Acessibilidade / Reportar erro

Estimativa de ganho genético a partir de diferenciais de seleção e parâmetros populacionais em um rebanho Caracu

Estimates of genetic gain based on selection differentials and population parameters in a herd of Caracu cattle

Resumos

Foram analisados dados do rebanho Caracu da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, selecionado para peso ao sobreano entre os anos de 1979 e 2002, com os objetivos de descrever o tamanho efetivo, o coeficiente de geração, o intervalo de gerações e os diferenciais de seleção e estimar o ganho genético. O ganho genético por ano foi obtido multiplicando-se o produto do diferencial de seleção ponderado médio (em kg) pela herdabilidade e dividindo-se pelo intervalo de geração médio. Diferenciais de seleção ponderados médios para seleção direta para peso ao sobreano, de touro e vaca, foram, respectivamente, iguais a 1,10 e 0,28 unidades de desvio-padrão (u.d.p.) e os diferenciais de seleção acumulados de touro e vaca para a progênie de 2001 foram iguais a 3,61 e 2,32 u.d.p. A razão da média dos diferenciais de seleção não-ponderado e máximo dos touros foi 0,89, indicando perda de eficiência de 11%, decorrente sobretudo da não-seleção em um mesmo ano de animais de mesma família. O intervalo de geração para os períodos de 1979 a 1984, 1985 a 1990, 1991 a 1996 e 1997 a 2002 foram 6,3; 6,3; 5,5 e 4,8 anos, respectivamente, e a progênie nascida em 2002 atingiu, em média, 4,5 gerações de seleção. O coeficiente de endogamia médio anual da população foi 0,50% e para os animais endogâmicos de 1,83%. O tamanho efetivo populacional para os quatro períodos foi de 9, 12, 20 e 64. Em função da seleção praticada, a estimativa do ganho genético anual para peso ao sobreano foi 2,02 kg/ano. A introdução de material genético, a restrição ao grau de parentesco nos acasalamentos e a seleção de, no máximo, dois filhos de cada reprodutor por ano foram eficazes no controle do aumento excessivo da endogamia.

peso pós-desmame; tamanho efetivo; intervalo de gerações; coeficiente de endogamia; coeficiente de geração; seleção


Data from the Caracu herd of Sertãozinho Experimental Station, selected for post weaning weight between 1979 and 2002, was analyzed to describe effective size, generation coefficient, generation interval, selection differentials and genetic gain in this population. Genetic gain was estimated by the product of the average weighted standardized differential (kg) and heritability divided by the average generation interval. Averages of sire and dam weighted selection differentials for post weaning weights were 1.10 and 0.28 standard deviations units (s.d.u). Sire and dam cumulative selection differentials measured in the progenies born in 2001 were 3.61 and 2.32 s.d.u, respectively. The ratio between averages of unweighted and maximum sire selection differentials was 0.89 indicating a efficiency loss of 11% mainly due to avoiding selection of related animals in the same year. Estimates of generation interval for the periods 1979 - 1984, 1985 - 1990, 1991 - 1996 and 1997 - 2002, were 6.3, 6.3, 5.5 and 4.8 years, respectively. In the same order, population effective size was 9, 12, 20 and 64 for these periods.The generation coefficient for the progeny born in 2002 was 4.5 generations. Average annual inbreeding of the population was 0.50% and 1.83% for inbred animals. The annual estimated genetic gain by selection for yearling weight was 2.02 kg/year. The introduction of genetic material from other herds, the restriction to avoid mating of related animals and the selection of a maximum of two progeny/sire/year were effective to avoid larger increase of inbreeding.

effective size; generation interval; inbreeding coefficient; generation coefficient; post weaning weight; selection


MELHORAMENTO, GENÉTICA E REPRODUÇÃO

Estimativa de ganho genético a partir de diferenciais de seleção e parâmetros populacionais em um rebanho Caracu

Estimates of genetic gain based on selection differentials and population parameters in a herd of Caracu cattle

Márcio Cinachi PereiraI; Maria Eugênia Zerlotti MercadanteII; Lucia Galvão de AlbuquerqueIII; Alexander George RazookIV

IZootecnista - Programa de Pós-graduação em Genética e Melhoramento Animal da FCAV - UNESP/Jaboticabal, SP. E.mail: mcinachi@fcav.unesp.br

IIPesquisadora - E. E. Zootecnia de Sertãozinho - IZ/APTA/SAA-SP - Caixa Postal: 63 - CEP: 14160-000 - Sertãozinho-SP.

E.mail: mezmerca@ig.com.br

IIIProfessora Adjunto Doutora - DZ-MGA - FCAV -UNESP; Pesquisadora do CNPq. E.mail: lgalb@fcav.unesp.br

IVPesquisador - E. E. Zootecnia de Sertãozinho - IZ/APTA/SAA-SP - Caixa Postal.: 63 - CEP: 14160-000 - Sertãozinho-SP; Pesquisador do CNPq E.mail: razook@iz.sp.gov.br

RESUMO

Foram analisados dados do rebanho Caracu da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, selecionado para peso ao sobreano entre os anos de 1979 e 2002, com os objetivos de descrever o tamanho efetivo, o coeficiente de geração, o intervalo de gerações e os diferenciais de seleção e estimar o ganho genético. O ganho genético por ano foi obtido multiplicando-se o produto do diferencial de seleção ponderado médio (em kg) pela herdabilidade e dividindo-se pelo intervalo de geração médio. Diferenciais de seleção ponderados médios para seleção direta para peso ao sobreano, de touro e vaca, foram, respectivamente, iguais a 1,10 e 0,28 unidades de desvio-padrão (u.d.p.) e os diferenciais de seleção acumulados de touro e vaca para a progênie de 2001 foram iguais a 3,61 e 2,32 u.d.p. A razão da média dos diferenciais de seleção não-ponderado e máximo dos touros foi 0,89, indicando perda de eficiência de 11%, decorrente sobretudo da não-seleção em um mesmo ano de animais de mesma família. O intervalo de geração para os períodos de 1979 a 1984, 1985 a 1990, 1991 a 1996 e 1997 a 2002 foram 6,3; 6,3; 5,5 e 4,8 anos, respectivamente, e a progênie nascida em 2002 atingiu, em média, 4,5 gerações de seleção. O coeficiente de endogamia médio anual da população foi 0,50% e para os animais endogâmicos de 1,83%. O tamanho efetivo populacional para os quatro períodos foi de 9, 12, 20 e 64. Em função da seleção praticada, a estimativa do ganho genético anual para peso ao sobreano foi 2,02 kg/ano. A introdução de material genético, a restrição ao grau de parentesco nos acasalamentos e a seleção de, no máximo, dois filhos de cada reprodutor por ano foram eficazes no controle do aumento excessivo da endogamia.

Palavras-chave: peso pós-desmame, tamanho efetivo, intervalo de gerações, coeficiente de endogamia, coeficiente de geração, seleção

ABSTRACT

Data from the Caracu herd of Sertãozinho Experimental Station, selected for post weaning weight between 1979 and 2002, was analyzed to describe effective size, generation coefficient, generation interval, selection differentials and genetic gain in this population. Genetic gain was estimated by the product of the average weighted standardized differential (kg) and heritability divided by the average generation interval. Averages of sire and dam weighted selection differentials for post weaning weights were 1.10 and 0.28 standard deviations units (s.d.u). Sire and dam cumulative selection differentials measured in the progenies born in 2001 were 3.61 and 2.32 s.d.u, respectively. The ratio between averages of unweighted and maximum sire selection differentials was 0.89 indicating a efficiency loss of 11% mainly due to avoiding selection of related animals in the same year. Estimates of generation interval for the periods 1979 - 1984, 1985 - 1990, 1991 - 1996 and 1997 - 2002, were 6.3, 6.3, 5.5 and 4.8 years, respectively. In the same order, population effective size was 9, 12, 20 and 64 for these periods.The generation coefficient for the progeny born in 2002 was 4.5 generations. Average annual inbreeding of the population was 0.50% and 1.83% for inbred animals. The annual estimated genetic gain by selection for yearling weight was 2.02 kg/year. The introduction of genetic material from other herds, the restriction to avoid mating of related animals and the selection of a maximum of two progeny/sire/year were effective to avoid larger increase of inbreeding.

Key Words: effective size, generation interval, inbreeding coefficient, generation coefficient, post weaning weight, selection

Introdução

A raça Caracu possui em sua formação várias raças espanholas e portuguesas entre outras, incluindo gado africano, como resultado da invasão dos mouros na Península Ibérica. No Brasil, sua formação iniciou-se com o desembarque de animais com os colonizadores no século XVI, selecionados pela tripla aptidão: leite, carne e tração. No estado de São Paulo, algumas iniciativas, como a criação, em 1909, do Posto de Seleção do Gado Nacional, em Nova Odessa, e, posteriormente, da Associação "Herd Book" Caracu, promoveram o desenvolvimento dessa raça (Trovo & Duarte, 1981). No final dos anos 60, a raça estava quase extinta em razão do grande interesse dos pecuaristas pela criação de animais zebuínos e do fechamento do "Herd Book" Caracu. No entanto, no final dos anos 70, o Instituto de Zootecnia (IZ) reativou o programa de seleção de bovinos Caracu, readquirindo vacas de rebanhos remanescentes, incluindo-se o do IZ (Lima et al., 1992).

A preservação de raças nativas, como a Caracu, mantidas em rebanhos puros, é importante, pois os genótipos nativos podem se tornar mais produtivos em seus próprios ambientes que raças exóticas melhoradas, por terem sofrido rigorosa seleção natural. Confirmando este fato, a Caracu é uma das poucas raças de origem européia aptas a servirem em monta natural no Brasil Central, tornando-se, portanto, fonte de genes para resistência. Hoje, é incluída em cruzamentos e na formação do composto Montana Tropical, como raça de origem Bos taurus taurus adaptada às condições tropicais.

O trabalho do Instituto de Zootecnia com a raça Caracu foi, no início, parte de um amplo programa de identificação e conservação desse material genético e, hoje, seu rebanho é um dos mais importantes desta raça, entre os selecionados para produção de carne. Um rebanho de seleção experimental fornece excelente oportunidade para se estudar alguns parâmetros populacionais, como diferenciais de seleção e intervalo de gerações, tamanho efetivo e coeficientes de geração e de endogamia, que podem interferir na taxa de ganho genético por unidade de tempo.

Os objetivos neste estudo foram quantificar os parâmetros populacionais e estimar o ganho genético anual a partir dos diferenciais de seleção e intervalos de gerações.

Material e Métodos

Os registros analisados referem-se a 1.990 animais da raça Caracu, nascidos entre 1979 e 2002, na Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, que fazem parte do Projeto de Seleção das Raças Zebuínas e Caracu. Esses animais são filhos de 73 touros e 525 vacas, sendo que 18% dos touros provieram de outros rebanhos. Os detalhes do processo seletivo estão descritos em Mercadante et al. (2003). Anualmente, são selecionados reprodutores com base no maior diferencial de seleção, de acordo com a média dos contemporâneos para peso ao final da prova de ganho de peso em confinamento, padronizado para 378 dias (P378). As fêmeas são selecionadas ao sobreano, conforme o maior diferencial de seleção para peso, padronizado aos 550 dias (P550), após recria em pastagem. Outras características são obtidas com a finalidade de se avaliar as respostas correlacionadas, como peso ao nascer (PN), peso ao desmame, padronizado aos 210 dias de idade (P210), e altura aos 378 dias, para machos, e aos 550 dias, para fêmeas (AltS). Foram selecionados por ano, em média, três machos e 23 fêmeas, segundo os critérios supracitados.

Como descrito por Koch et al. (1994), os diferenciais de seleção das características de seleção direta (P378 e P550) foram avaliados como: 1) média não ponderada dos touros e matrizes (DSNP) e 2) média ponderada dos touros e matrizes, pelo número de progênies (DSP). Os diferenciais de seleção máximos (DSM) foram calculados considerando-se os maiores DSNP, independentemente se os animais foram pais, dentro de cada ano. Os desvios-padrão das médias anuais foram utilizados para se obter os diferenciais de seleção em unidades de desvio-padrão.

Os diferenciais de seleção acumulados (DSA), para avaliar a seleção total praticada em populações com sobreposição de gerações, foram obtidos segundo Newman et al. (1973) e Koch et al. (1994), como:

Total acumulado na seleção = DSNP +

(DSATouro + DSAVaca)/2

em que DSNP é o desvio individual dos pais ou das mães dos contemporâneos; DSATouro, o diferencial acumulado dos pais; e DSAVaca, o diferencial acumulado das mães.

O intervalo de gerações (IG) dos quatros caminhos gaméticos, pai-filho (IGmm), pai-filha (IGmf), mãe-filho (IGfm) e mãe-filha (IGff), foram obtidos para se calcular o intervalo médio de gerações: IG=(IGmm+IGmf+IGfm +IGff)/4.

O coeficiente de geração do indivíduo (CGI) foi obtido por meio de: CGI = [(CGT + CGV)/2]+1, em que CGT e CGV são os coeficientes de geração do touro e da vaca, respectivamente, considerando-se os animais nascidos em 1979 como geração zero.

O ganho genético esperado por ano foi obtido pela razão do produto do DSP médio (em kg) e a herdabilidade, pelo intervalo de geração médio. As estimativas de herdabilidade utilizadas para os ganhos genéticos esperados foram as reportadas por Mercadante et al. (1998), para o mesmo rebanho, de 0,37 para P378 e de 0,54 para P550.

O tamanho efetivo (Ne) em determinado período, em uma população, depende essencialmente das médias e variâncias do fluxo gênico por meio de quatro caminhos (pai-fillho, pai-filha, mãe-filho e mãe-filha) e deste fluxo depende a taxa de endogamia. Com a finalidade de acompanhar a evolução no decorrer dos 24 anos de seleção, o Ne do rebanho foi estimado por períodos o primeiro entre os anos de 1979 e 1984; o segundo entre 1985 e 1990; o terceiro entre 1991 e 1996; e o quarto entre 1997 e 2002 utilizando-se o procedimento proposto por Hill (1979) e citado por Koch et al.(1994):

em que IG é o intervalo médio de gerações (pai-filho, pai-filha, mãe-filho e mãe-filha); M, o número de pais; F, o número de mães; s2mm, a variância do número de filhos por pai; s2mf , a variância do número de filhas por pai; s2fm, a variância do número de filhos por mãe; s2ff, a variância do número de filhas por mãe; cov (mm, mf), a covariância do número de filhos de ambos os sexos por pai; e cov (fm, ff), a covariância do número de filhos de ambos os sexos por mãe.

O coeficiente de endogamia de cada animal foi calculado a partir do numerador da matriz de parentesco de todos os animais nascidos de 1979 em diante, de acordo com o algorítmo de Quaas (1976), utilizando o programa de Boldman et al. (2002).

Resultados e Discussão

As médias e desvios-padrão para as características de seleção direta P378, nos machos, e P550, nas fêmeas, foram, respectivamente, de 333,8 ± 40,32 kg e 281,0 ± 46,42 kg. Para as características PN, P210 e AltS (machos e fêmeas) foram, respectivamente, de 32,1 ± 4,85 kg, 203,4 ± 29,79 kg, 124 ± 4,44 cm e 123 ± 4,82 cm.

Os valores dos diferenciais de seleção para touros e vacas no período em estudo, em unidades de desvio-padrão (u.d.p.), encontram-se na Tabela 1. Em média, os DSP foram de 1,10 e 0,28 u.d.p. por ano, para touros e vacas, respectivamente. Como esperado, os DSP para touros foram bem superiores aos encontrados para as vacas, visto a maior intensidade de seleção praticada em machos destinados a pais de futuras progênies, em razão da maior capacidade de serviço do touro em monta natural em relação à da vaca (1 touro / » 22 vacas). As variações nos diferenciais de seleção ao longo do tempo são reflexos principalmente do número de progênies e da oscilação do ambiente em que os animais foram criados. Nos rebanhos zebuínos da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, cuja seleção é baseada no mesmo critério (peso pós-desmame), Razook et al. (1998) reportaram DSP de 1,72 u.d.p. para touro e 0,61 u.d.p. para vaca na raça Nelore, e 1,43 u.d.p. para touro e de 0,43 u.d.p. para vaca, na raça Guzerá, enquanto Knackfuss (2004) reportaram valores para a raça Gir iguais a 1,20 u.d.p. para touro e de 0,24 u.d.p. para vaca. Koch et al. (1994), em animais da raça Hereford na linha de seleção para peso ao ano, encontraram valores de DSP para machos e fêmeas de 1,75 e 0,25 u.d.p., respectivamente.

Os touros contribuíram com 80% do DSP médio total, independentemente do caminho gamético. Este valor é próximo ao reportado por Razook et al. (1998), de 83% em um rebanho Nelore, inferior ao obtido por Knackfuss (2004), de 87% em um rebanho Gir, e superior ao descrito por Frahm et al. (1985), de 76% em um rebanho Hereford.

A razão entre o DSNP e o DSM dos touros (igual a 0,89) indica perda de 11% no diferencial pela não-escolha dos melhores animais classificados pelo peso ao sobreano, seja por se evitar selecionar, em um ano, mais de dois filhos de um mesmo reprodutor para controle das taxas de endogamia, seja simplesmente pelo fato de os animais não estarem dentro dos padrões raciais, impossibilitando o registro. Koch et al. (1994), Frahm et al. (1985) e Aaron et al. (1986) relataram relação entre DSNP e DSM variando de 0,80 a 1,00.

O coeficiente de regressão do DSA médio de machos e fêmeas e sobre o ano de nascimento da progênie foi de 0,146 u.d.p., indicando uma pressão de seleção positiva para as características selecionadas.

As razões entre os diferenciais de seleção ponderado e não-ponderado para machos e fêmeas foram de 0,76 e 0,88, respectivamente, indicando possível efeito da seleção natural na fertilidade dos animais e sobrevivência das progênies. Essas razões revelaram tendência de os animais com os menores valores de diferenciais de seleção ou aqueles sem informação (diferencial de seleção igual a zero) terem deixado maior número de progênies. Mercadante et al. (2003), em fêmeas da raça Nelore selecionadas para o mesmo critério de seleção, reportaram razão próxima (0,93) da encontrada neste estudo. Entretanto, Koch et al. (1994), em animais da raça Hereford, encontraram razão para machos e fêmeas de 0,99 a 1,05 e de 1,3 a 1,5, respectivamente, indicando pequeno efeito da seleção natural na fertilidade dos machos, mas uma tendência de as fêmeas com maior diferencial de seleção deixarem mais descendentes. Esta diferença é provavelmente decorrente do fato de que, no experimento de Koch et al. (1994), todas as fêmeas são colocadas em monta, ou seja, não há seleção de fêmeas com base em maiores diferenciais no critério de cada linha de seleção, e, portanto, era de se esperar que as maiores e mais pesadas tivessem maiores probabilidades de permanecência no rebanho, deixando maior número de progênies.

Na Tabela 2 encontram-se os diferenciais de seleção ponderados para touros e vacas, do peso ao nascer (PN), peso padronizado aos 210 dias (P210) e altura medida no critério de seleção (AltS), em unidades de desvio-padrão (u.d.p.). As pressões de seleção efetivamente aplicada nas características PN, P210 e AltS, advindas da seleção para peso ao sobreano, foram de 72, 94 e 66% para touro e de 38, 75 e 68% para as vacas, relativamente àquela aplicada no critério de seleção peso ao sobreano. Maior ênfase era esperada na característica P210, uma vez que ela está contida no peso ao sobreano.

Os intervalos de geração médios para os períodos de 1979 a 1984, 1985 a 1990, 1991 a 1996 e 1997 a 2002 foram 6,3, 6,3, 5,5 e 4,8 anos, respectivamente. Na Figura 1 são apresentadas as estimativas do IG nos quatro caminhos gaméticos de cada período analisado. Os IGmm, IGmf, IGfm e IGff obtidos foram, respectivamente, de 3,76; 3,73; 6,00 e 5,92 anos. Houve uma crescente redução no intervalo de geração nos caminhos pai-filho e pai-filha com o passar dos anos, atribuída principalmente ao descarte dos touros após dois anos de utilização no programa de seleção, sobretudo nos últimos anos. Entretanto, a necessidade de aumento do rebanho ao longo dos anos fez com que as fêmeas permanecessem por mais anos no programa de seleção, ocasionando incremento do intervalo de geração por este caminho gamético.


O coeficiente de geração, que permite identificar animais contemporâneos, porém descendentes de gerações distintas, começou a diferir de um a partir do ano de 1982 (Tabela 1), quando os pais já haviam sido selecionados dentro do programa. A progênie nascida em 2002 apresentou, em média, 4,5 gerações de seleção, com indivíduos com coeficiente de geração de 5,2.

O Ne estimado nos quatro períodos analisados encontra-se na Figura 2, além de outros fatores que explicam esta estimativa. Esse aumento do Ne ao longo dos anos é reflexo de fatores como flutuações no tamanho populacional, desvios da razão de sexos de 1:1 e diferenças no sucesso reprodutivo. Observa-se claramente o decréscimo na variância do número de progênie por pai, ou seja, aumento do número de touros usados, contribuindo para o aumento do tamanho efetivo populacional (Figura 2). Da mesma forma, observa-se o aumento de animais no plantel, principalmente o número total de vacas, que passou de 126, no perído de 1979 a 1984, para 260, no último período. A obtenção deste parâmetro populacional é muito importante, visto sua utilidade para predição da variação genética, entretanto, não foram encontradas estimativas deste parâmetro em raças bovinas nativas brasileiras, como a estudada neste trabalho. Nos últimos quatro anos, o Ne esteve nos limites aceitáveis (entre 30 e 250), propostos por Meuwissen & Woolliams (1994), para prevenir decréscimo no valor adaptativo. Conforme Goddard & Smith (1990), Ne mínimo de 40 por geração é necessário para maximizar o retorno econômico.


O incremento anual médio do coeficiente de endogamia estimado a partir de , com base no último período, foi de 0,78% e, a partir da regressão do coeficiente de endogamia sobre o ano de nascimento, em todo período, foi de 0,06%. O coeficiente de endogamia estimado a partir do Ne pressupõe uma população totalmente fechada (Falconer & Mackay, 1996), o que não aconteceu neste rebanho, pois, nesses 24 anos, o rebanho não foi totalmente fechado e aproximadamente 18% dos touros provieram de outros rebanhos. Koch et al. (1994), em três linhas de seleção fechadas de bovinos Hereford, obtiveram os mesmos valores de endogamia pelos dois métodos.

O arquivo de genealogia continha 2101 animais, dos quais 660 apresentaram coeficiente de endogamia diferente de zero. O coeficiente de endogamia médio anual da população analisada foi de 0,50% e, considerando somente os animais endogâmicos, chegou a 1,83%. O coeficiente de endogamia médio aumentou nos últimos anos, como reflexo da seleção dentro de rebanho com base em apenas uma característica, o peso pós-desmame (Tabela 1).

Considerando-se os diferenciais de seleção realizados, ou seja, os DSP, e as herdabilidades estimadas por Mercadante et al. (1998), de 0,37 para P378 e de 0,54 para P550, o ganho genético esperado na característica de seleção direta ( peso ao sobreano) seria de 2,02 kg/ano, que representaria 0,7% da média da característica por ano. Esse valor esperado aproxima-se da mudança genética estimada por Mello et al. (2002) para peso a um ano de idade em um rebanho experimental e fechado da raça Canchim, igual a 0,75% da média ao ano. Mercadante et al. (2003) estimaram valores de mudança genética para peso ao sobreano dos rebanhos experimentais Nelore, também da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, iguais a 0,66 e 0,80% da média ao ano. Entretanto, mudanças genéticas inferiores têm sido obtidas em rebanhos não experimentais de Nelore no Brasil. Van Melis et al. (2001) registraram, em animais da raça Nelore, taxas de ganhos genéticos anuais iguais a 0,67; 1,10 e 0,48 kg/ano respectivamente para peso à desmama, ao sobreano e ganho de peso da desmama ao sobreano. Ferraz Filho et al. (2001), também em rebanhos Nelore, encontraram mudanças genéticas anuais muito inferiores às mencionadas anteriormente, de 0,21 e 0,28 kg/ano, respectivamente, para as características pesos ao ano e ao sobreano.

A seleção direta para apenas uma característica implica em uma série de cuidados, visto a associação entre a característica alvo da seleção e as demais características importantes para o sistema de produção. Os diferenciais de seleção para PN, P210 e AltS revelaram que, apesar de o programa de seleção utilizar peso pós-desmame (P378 e P550) como critério de seleção, obtiveram-se expressivos incrementos nos diferenciais de seleção dessas características, que não são alvos diretos de seleção.

Considerando-se uma herdabilidade de 0,29 (Mercadante et al., 1995) e o diferencial de seleção realizado para o PN no presente trabalho, o ganho genético anual foi de 0,12 kg/ano, o que corresponde a 0,36% da média do rebanho. Laureano et al. (2004), em animais da raça Nelore, reportaram mudança genética de 0,014 kg/ano, inferior à encontrada por Mello et al. (2002), Van Melis et al. (2001) e Ferraz Filho (1996).

O ganho genético anual do P210, utilizando-se herdabilidade de 0,15 (Mercadante et al., 1998) e o diferencial de seleção realizado, foi de 0,39 kg/ano. Resposta para peso ao desmame também foi observada por Mercadante et al. (1998), neste mesmo rebanho, de 0,497 kg/ano, correspondente a 0,24% da média do rebanho. Vários trabalhos com diferentes metodologias tem sido realizados para se estimar a mudança genética no peso ao desmame (Packer et al., 1977; Nobre et al., 1997; Silva, 1990; Eler et al., 1994; Ferraz Filho et al., 1996; Silva et al., 1997; Razook et al., 1998).

Para a altura, o ganho genético foi 0,22 cm/ano, considerando-se herdabilidade de 0,48 (Cyrillo et al., 2000), o que equivale a 0,17% da média do rebanho, revelando uma resposta de menor magnitude entre as características analisadas. Pereira et al. (2004) e Ribeiro et al. (2004) relataram correlação genética alta entre altura e pesos (0,83 e 0,66 respectivamente) e revelaram a necessidade de associar medidas de peso com altura.

Conclusões

Em razão da intensidade de seleção exercida durante 24 anos, baseada no desempenho individual dos pesos pós-desmame e no intervalo de gerações, o ganho genético estimado em 4,5 gerações de seleção mostrou-se positivo tanto para as características alvo da seleção quanto para peso ao nascer, peso ao desmame e altura ao sobreano.

Restrições direcionadas ao controle de acasalamentos consangüíneos, como a introdução de alguns reprodutores de outros criatórios, a monitorização da consangüinidade dos animais na formação dos lotes de acasalamento, o uso de reprodutores por número reduzido de anos e o cuidado de evitar selecionar, em um ano, mais de dois filhos de um mesmo reprodutor, fizeram com que o diferencial de seleção obtido fosse abaixo do máximo possível, mas foram eficientes em manter baixos níveis de endogamia.

Literatura Citada

Recebido em: 15/09/04

Aceito em: 15/07/05

  • AARON, D.K.; FRAHM, R.R.; BUCHANAN, D.S. Direct and correlated responses to selection for increased weaning or yearling weight in Angus Cattle. I. Measurement of selection applied. Journal of Animal Science, v.62, n.1, p.54-65, 1986.
  • BOLDMAN, K.G.; KRIESE, L.A.; Van VLECK, L.D. et al. A manual for use for MTDFREML. A set of programs to obtain estimates of variances and covariances Lincoln: Department of Agricultural; Agricultural Research Service, 2002. 129p.
  • CYRILLO, J.N.S.G.; RAZOOK, A.G.; FIGUEIREDO, L.A. et al. Efeitos da seleção para peso pós-desmame sobre medidas corporais e perímetro escrotal de machos Nelore de Sertãozinho. Revista Brasileira de Zootecnia, v.29, n.2, p.403-412, 2000.
  • ELER, J.P.; FERRAZ, J.B.S.; LÔBO, R.B. Estimação de tendência genética na raça Nelore, usando modelos animais univariado e multivariado. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 31., 1994, Maringá. Anais... Maringá: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1994. p.171.
  • FALCONER, D.S.; MACKAY, T.F.C. Introduction to quantitative genetics 4.ed. London: Longman, 1996. 464p.
  • FERRAZ FILHO, P.B.; BIANCHINI SOBRINHO, E.; SILVA, L.O.C. et al. Tendência genética em pesos de bovinos da raça Nelore Mocha no Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 34., 1997, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1997. p.254-256.
  • FERRAZ FILHO, P.B.; RAMOS, A.A.; SILVA, L.O.C. et al. Tendência genética dos efeitos direto e materno sobre os pesos à desmama e pós-desmama de bovinos da raça Tabapuã no Brasil. Revista Brasileira de Zootecnia, v.31, n.2, p.635-640, 2002.
  • FRAHM, R.R.; NICHOLS; C.G.; BUCHANAN, D.S. Selection for increased weaning or yearling weight in Hereford cattle. I. Measurement of selection applied. Journal of Animal Science, v.60, n.6, p.1373-1384, 1985.
  • GODDARD, M.G.; SMITH, C. Optimum number of bull sires in dairy cattle breeding. Journal of Dairy Science, v.73, p.1113-1122, 1990.
  • HILL, W.G. A note on effective population size with overlapping generations. Genetics, v.92, p.317-322, 1979.
  • KNACKFUSS, F.B. Análise de um experimento de seleção para peso em um rebanho Gir Jaboticabal: Universidade Estadual Paulista, 2004. 131p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, 2004.
  • KOCH, R.M.; CUNDIFF, L.V.; GREGORY, K.E. Cumulative selection and genetic change for weaning or yearling weight or for yearling weight plus muscle score in Hereford cattle. Journal of Animal Science, v.72, p.864-885, 1994.
  • LAUREANO, M.M.M.; FORNI, S.; COSTA, R.B. et al. Estimação de tendência genética de característica de crescimento pré-desmama em bovinos da raça Nelore. In: SIMPÓSIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MELHORAMENTO ANIMAL, 5., 2004, Pirassununga. Anais... Pirassununga: Sociedade Brasileira de melhoramento Animal, 2004. CD-ROM. Bovinocultura de Corte.
  • LIMA, M.L.P.; BONILHA NETO, L.M.; FIGUEIREDO, L.A. et al. Os bovinos da raça Caracu. Zootecnia,v.30, p.1-12, 1992.
  • MELLO, S.P.; ALENCAR, M.M.; SILVA, L.O.C. et al. Estimativas de (co)variâncias e tendências genéticas para pesos em um rebanho Canchim. Revista Brasileira de Zootecnia, v.31, n.4, p.1707-1714, 2002.
  • MERCADANTE, M.E.Z.; FIGUEIREDO, L.A.; TROVO, J.B.F. et al. Estimativas de parâmetros e mudança genética em características de crescimento do rebanho Caracu de Sertãozinho. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 35., 1998, Botucatu. Anais... Botucatu: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1998. p.380-382.
  • MERCADANTE, M.E.Z.; LÔBO, R.B.; BORJAS, A.R. Parámetros genéticos para características de crecimiento en cebuínos de carne. Archivos Latinoamericanos de Produccion Animal, v.3, p.45-89, 1995.
  • MERCADANTE, M.E.Z.; PACKER, I.U.; RAZOOK, A.G. et al. Direct and correlated responses to selection for yearling weight on reproductive performance of Nelore cows. Journal Animal Science, v.81, p.376-384, 2003.
  • MEUWISSEN, T.H.E.; WOOLLIAMS, J. Effective size of livestock populations to prevent a decline in fitness. Theoretical and Applied Genetic, v.89, p.1019-1026, 1994.
  • NEWMAN, J.A.; RAHNEFELD, G.H.; FREDEEN, H.T. Selection intensity and response to selection for yearling weight in beef cattle. Canadian Journal of Animal Science, v.53, p.1-12, 1973.
  • NOBRE, P.R.C.; ROSA, A.N.; EUCLIDES FILHO, K. Tendências genéticas de características de desenvolvimento ponderal das raças zebuínas em Minas Gerais.. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 34., 1997, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1997. p.290.
  • PACKER, I.U. Análise genética do crescimento até a desmama de bezerros Canchim Piracicaba: Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", 1977. 173p. Tese (Livre-Docência) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", 1977.
  • PEREIRA, M.C.; YOKOO, M.J.I; BIGNARDI, A.B. et al. Estimativas de parâmetros genéticos e de ambiente para altura à desmama em bovinos da raça Nelore. In: SIMPÓSIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MELHORAMENTO ANIMAL, 5., 2004, Pirassununga. Anais... Pirassununga: Sociedade Brasileira de Melhoramento Animal, 2004. CD-ROM. Bovinocultura de Corte.
  • QUAAS, R.L. Computing the diagonal elements of a large numerator relationship matrix. Biometrics, v.32, p.949-953, 1976.
  • RAZOOK, A.G.; FIGUEIREDO, L.A.; BONILHA NETO, L.M. et al. Selection for yearling weight in Nelore and Guzerá zebu breeds: selection applied and response in 15 years of progeny. In: WORLD CONGRESS ON GENETICS APPLIED TO LIVESTOCK PRODUCTION, 6., 1998, Armidale. Proceedings... Armidale, 1998. p.133-136.
  • RIBEIRO, S.; BERTAZZO, R.P.; BALIEIRO, J.C.C. et al. Estimativas de parâmetros genéticos para algumas características relacionadas ao frame em bovinos de corte. In: SIMPÓSIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MELHORAMENTO ANIMAL, 5., 2004, Pirassununga. Anais... Pirassununga: Sociedade Brasileira de melhoramento Animal, 2004. CD-ROM. Bovinocultura de Corte.
  • SILVA, L.O.C. Tendência genética e interação genótipo x ambiente em rebanhos Nelore, criados a pasto no Brasil Central Viçosa, MG: Universidade Federal de Viçosa, 1990. 113p. Tese (Doutorado em Melhoramento Genético) - Universidade Federal de Viçosa, 1990.
  • SILVA, L.O.C.; EUCLIDES FILHO, K.; NOBRE, P.R. C. et al. Tendência genética na raça Nelore no Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 34., 1997, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1997. p.175.
  • TROVO, J.B.F.; DUARTE, F.A.M. Levantamento de núcleos de criação de bovinos da raça Caracu no Brasil. Zootecnia, v.19, p.245-263, 1981.
  • Van MELIS, M.H.; ELER, J.P.; FERRAZ, J.B.S. Tendências genéticas para características produtivas e de avaliação visual em bovinos da raça Nelore. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 38., 2001, Piracicaba. Anais... Piracicaba: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 2001. p.519-520.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    15 Jul 2005
  • Recebido
    15 Set 2004
Sociedade Brasileira de Zootecnia Universidade Federal de Viçosa / Departamento de Zootecnia, 36570-900 Viçosa MG Brazil, Tel.: +55 31 3612-4602, +55 31 3612-4612 - Viçosa - MG - Brazil
E-mail: rbz@sbz.org.br