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Cana-de-açúcar em substituição à silagem de milho em dietas para vacas em lactação: desempenho e viabilidade econômica

Sugar cane as a substitute for corn silage in diets for milking cows: Performance and economical viability

Resumos

Objetivou-se avaliar a substituição da silagem de milho por até 100% de cana-de-açúcar, em dietas para vacas leiteiras. As características estudadas foram: produção e composição do leite, variação do peso vivo, consumo de nutrientes e viabilidade econômica das dietas utilizadas. Doze vacas da raça Holandesa, puras e mestiças, em lactação, com potencial de produção de 5.000 a 7.000 kg de leite por lactação, foram distribuídas em três quadrados latinos, 4x4 balanceados. Os animais foram mantidos em baias individuais, onde receberam alimentação ad libitum, com relação volumoso:concentrado de 60:40, duas vezes ao dia, durante 84 dias experimentais. Os tratamentos consistiram de quatro níveis de substituição de silagem de milho por cana-de-açúcar: 0; 33,3; 66,6 e 100%. As produções de leite foram 24,17; 23,28; 22,10 e 20,36 kg/dia e as produções de leite corrigidas para 3,5% de gordura foram 27,00; 24,98; 24,36 e 21,41 kg/dia para os níveis 0; 33,3; 66,6 e 100% de cana-de-açúcar no volumoso, respectivamente. Não houve alteração na composição do leite. Os consumos das dietas, com base na matéria seca, foram de 177,90; 169,42; 165,69 e 156,80g/kg0,75, com o aumento dos níveis de cana-de-açúcar, ou seja, houve redução linear. Observou-se diminuição dos custos de alimentação: 4,79; 4,33; 4,00 e 3,58R$/dia; nas receitas: 8,32; 7,60; 6,55 e 5,63R$/dia, e conseqüentemente, nos lucros: 3,53; 3,27; 2,55 e 2,05R$/dia, para os níveis de 0; 33,3; 66,6 e 100% de substituição, respectivamente. Apesar disto, a substituição de 33,3% de silagem de milho por cana-de-açúcar foi técnica e economicamente viável, o que não ocorreu para os níveis de 66,6 e 100% de substituição.

cana-de-açúcar; consumo; custos com alimentação; produção de leite


The experiment was carried out to evaluate the effects of the replacement of corn silage by up to 100% sugar cane in diets for milking cows. Studied characteristics were milk production and composition, body weight variation, intake of nutrients and economical viability of the diets. Twelve pure and crossbred Holstein milking cows, with potential yield of 5,000 to 7,000 kg of milk per lactation, were distributed in three 4x4 balanced latin square. The animals were maintained in individual stalls, where they were fed ad libitum diets with forage:concentrate ratio of 60:40 twice a day during the 84 experimental days. Treatments consisted in four levels of corn silage substitution by sugar cane: 0; 33.3; 66.6 and 100%. Milk productions were 24.17; 23.28; 22.10 and 20.36 kg/day and corrected 3.5% fat milk productions were 27.00; 24.98; 24.36 and 21.41 kg/day to the levels 0; 33.33; 66.66 and 100% of sugar cane in roughage, respectively. There was not difference in milk composition. Diets intakes, based on dry matter, were 177.90; 169.42; 165.69 and 156.80g/kg0.75 when levels of sugar cane increased in the diets, so, there was a linear reduction. The feeding costs reduced, on R$/day: 4.79; 4.33; 4.00 and 3.58, as well as the incomes, on R$/day: 8.32; 7.60; 6.55 and 5.63, and profits, on R$/day: 3.53; 3.27; 2.55 and 2.05 to the levels 0; 33.3; 66.6 and 100% of sugar cane, respectively. In spite of this, the level of 33.3% of sugar cane in corn silage replacement was technical and economically viable while the levels 66.6 and 100% of substitution were not viable.

feeding costs; intake; milk production; sugar cane


Cana-de-açúcar em substituição à silagem de milho em dietas para vacas em lactação: desempenho e viabilidade econômica1 1 Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada ao Departamento de Zootecnia da UFV.

Sugar cane as a substitute for corn silage in diets for milking cows. Performance and economical viability

André Luiz Rodrigues MagalhãesI; José Maurício de Souza CamposII; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; Robledo de Almeida TorresII; Josué Mendes NetoIII; Anderson Jorge de AssisIV

IEstudante de doutorado do Departamento de Zootecnia da UFV, bolsista da CAPES (andre30036@hotmail.com)

IIProfessores do Departamento de Zootecnia da UFV/UFV (jmscampos@ufv.br; scvfilho@ufv.br)

IIIEstudante de doutorado do Departamento de Zootecnia da UFV, bolsista do CNPq

IVEstudante de doutorado do Departamento de Zootecnia da UFV, bolsista da CAPES

RESUMO

Objetivou-se avaliar a substituição da silagem de milho por até 100% de cana-de-açúcar, em dietas para vacas leiteiras. As características estudadas foram: produção e composição do leite, variação do peso vivo, consumo de nutrientes e viabilidade econômica das dietas utilizadas. Doze vacas da raça Holandesa, puras e mestiças, em lactação, com potencial de produção de 5.000 a 7.000 kg de leite por lactação, foram distribuídas em três quadrados latinos, 4x4 balanceados. Os animais foram mantidos em baias individuais, onde receberam alimentação ad libitum, com relação volumoso:concentrado de 60:40, duas vezes ao dia, durante 84 dias experimentais. Os tratamentos consistiram de quatro níveis de substituição de silagem de milho por cana-de-açúcar: 0; 33,3; 66,6 e 100%. As produções de leite foram 24,17; 23,28; 22,10 e 20,36 kg/dia e as produções de leite corrigidas para 3,5% de gordura foram 27,00; 24,98; 24,36 e 21,41 kg/dia para os níveis 0; 33,3; 66,6 e 100% de cana-de-açúcar no volumoso, respectivamente. Não houve alteração na composição do leite. Os consumos das dietas, com base na matéria seca, foram de 177,90; 169,42; 165,69 e 156,80g/kg0,75, com o aumento dos níveis de cana-de-açúcar, ou seja, houve redução linear. Observou-se diminuição dos custos de alimentação: 4,79; 4,33; 4,00 e 3,58R$/dia; nas receitas: 8,32; 7,60; 6,55 e 5,63R$/dia, e conseqüentemente, nos lucros: 3,53; 3,27; 2,55 e 2,05R$/dia, para os níveis de 0; 33,3; 66,6 e 100% de substituição, respectivamente. Apesar disto, a substituição de 33,3% de silagem de milho por cana-de-açúcar foi técnica e economicamente viável, o que não ocorreu para os níveis de 66,6 e 100% de substituição.

Palavras-chave: cana-de-açúcar, consumo, custos com alimentação, produção de leite

ABSTRACT

The experiment was carried out to evaluate the effects of the replacement of corn silage by up to 100% sugar cane in diets for milking cows. Studied characteristics were milk production and composition, body weight variation, intake of nutrients and economical viability of the diets. Twelve pure and crossbred Holstein milking cows, with potential yield of 5,000 to 7,000 kg of milk per lactation, were distributed in three 4x4 balanced latin square. The animals were maintained in individual stalls, where they were fed ad libitum diets with forage:concentrate ratio of 60:40 twice a day during the 84 experimental days. Treatments consisted in four levels of corn silage substitution by sugar cane: 0; 33.3; 66.6 and 100%. Milk productions were 24.17; 23.28; 22.10 and 20.36 kg/day and corrected 3.5% fat milk productions were 27.00; 24.98; 24.36 and 21.41 kg/day to the levels 0; 33.33; 66.66 and 100% of sugar cane in roughage, respectively. There was not difference in milk composition. Diets intakes, based on dry matter, were 177.90; 169.42; 165.69 and 156.80g/kg0.75 when levels of sugar cane increased in the diets, so, there was a linear reduction. The feeding costs reduced, on R$/day: 4.79; 4.33; 4.00 and 3.58, as well as the incomes, on R$/day: 8.32; 7.60; 6.55 and 5.63, and profits, on R$/day: 3.53; 3.27; 2.55 and 2.05 to the levels 0; 33.3; 66.6 and 100% of sugar cane, respectively. In spite of this, the level of 33.3% of sugar cane in corn silage replacement was technical and economically viable while the levels 66.6 and 100% of substitution were not viable.

Key Words: feeding costs, intake, milk production, sugar cane

Introdução

A produção de alimentos volumosos com alto valor nutritivo, o desenvolvimento de sistemas alternativos de produção de forragens no período crítico do ano e de sistemas eficientes de conservação de forragens, bem como a alimentação de vacas de alta produção, têm sido os principais desafios dos gerentes de produção leiteira que têm objetivado a intensificação (Matos, 1995) e o aumento da eficiência dos sistemas de produção.

Entre os diversos fatores responsáveis por uma exploração leiteira eficiente, destaca-se a alimentação adequada. Ao avaliar a composição das dietas de vacas leiteiras, exploradas em sistema intensivo no Brasil, observa-se que as silagens de milho e de sorgo têm sido os volumosos mais utilizados (Nussio, 1993). Contudo, a produção destes volumosos tem exigido considerável demanda em recursos técnicos e financeiros, pois a associação de cana-de-açúcar com silagem de milho ou sua substituição total poderá reduzir os custos com alimentação de vacas em lactação, sem, contudo, haver comprometimento nos níveis de produção.

Apesar dos diversos estudos já conduzidos visando o emprego da cana-de-açúcar na alimentação de ruminantes, seu valor nutricional tem sido, ainda, objeto de muitas indagações (Rodrigues et al., 1992). A maioria dos trabalhos conduzidos até hoje, tendo a cana-de-açúcar como recurso volumoso em dietas para vacas leiteiras, limitou seu uso para animais de baixa produção (Castro et al., 1967; Naufel et al., 1969; Nogueira Filho et al., 1977; Biondi et al., 1978; Boin et al., 1983a; Boin et al., 1983b; Paiva et al., 1991). Exceções foram os trabalhos de Stanley & Spielman (1984), Peixoto (1992) e de Valvasori et al. (1995), que trabalharam com vacas de maior potencial de produção, 24, 16 e 18 kg de leite/dia, respectivamente.

Conduziu-se este trabalho objetivando avaliar o consumo, a produção e composição do leite e a variação do peso corporal de vacas em lactação, com produções médias diárias acima de 20 kg de leite, recebendo 0; 33,3; 66,6 e 100% de cana-de-açúcar em substituição à silagem de milho na matéria seca (MS), na forma de dietas completas, bem como a economicidade das dietas utilizadas.

Material e Métodos

O presente trabalho foi conduzido no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa-MG. Foram utilizadas 12 vacas da raça Holandesa Malhada de Preto, puras e mestiças, com potencial de produção de 5.000 a 7.000 kg de leite por lactação. Os animais foram distribuídos em três quadrados latinos, 4x4 balanceados, de acordo com o período de lactação, que foram, em média, de trinta e quatro, quarenta e nove e setenta e seis dias, para o primeiro, segundo e terceiro quadrados latinos, respectivamente, no início do experimento. Trinta dias antes do parto, as vacas foram manejadas para apresentarem condição corporal ao parto de 3,5, na escala de 1 a 5 (Ferreira, 1990).

No início do experimento, as vacas foram transferidas para baias individuais, onde receberam a alimentação duas vezes ao dia, às 8 e 16 h. Ao início e final de cada período experimental, com duração de 21 dias, realizaram-se as pesagens de cada vaca, para avaliação da variação de peso corporal (VPC).

Os animais receberam quatro dietas completas ad libitum, contendo 0; 33,3; 66,6 e 100% de cana-de-açúcar, variedade SP-801842, em substituição à silagem de milho. Os alimentos concentrados utilizados no balanceamento das dietas foram: milho, farelo de soja, uréia, fosfato bicálcico, calcário, sal comum e premix mineral. As dietas foram formuladas para atender às exigências de proteína bruta (PB), proteína degradável no rúmen (PDR), extrato etéreo (EE), nutrientes digestíveis totais (NDT), vitamina A, macro e microminerais, segundo o NRC (1989) e de fibra em detergente neutro (FDN), segundo Mertens (1996). As dietas foram formuladas para serem isonitrogenadas e com o mesmo teor de nitrogênio não protéico (NNP).

As rações concentradas foram rigorosamente misturadas aos volumosos na proporção de 60:40, volumoso:concentrado, respectivamente, com base na MS, logo após as ordenhas (Tabela 1). O consumo de alimentos foi monitorado diariamente, para que houvesse sobras de aproximadamente 10% (base na MS), as quais foram retiradas dos cochos duas vezes ao dia.

As composições bromatológicas médias das rações concentradas, da silagem de milho e da cana-de-açúcar são apresentadas na Tabela 2, enquanto as composições bromatológicas médias das quatro dietas são apresentadas na Tabela 3.

Os carboidratos totais (CHO) foram calculados como: %CHO = 100 - (%PB + %EE + %MM) e os nutrientes digestíveis totais (NDT) como: NDT = PBD + 2,25EED + CHOD, segundo Sniffen et al. (1992), em que: PBD = proteína bruta digestível; EED = extrato etéreo digestível; CHOD = carboidratos digestíveis.

As vacas foram ordenhadas mecanicamente, duas vezes ao dia, fazendo-se o registro diário da produção de leite. Para o cálculo da produção média de leite, foram computados apenas os registros da última semana de cada período experimental. A produção de leite corrigida (PLC) para 3,5% de gordura (G), foi calculada segundo Sklan et al. (1992):

PLC = (0,432 + 0,1625 x teor de gordura em %) x produção de leite em kg/dia

A gordura do leite foi determinada diretamente em aparelho eletrônico "Milktest". Para a determinação dos extratos secos total e desengordurado, utilizou-se a técnica indireta conforme Silva et al. (1997).

O preparo das amostras dos alimentos, das sobras e fezes e as análises de MS, MO, PB, EE, FDN, FDA, lignina e minerais foram feitas segundo Silva (1990).

Para avaliar a economicidade das dietas, considerou-se o custo com alimentação dos animais e as receitas direta e indireta, representadas pela produção de leite (PL) mais o adicional de gordura do leite (acima de 3,1%) e VPC dos animais, respectivamente.

Os dados foram submetidos às análises de variância e de regressão, utilizando-se o programa SAEG, versão 7.0 (UFV, 1997). Como o tratamento foi uma variável contínua (nível de substituição), os graus de liberdade deste efeito foram desdobrados em efeitos linear, quadrático e cúbico. Analisada a significância, a 1 e 5%, as equações obtidas foram usadas para determinar o melhor nível de substituição. As variáveis foram analisadas conforme o modelo:

Yijkl = m + Qi + Tj + (P/Q)ik + (V/Q)il + QxTij + eijkl

em que Yijkl = Observação na vaca l, no período k, submetida ao tratamento j, no quadrado latino i; m = efeito geral da média; Qi = efeito do quadrado latino i, sendo i = 1, 2, 3; Tj = efeito do tratamento j, sendo j = 1, 2, 3, 4; (P/Q)ik = efeito do período k, dentro do quadrado latino i, sendo k = 1, 2, 3, 4; (V/Q)il = efeito da vaca l, dentro do quadrado latino i, sendo l = 1, 2, 3, 4; QxTij = efeito da interação entre o quadrado latino i x tratamento j; eijkl = erro aleatório associado a cada observação ijkl; eijkl ~ NID (0, s2).

Resultados e Discussão

Os consumos de todos os nutrientes diminuíram (P<0,01) à medida que a silagem de milho foi substituída pela cana-de-açúcar, excetuando-se os consumos de lignina e de carboidratos não fibrosos (P>0,05), atribuídos aos maiores conteúdos destes na cana-de-açúcar. A redução no consumo de MS foi de 0,03 kg para cada unidade de silagem de milho substituída por cana-de-açúcar, chegando a 13,8% no maior nível de substituição (Tabela 4).

As reduções nos consumos de MM, EE, NDT, FDN e FDA são conseqüência não somente da menor ingestão de MS, com o aumento da utilização da cana-de-açúcar, como também das menores participações destes nutrientes nas composições químicas das dietas, conforme pode ser observado na Tabela 3.

O efeito depressivo da cana-de-açúcar no consumo das dietas não apresentou relação direta com o teor de FDN das dietas, uma vez que este reduziu com o aumento da proporção de cana-de-açúcar nas dietas. A variedade utilizada (SP-801842), segundo a tabela de Pate & Coleman (1975) adaptada por Rodrigues (1999), possui valores considerados médios a baixos para FDN e lignina (47,0 e 5,0%, respectivamente). É provável que o efeito depressivo da cana-de-açúcar em dietas para ruminantes esteja relacionado com a baixa digestibilidade de sua fibra ou com a baixa taxa de digestão da fibra no rúmen (Preston, 1982).

A ingestão de MS é afetada quando bovinos consomem forragens de espécies diferentes, independentemente da estratégia de alimentação. Então, torna-se evidente que a digestibilidade da fibra exerce grande efeito no consumo de MS (Allen, 1991), ou seja, o consumo é uma função da fração indigestível da dieta (Conrad, 1966).

Os consumos médios de FDN para as dietas com 0, 33,3 e 66,6% de substituição estão de acordo com Mertens (1994), em que o consumo de 1,2 + 0,1% do peso corporal maximiza a PLC para 4%G. Apenas o consumo da dieta com 100% de cana-de-açúcar no volumoso foi inferior ao recomendado.

Valvasori et al. (1995), ao substituírem silagem de milho por cana-de-açúcar para vacas com PL em torno de 19 kg, embora não tenham encontrado diferenças significativas no total de MS ingerida, encontraram diferenças para o consumo de volumosos (12,10; 10,19 e 7,73 kg de MS/dia para os níveis de substituição de 0, 50 e 100%), justificando que o maior teor de lignina presente na cana-de-açúcar deve ter afetado seu consumo.

As produções e a composição do leite são apresentadas na Tabela 5. A PL e a PLC para 3,5%G diminuíram linearmente (P<0,01) com a inclusão da cana-de-açúcar nas dietas, o que pode ser explicado pela redução nos consumos de MS, PB e NDT.

Os componentes do leite, em valores percentuais, não foram influenciados pelas dietas (P>0,05). Contudo, em valores absolutos, expressos em kg/dia, houve redução (P<0,01) de todos os componentes analisados, como conseqüência da redução na produção de leite, à medida que a cana-de-açúcar foi adicionada às dietas.

Paiva et al. (1991) também encontraram PL e PLC para 4%G 16,6 e 22,3% menores, respectivamente, no tratamento com cana-de-açúcar em relação àquele contendo silagem de milho. Os autores não encontraram diferenças para os teores de gordura, proteína e extrato seco desengordurado do leite. Entretanto, obtiveram percentagem mais elevada do extrato seco total no leite das vacas alimentadas com silagem de milho.

Os dados obtidos no presente trabalho contrastam com os de Valvasori et al. (1995), que, ao compararem três níveis de substituição de silagem de milho por cana-de-açúcar (0, 50 e 100%) para vacas com PL em torno de 19 kg, não registraram diferenças entre os tratamentos para PL, PLC para 3,5%G e para a porcentagem de gordura do leite. Entretanto, os níveis de concentrado para as dietas testadas foram de 32, 39 e 48% com base na matéria seca, respectivamente. As PL foram de 19,60; 18,89 e 18,37 e as PLC, de 19,63; 18,94 e 18,07 kg/dia para os níveis de 0; 50 e 100% de substituição, respectivamente.

Stanley & Spielman (1984) conduziram dois experimentos nos quais foram avaliadas dietas à base de cana-de-açúcar para vacas em lactação. No primeiro, os animais produziram, em média, 24,59 kg de leite por dia, ou seja, 4,23 kg a mais que no presente trabalho. Entretanto, efetuando-se o cálculo da PLC para 3,5%G, a partir da fórmula proposta por Sklan et al. (1992), obtém-se o valor de 21,07 kg/dia, que se aproxima de 21,41 kg/dia, obtido neste trabalho. Segundo os autores, os animais consumiram aproximadamente 5,45 e 12,05 kg de MS de volumoso e concentrado, respectivamente, o que representa uma relação volumoso:concentrado de 30:70, com base na MS.

No segundo experimento, Stanley & Spielman (1984) obtiveram PL e PLC para 3,5%G de 22,82 e 19,23 kg/dia, respectivamente. O consumo médio diário de MS de cana-de-açúcar foi de 7,32 kg, enquanto o de ração concentrada foi de 8,86 kg, ou seja, uma relação volumoso:concentrado de 45:55. Os autores não mencionaram a VPC dos animais para ambos os experimentos.

Observou-se que as vacas tiveram suas produções aproximadamente ajustadas aos consumos de NDT e PB, o que pode ser observado na Tabela 6. Entretanto, à medida que se aumentou o nível de cana-de-açúcar no volumoso, o consumo de energia limitou a produção de leite, o que pode explicar, em parte, a VPC obtida. Ocorreu redução e, conseqüentemente, déficit de consumo de NDT em relação à produção de leite esperada (24 kg/dia).

Os animais que consumiram dietas com 0; 33,3; 66,6 e 100% de cana-de-açúcar como volumoso apresentaram VPC de 0,89; 0,49; -0,16 e -0,53 kg/dia, respectivamente, cujos valores ajustaram-se (P<0,01) à seguinte equação:

em que X = Nível de cana-de-açúcar no volumoso, na base da matéria seca (%).

Estes resultados evidenciam a afirmação de Oliveira (1999) de que a resposta ao uso da cana-de-açúcar em vacas leiteiras não está apenas na produção de leite, devendo-se observar também a condição corporal dos animais ao longo da lactação. A VPC obtida com a dieta contendo 33,3% de cana-de-açúcar no volumoso foi adequada para a recuperação da condição corporal dos animais, não sendo necessária uma variação tão elevada quanto à verificada com a dieta contendo 100% de silagem de milho no volumoso. Contudo, a utilização das demais dietas ocasionou VPC negativas, indicando mobilização de reservas corporais para atender às exigências de nutrientes para produção de leite. A partir da equação acima, estimou-se que o nível de substituição para que não houvesse VPC seria de 61,55%, na base da matéria seca.

Os dados do presente trabalho contrastam com os obtidos por Valvasori et al. (1995), que não encontraram diferenças na VPC dos animais ao substituírem silagem de milho por cana-de-açúcar. Tal fato pode ser justificado pela diferenciação dos níveis de concentrados, que foram mais elevados para as dietas com maior quantidade de cana-de-açúcar. As VPC foram de -0,271; -0,119 e -0,006 para os níveis 0; 50 e 100% de substituição.

Uma vez que os consumos de MS, PB e NDT, em todos os tratamentos, atenderam às exigências propostas pelo NRC (1989) para os níveis de produção obtidos, pode-se inferir que a qualidade da cana-de-açúcar limitou o desempenho individual dos animais. Segundo Rodrigues (1999), tem sido verificado que o consumo de cana-de-açúcar é menor que de outras forrageiras de melhor qualidade, sendo necessário suplementar as dietas de vacas em lactação com uma quantidade maior de rações concentradas para se evitar perda de peso.

Houve redução dos custos com alimentação, à medida que a cana-de-açúcar foi incorporada em maiores quantidades nas dietas (100; 90,24; 83,40 e 74,64% para os níveis de 0; 33,3; 66,6 e 100% de substituição, respectivamente). Do nível 0 para 33,3% de cana-de-açúcar no volumoso, as reduções nas receitas (100; 91,34%) e nos lucros (100; 92,63%) foram ligeiramente menos que proporcionais àquela dos custos (100; 90,24%). Entretanto, as dietas com 66,6 e 100% de cana-de-açúcar ocasionaram reduções mais que proporcionais, tanto nas receitas (78,72; 67,67%), quanto nos lucros (72,23; 58,07%) em relação à redução dos custos (83,40; 74,64%).

Os custos com alimentação corresponderam a 64,90; 61,07; 59,52 e 57,83% das receitas obtidas com a venda do leite (receita direta), caracterizando redução dos custos, à medida que a cana-de-açúcar foi adicionada em maiores quantidades à dieta. Portanto, a substituição proporcionou lucros diários (em R$) de 2,59; 2,76; 2,72 e 2,61 para os níveis de 0; 33,3; 66,6 e 100%, respectivamente.

Todavia, quando a VPC (receita indireta) foi considerada, os custos corresponderam a 57,57; 56,97; 61,06 e 63,58% da receita total. Desta forma, os lucros diários foram (em R$) de 3,53; 3,27; 2,55 e 2,05 com o aumento dos níveis de cana-de-açúcar no volumoso. Assim, para alcançar máximas receitas sobre os custos com alimentação, devem-se formular dietas que sejam consumidas em grandes quantidades e contenham elevados níveis de nutrientes utilizáveis, assegurando, assim, produção e condição corporal satisfatórias.

Diante da importância de adequada condição corporal, para a atividade reprodutiva e para garantia do não-comprometimento de lactações subseqüentes, torna-se necessária a inclusão da VPC nos cálculos de receitas e custos. As receitas, os custos e lucros obtidos para cada dieta neste trabalho encontram-se na Tabela 7.

A partir da análise da PL, VPC, receita obtida e proporcionalidade de redução entre receita, lucro e custo, em relação à dieta com 100% de silagem de milho no volumoso, é possível afirmar que a inclusão de 33,3% de cana-de-açúcar no volumoso foi técnica e economicamente viável, o que não aconteceu para os níveis 66,6 e 100% de substituição.

Esses resultados evidenciam a necessidade de os produtores de leite estarem atentos não só para o custo da dieta, como também para a produção de leite e para a condição corporal dos animais em lactação, podendo-se minimizar o custo do leite produzido e obter maiores lucros.

Conclusões

A substituição de silagem de milho por cana-de-açúcar em dietas completas para vacas em lactação produzindo, em média, 24 kg de leite por dia, influenciou negativamente a produção de leite e a variação de peso corporal dos animais. Mesmo assim, a inclusão de 33,3% de cana-de-açúcar no volumoso foi técnica e economicamente viável, enquanto níveis maiores foram inviáveis.

Literatura Citada

Recebido em: 21/03/03

Aceito em: 11/11/03

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  • 1
    Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada ao Departamento de Zootecnia da UFV.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      11 Nov 2003
    • Recebido
      21 Mar 2003
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