações sejam mantidas altas o suficiente para o crescimento abundante do fitoplâncton e, conseqüentemente, para obtenção de maior produtividade (Boyd, 1997).


O pH não apresentou diferença significativa entre os quatro viveiros (Figura 3 b). Entretanto, houve efeito cúbico de 3o grau para os viveiros 1, 2 e 3 ao longo do tempo (efeito tempo), o que não aconteceu para o viveiro 4. O pH obtido pela manhã em todas as amostras foi sempre superior a 6,5, condição muito boa para viveiros de piscicultura que possuem densa população fitoplanctônica e, por isso, estão sujeitos a variações amplas de pH. O pH oscila consideravelmente com a hora do dia e profundidade da água, pois geralmente está relacionado à concentração de dióxido de carbono. O dióxido de carbono reage com a água liberando íon hidrogênio (ácido). Durante o dia, a remoção do dióxido de carbono utilizado na fotossíntese pelas plantas aquáticas provoca elevação no pH e, à noite, ocorre o inverso: a fotossíntese cessa e o dióxido de carbono se acumula na água, acidificando o meio e acarretando declínio do pH. Outro motivo para o pH não ter sido inferior a 6,5 em nenhuma das amostras é a alcalinidade ter-se mantido sempre superior a 20 mg/L como mencionado anteriormente. De acordo com Sipaúba-Tavares (1995), o pH ideal para viveiros de piscicultura varia entre 6,5 e 9,5.

O ortofosfato (Figura 3 c) não demonstrou diferença significativa entre os viveiros; todavia, os viveiros 1, 2 e 3 apresentaram em todas as análises valores superiores ao viveiro 4, fato decorrente do aporte de matéria orgânica. Entretanto, este fator é positivo, pois permite que os viveiros com aporte de matéria orgânica tenham sempre ortofosfato solubilizado e disponível para o fitoplâncton, já que este geralmente apresenta perda permanente para o sedimento e constitui-se em um dos nutrientes mais limitantes na piscicultura, principalmente quando se depende de alimento natural para a produção de peixes.

O oxigênio dissolvido demonstrou diferença significativa entre os viveiros, provavelmente devido ao ao aporte de matéria orgânica nos viveiros 1, 2 e 3. A matéria orgânica contribui para a variação diária do oxigênio na água, principalmente durante sua decomposição, que resulta na depreciação do oxigênio dissolvido, em decorrência da respiração microbiana e da nitrificação, afetando a taxa de crescimento dos peixes quando prolongado por vários dias (Jamu & Piedrahita, 2002). Porém, em policultivos de carpa, é tolerável concentração mínima de oxigênio, ao amanhecer de 3 mg/L. Nos quatro viveiros estudados, a concentração de oxigênio dissolvido manteve-se superior a 5 mg/L, estando de acordo com a legislação para águas de classe II, que exige concentração mínima de 5 mg/L (Figura 4 a).


A turbidez demonstrou diferença significativa entre os quatro viveiros (Figura 4 b), sendo menor no viveiro quatro, provavelmente em conseqüência da remoção da argila contida no fundo do viveiro durante a coleta dos peixes. Já para os viveiros 1, 2 e 3, a turbidez ocorreu, principalmente, devido ao desenvolvimento do fitoplâncton e zooplâncton. O CONAMA cita, para águas de classe I, até 40 UNT e para águas de classe II, 100 UNT; os valores encontrados neste trabalho para os quatro viveiros permaneceram abaixo de 40 UNT.

Os resultados desta pesquisa corroboram os obtidos por Tomazelli Jr. & Casaca (1996) que, ao estudarem os padrões físico-químicos e microbiológicos dos efluentes provenientes de viveiros de piscicultura integrada, concluíram que os viveiros se enquadraram dentro dos limites estabelecidos pela legislação vigente, para emissão de efluentes líquidos e para águas de classes II e III.

Conclusões

As análises realizadas no músculo de Cyprinus carpio durante toda a pesquisa não revelaram diferença microbiológica entre as carpas cultivadas em viveiros fertilizados com matéria orgânica e em viveiros fertilizados com ração, constatando que ambas se enquadram dentro dos padrões estabelecidos pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos (DINAL) estando, portanto, aptas ao consumo humano.

As análises físico-químicas e microbiológicas realizadas na água dos viveiros foram satisfatórias, pois dois viveiros foram classificados como águas de classe II e três viveiros como águas de classe III, indicando que, com adequado manejo, a piscicultura integrada à suinocultura se enquadra na legislação ambiental vigente.

Literatura Citada

Recebido em: 27/08/02

Aceito em: 06/08/03

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004

Histórico

  • Aceito
    06 Ago 2003
  • Recebido
    27 Ago 2002
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