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Influência da condição corporal e da concentração de energia nas dietas no periparto sobre o desempenho de cabras em lactação

Body condition score and peripartum energy density on performance of dairy goats

Resumos

Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar os efeitos da interação nível de energia líquida (EL) nas dietas × condição corporal (CC) no periparto sobre o desempenho de cabras nos primeiros 60 dias da lactação e as concentrações plasmáticas de ácidos graxos não-esterificados (AGNE) no pós-parto. Os animais foram distribuídos em delineamento inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2 x 3 x 2 com quatro repetições, composto de duas condições corporais, três níveis de EL (baixo, médio, alto) na dieta no pré-parto e dois níveis de EL (médio, alto) no pós-parto. Inicialmente, os animais foram separados em dois grupos, de acordo com a CC, adotando-se o valor de 3,25 como mediano. Dietas no pré e no pós-parto foram isoprotéicas, com 13 e 16% de PB, respectivamente. No período pré-parto, os níveis de energia das dietas foram 1,1; 1,4 e 1,6 Mcal de EL/kg de MS e, no período pós-parto, de 1,4 e 1,6 Mcal de EL/kg de MS. A interação CC × níveis de EL no pós-parto influenciou o consumo de FDN, de modo que cabras com menor CC consumiram mais fibra (FDN) com a redução da concentração de EL nas dietas. Os níveis de EL fornecidos durante o pós-parto influenciaram o consumo de nutrientes e a produção de leite, pois a presença de níveis elevados de FDN na dieta com 1,4 Mcal EL/kg MS limitou a expressão do potencial produtivo dos animais. Não foram observados efeitos das CC e dos níveis de EL nas dietas sobre a concentração plasmática de AGNE no pós-parto, indicando pequena mobilização de reservas de lipídios do tecido adiposo.

cabras; lactação; ácidos graxos não-esterificados (AGNE)


The objective of this trial was to evaluate the effect of body condition score (BCS) and different dietary net energy (NE) levels during prepartum on performance and concentration of plasma non-esterified fatty acids (NEFA) in early lactating dairy goats. Animals (four replicates per treatment) were assigned to a completely randomized design in a 2 x 3 x 2 factorial arrangement of treatments (two BCS, three levels of prepartum NE and two levels of postpartum NE). In the beginning of the trial, animals were separated in two groups according to the BCS assuming 3.25 as the average BCS value. Net energy levels during prepartum were: 1.1, 1.4 and 1.6 Mcal NE/kg DM while at postpartum the values were: 1.4 and 1.6 Mcal NE/kg DM. The interaction between BCS and postpartum NE was significant for NDF intake because goats with lower BCS increased fiber intake when NE was reduced in the diet. Levels of dietary net energy during the postpartum affected both intake and milk yield. There were no effects of dietary NE level and BCS on plasma concentration of NEFA during the postpartum period indicating low mobilization of lipids from adipose tissue.

goats; lactation; non-esterified fatty acids (NEFA)


RUMINANTES

Influência da condição corporal e da concentração de energia nas dietas no periparto sobre o desempenho de cabras em lactação

Body condition score and peripartum energy density on performance of dairy goats

Carla Aparecida Florentino RodriguesI; Marcelo Teixeira RodriguesII; Renata Helena BrancoI; Augusto César de QueirozII; Cláudio Vieira de AraújoIII

IDoutor em Zootecnia da UFV

IIDepartamento de Zootecnia da UFV

IIIUniversidade Federal da Amazônia

RESUMO

Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar os efeitos da interação nível de energia líquida (EL) nas dietas × condição corporal (CC) no periparto sobre o desempenho de cabras nos primeiros 60 dias da lactação e as concentrações plasmáticas de ácidos graxos não-esterificados (AGNE) no pós-parto. Os animais foram distribuídos em delineamento inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2 x 3 x 2 com quatro repetições, composto de duas condições corporais, três níveis de EL (baixo, médio, alto) na dieta no pré-parto e dois níveis de EL (médio, alto) no pós-parto. Inicialmente, os animais foram separados em dois grupos, de acordo com a CC, adotando-se o valor de 3,25 como mediano. Dietas no pré e no pós-parto foram isoprotéicas, com 13 e 16% de PB, respectivamente. No período pré-parto, os níveis de energia das dietas foram 1,1; 1,4 e 1,6 Mcal de EL/kg de MS e, no período pós-parto, de 1,4 e 1,6 Mcal de EL/kg de MS. A interação CC × níveis de EL no pós-parto influenciou o consumo de FDN, de modo que cabras com menor CC consumiram mais fibra (FDN) com a redução da concentração de EL nas dietas. Os níveis de EL fornecidos durante o pós-parto influenciaram o consumo de nutrientes e a produção de leite, pois a presença de níveis elevados de FDN na dieta com 1,4 Mcal EL/kg MS limitou a expressão do potencial produtivo dos animais. Não foram observados efeitos das CC e dos níveis de EL nas dietas sobre a concentração plasmática de AGNE no pós-parto, indicando pequena mobilização de reservas de lipídios do tecido adiposo.

Palavras-chave: cabras, lactação, ácidos graxos não-esterificados (AGNE).

ABSTRACT

The objective of this trial was to evaluate the effect of body condition score (BCS) and different dietary net energy (NE) levels during prepartum on performance and concentration of plasma non-esterified fatty acids (NEFA) in early lactating dairy goats. Animals (four replicates per treatment) were assigned to a completely randomized design in a 2 x 3 x 2 factorial arrangement of treatments (two BCS, three levels of prepartum NE and two levels of postpartum NE). In the beginning of the trial, animals were separated in two groups according to the BCS assuming 3.25 as the average BCS value. Net energy levels during prepartum were: 1.1, 1.4 and 1.6 Mcal NE/kg DM while at postpartum the values were: 1.4 and 1.6 Mcal NE/kg DM. The interaction between BCS and postpartum NE was significant for NDF intake because goats with lower BCS increased fiber intake when NE was reduced in the diet. Levels of dietary net energy during the postpartum affected both intake and milk yield. There were no effects of dietary NE level and BCS on plasma concentration of NEFA during the postpartum period indicating low mobilization of lipids from adipose tissue.

Key Words: goats, lactation, non-esterified fatty acids (NEFA)

Introdução

As alterações hormonais no final da gestação e início da lactação provocam mudanças nas concentrações dos constituintes metabólicos relacionados ao equilíbrio energético dos animais.

Durante o final do período pré-parto e início da lactação, as exigências em nutrientes e energia aumentam, como resultado da demanda para o crescimento fetal e a produção de leite. Concomitantemente, ocorre redução no consumo de matéria seca, decorrente da compressão do rúmen pelo feto e da presença de hormônios envolvidos na homeorresia. A mobilização excessiva de lipídios e de proteína a partir dos tecidos, aliada aos baixos níveis de glicídios no plasma, pode provocar distúrbios metabólicos, queda na produção de leite e atraso no retorno à atividade reprodutiva (Lago, et al., 2001; Schmidely et al., 1999). O escore da CC (ECC) dos animais ao final da gestação e os níveis de energia das dietas têm sido apontados como fatores determinantes do desempenho de animais em lactação. Existe correlação altamente positiva entre as reservas de gordura e os níveis de AGNE no plasma (Garnsworthy et al, 1982; Rueg et al., 1995), os quais aumentam próximo ao parto e podem preceder a redução no consumo de alimentos.

O ECC, medida subjetiva para avaliar o grau relativo de reservas corporais, representadas pelo acúmulo de lipídios no tecido adiposo, tem sido utilizado no manejo do gado leiteiro, visto que a determinação periódica de constituintes plasmáticos apresenta dificuldades de ordem prática (Pedron et al., 1993). Entretanto, na maioria dos trabalhos, não é considerada a condição corporal, o que contribui para a permanência de dúvidas quanto à validação de recomendações sobre os níveis de energia e nutrientes mais adequados para o período, bem como do efeito das rações no pré-parto sobre o desempenho dos animais na lactação subseqüente.

As respostas à interação CC ´ níveis de energia das dietas durante o periparto em caprinos não tem sido relatadas na literatura. Portanto, o conhecimento das relações entre CC e níveis de energia líquida (EL) nas dietas, bem como do consumo, da produção de leite e dos teores de AGNE durante o período de transição, é fundamental para se preconizarem medidas de manejo visando máxima eficiência produtiva de cabras no período pós-parto.

O objetivo neste trabalho foi avaliar os efeitos da interação condição corporal ´ nível de energia líquida nas dietas no periparto sobre as concentrações plasmáticas de AGNE e o desempenho de cabras nos primeiros 60 dias da lactação.

Material e Métodos

A pesquisa foi realizada no Setor de Caprinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa durante o período de março a julho de 2000.

Adotou-se delineamento experimental inteiramente casualizado em esquema fatorial 2 x 3 x 2, com quatro repetições, composto de duas condições corporais (CC), três níveis de energia líquida (EL) na dieta no período pré-parto (baixo, médio, alto) e dois níveis de EL na dieta no período pós-parto (médio, alto).

Os animais foram distribuídos ao acaso nos tratamentos no período pré-parto e redistribuídos aleatoriamente no período pós-parto, de modo que as unidades experimentais de cada nível de EL e CC no período pré-parto foram divididas em dois níveis de EL no período pós-parto. No pré-parto, as cabras foram classificadas em maiores ou menores que 3,25. Os níveis de EL das dietas no pré-parto foram 1,10; 1,40 e 1,60 Mcal/kg de MS (baixo, médio e alto, respectivamente) e, no pós-parto, de 1,40 e 1,60 Mcal/kg de MS (médio e alto, respectivamente).

Foram utilizadas 45 cabras Alpinas lactantes, mantidas em baias individuais. Para avaliação dos animais, foi utilizada escala de 1 (muito magra) a 5 (obesa) (Hervieu & Morand-Fehr, 1999). Os animais foram distribuídos em dois grupos, de acordo com a CC aos 120 dias de gestação (grupo I - cabras com CC superior a 3,25 e grupo II - cabras com CC inferior a 3,25), observando-se escore mínimo de 2,5 e máximo de 4,0.

Adotou-se um período pré-experimental de cinco dias, com a finalidade de adaptar as cabras às novas dietas durante o período final de gestação. O nível de EL de 1,4 Mcal/kg de MS, recomendado pelo NRC (1981) para atender às exigências das cabras no período final de gestação, foi utilizado como referência.

A análise estatística dos dados foi realizada pelo método dos quadrados mínimos, por meio do SAS (1990), e, em caso de efeitos significativos, as médias foram comparadas pelo teste Student Newman-Keuls (SNK), a 5% de probabilidade.

Na Tabela 1 constam as composições percentuais dos ingredientes das rações e a composição bromatológica de cada dieta utilizada no período pré-parto. As dietas (isoprotéicas), foram formuladas para suprir as exigências nutricionais de cabras gestantes, com níveis de 13% de PB (%MS) no período pré-parto (NRC, 1981). O concentrado foi constituído de fubá de milho, farelo de soja, uréia, fosfato bicálcico, calcário calcítico, mistura mineral e o volumoso foi composto de feno de tifton 85 (Cynodon dactylon).

Na Tabela 2 são apresentadas as composições percentuais e bromatológicas das dietas utilizadas no período pós-parto. As dietas utilizadas no período pós-parto (isoprotéicas, com 16% de PB na MS) foram formuladas para suprir as exigências nutricionais de cabras lactantes com produção média de 4 kg de leite/dia (NRC, 1981).

A alimentação diária foi dividida em duas refeições, fornecidas às 9 e 16h. Para controle do consumo, foram pesadas e ajustadas diariamente as quantidades de alimento oferecido e de sobras, permitindo-se, no mínimo, 10% de sobras, de modo a garantir o consumo voluntário. Amostras da dieta fornecida e das sobras foram coletadas três vezes por semana, formando amostras compostas, analisadas posteriormente quanto aos teores de MS, FDN, FDA (Van Soest 1991) e PB (Silva, 1990).

Foram realizadas pesagens e avaliações da CC das cabras, sempre antes do arraçoamento e depois da ordenha, no dia do parto, dois dias consecutivos e de 15 em 15 dias após o parto (por três quinzenas), para o cálculo do peso médio e da CC média.

A produção de leite foi determinada mediante pesagem de leite das duas ordenhas diárias. Semanalmente, foram coletadas amostras, para análise dos níveis de gordura, por espectrometria de infravermelho, e quinzenalmente, para determinação dos teores de proteína, conforme descrito por Silva (1990).

Para determinação da produção de leite corrigida para 3,5% de gordura, foi utilizada a equação sugerida por Adams et al. (1995):

em que: PLC 3,5%: produção de leite corrigida para 3,5% de gordura; PL: produção de leite (g/dia); e G: teor de gordura do leite (%)

A partir do parto, amostras de sangue foram coletadas semanalmente até 21 dias após o parto. O sangue foi coletado da veia jugular em tubos "vacutainer" heparinizados, uma hora e meia após o fornecimento do alimento pela manhã. O plasma sangüíneo foi separado por centrifugação a 3.200 rpm por 10 minutos e armazenado a -20ºC para posteriores análises de AGNE. Para as análises dos níveis plasmáticos de AGNE, foi utilizado o kit específico Wako, NEFA C (kit nº 994-75409 E), baseado no método enzimático e na leitura por colorimetria, na densidade ótica com comprimento de onda de 550 nm, modificado por Baumann (1986), citado por Johnson & Peters (1993).

Resultados e Discussão

A interação tripla condição corporal (CC) ´ níveis de EL nas dietas no período pré-parto ´ níveis de EL nas dietas no pós-parto não apresentou efeito sobre os consumos de MS, EL e FDN no pós-parto.

Não foram observados efeitos da interação CC ´ níveis de EL nas dietas sobre os consumos de MS e EL no período pós-parto. Entretanto, as interações CC ´ níveis de EL nas dietas no pós-parto influenciaram (P<0,05) o consumo de FDN (Tabela 3) e, portanto, foi avaliado separadamente o efeito da CC sobre o consumo. Não houve influência das interações dos níveis de EL nas dietas nos períodos pré-parto e pós-parto sobre os consumos de MS, EL e FDN no pós-parto.

O efeito da CC sobre os consumos de MS, EL e FDN no pós-parto não foi significativo, sugerindo que CC de 2,5 a 4,0 não influenciam negativamente o consumo. Pela análise individual, verificou-se que os animais com CC superior a 3,25, ao contrário daqueles com CC inferior a 3,25 (P<0,05), não apresentaram diferença significativa no consumo de FDN quando a densidade energética da dieta foi alterada. Dentro de cada nível de EL durante o período pós-parto, observou-se que, na dieta com 1,4 Mcal de EL/kg de MS, os animais com CC<3,25 consumiram mais FDN que aqueles com CC>3,25.

Doepel et al. (2002) avaliaram os efeitos de dietas com 1,65 e 1,30 Mcal de EL/kg e dois níveis de PB (17 e 12,5%) durante os últimos 21 dias de gestação e de uma dieta semelhante no pós-parto e observaram que o aumento da densidade de nutrientes não influenciou o consumo durante o pré-parto, mas, no pós-parto, a dieta mais energética resultou em maior consumo. Os tratamentos não influenciaram a CC dos animais.

A CC não influenciou diretamente os consumos de MS e EL, embora as cabras com menor CC tenham consumido maiores quantidades de FDN quando a dieta apresentava menor nível de EL (1,4 Mcal/kg MS). Para as dietas com alto nível de EL (1,6 Mcal/kg MS), ocorreu o inverso, sugerindo que os animais compensaram o menor nível energético da dieta por meio de maior consumo.

Os níveis de EL nas dietas fornecidas durante o período pré-parto não influenciaram os consumos de MS, EL e FDN no período pós-parto. Kunz et al. (1985) e Nachtomi et al. (1986), em experimento com vacas, obtiveram resultados semelhantes ao deste experimento, em que o nível energético da ração no período pré-parto não teve efeito sobre o consumo durante o período pós-parto. Kokkonen et al. (2004) relataram que a proporção de concentrado na dieta durante o pré-parto não influenciou o consumo de MS de vacas durante o pós-parto.

Os níveis de EL nas dietas fornecidas durante o período pós-parto influenciaram (P<0,05) os consumos de MS (g/dia), EL (Mcal/dia, kcal/kg0,75) e FDN (g/dia e %PV) (Tabela 4). O aumento do nível de EL nas dietas fornecidas no pós-parto resultou em acréscimo no consumo de MS (g/dia) e EL (Mcal/dia) e redução no de FDN.

O consumo de fibra por caprinos no periparto não tem sido relatado na literatura. Para bovinos, Mertens (1994) citou o período de transição, especialmente no início da lactação, como a fase em que podem ser observados os menores valores de consumo. Esse autor reportou valores de 0,89 a 0,91% do peso do animal, o que reforça a hipótese de que, neste trabalho, o nível de FDN atuou como fator limitante nas cabras que consumiram a dieta de 1,4 Mcal de EL/kg de MS, e o consumo de FDN 1,32% do PV, o que limitou o consumo de MS. Carvalho (2002) estudaram o efeito de níveis de FDN na dieta em cabras após o pico de lactação e verificou consumo de FDN entre 1,36 e 1,53% do PV para dietas com 27 a 34% de FDN proveniente da forragem (FDNf), valores próximos aos encontrados neste experimento.

A análise da evolução da curva de consumo de MS, FDN e EL durante os primeiros 60 dias após o parto indicou tendência semelhante para as duas dietas e aumento de consumo até 30 dias após o parto, quando ocorreu uma desaceleração ou mesmo estabilização do consumo (Figura 1).


A análise de variância não comprovou efeito das interações ou dos níveis individuais de CC e de EL sobre a variação de peso corporal dos animais durante os 60 dias após o parto (Figura 2).


Reis (1993) utilizaram, em cabras, níveis de 150 e 200% das exigências nutricionais para mantença (NRC, 1981) durante o período pré-parto e não encontrou efeito do nível de energia da dieta sobre a variação de peso corporal de cabras no período pós-parto. No período pós-parto, utilizando níveis de 80, 100 e 120% das exigências para lactação (NRC, 1981), esse autor observou efeito sobre o ganho de peso corporal de caprinos.

Nachtomi et al. (1986) testaram dietas com 110 e 160% do requerimento de energia e relataram que o nível de energia na alimentação de bovinos no pré-parto não influenciou o peso corporal no período pós-parto. Bartle et al. (1984) verificaram que os níveis energéticos nas dietas pós-parto para bovinos têm efeito positivo sobre o ganho de peso corporal durante a lactação.

Alguns autores relataram que a condição corporal influenciou o ganho ou a perda de peso corporal dos bovinos, de modo que a recuperação das perdas foi mais tardia nos animais de baixa condição corporal ao parto (Garnworthy & Topps, 1982).

Doepel et al. (2002) avaliaram os efeitos de dietas com 1,65 e 1,30 Mcal de EL/kg e dois níveis de PB (17 e 12,5%) no pré-parto durante os últimos 21 dias de gestação e de uma dieta semelhante no pós-parto. Esses autores observaram que os tratamentos não influenciaram o peso dos animais.

Neste trabalho, não houve efeito da condição corporal sobre o ganho ou a perda de peso corporal, o que pode ser explicado pela faixa de condição corporal, entre 2,5 e 4,0, e pela produção média de leite de 3,0 kg/dia. Também não foi observado efeito das interações CC ´ níveis de EL nas dietas no pré e no pós-parto sobre o desempenho produtivo das cabras.

As interações CC ´ nível de EL nas dietas pré-parto não influenciaram o desempenho produtivo das cabras 60 dias após o parto. Entretanto, a CC e o tratamento pré-parto influenciaram a produção de leite de ovelhas (Louca et al., 1974), embora essa produção, em caprinos, seja altamente relacionada ao plano nutricional no período pós-parto (Economides & Louca, 1987).

A análise individual do efeito da CC sobre o desempenho produtivo das cabras não demonstrou diferença, confirmando os resultados do efeito da CC sobre o consumo e a variação de peso durante o período avaliado. Ruegg & Milton (1995) verificaram que a CC não influencia o pico da lactação e o número de dias de produção de leite em bovinos.

Os níveis de EL nas dietas fornecidas no pré-parto não influenciaram o desempenho produtivo das cabras. Os resultados obtidos reforçam a importância de a CC proporcionar aos animais reservas suficientes para compensar o possível efeito negativo de dietas com baixo nível de EL no período pré-parto.

Dados sobre a influência da alimentação no período pré-parto sobre o desempenho na lactação são divergentes. Pedron et al. (1993) observaram efeito da alimentação no pré-parto sobre a produção de leite de cabras, enquanto Lu et al. (1984) verificaram que, em caprinos, a alimentação no pré-parto não tem efeito sobre a produção de leite. Entretanto, esses autores não mencionam a condição corporal dos animais no período pré-parto, um fator que pode ter influenciado as diferentes respostas.

Segundo Morand-Fehr & Sauvant (1980), o nível de concentrado fornecido na ração de cabras durante o período pré-parto influenciou positivamente o teor de gordura do leite em animais com alimentação mais energética.

Os níveis de EL nas dietas oferecidas durante o período pós-parto influenciaram a produção de leite (kg/dia), proporcionando acréscimo de 21% com a mudança do nível de EL na dieta de 1,4 para 1,6 Mcal de EL/kg de MS (Tabela 5). Entretanto, não foi verificada diferença entre os níveis de EL, quando analisada a produção de leite corrigida para 3,5% de gordura, bem como a composição e produção de gordura e proteína do leite. Provavelmente, o resultado decorreu do coeficiente de variação nos dados dos teores de gordura (CV=15,17%). Trabalhos realizados com cabras Barbari e Jamnapari, na Índia, e com cabras Alpinas, na França, comprovaram que o aumento da energia dietética no período pós-parto resulta em aumento na produção de leite (Denvedra, 1982).

Doepel et al. (2002) avaliaram, em vacas leiteiras, os efeitos de dietas contendo 1,65 e 1,30 Mcal de EL/kg e dois níveis de PB (17 e 12,5%) nos últimos 21 dias de gestação e de uma dieta semelhante no pós-parto. Os autores observaram que os tratamentos não influenciaram a produção e composição do leite e que os animais que receberam dieta mais energética apresentaram concentração plasmática de AGNE inferior à daqueles que receberam dieta com menor densidade energética (354,3 vs 439,9 µmol/L). Overton et al. (2004), por sua vez, verificaram que o aumento da energia dietética durante o período pré-parto promoveu efeitos positivos no metabolismo e no desempenho de vacas no período de transição.

As interações CC ´ níveis de EL nas dietas pré-parto e dos níveis de EL nas dietas pós-parto não apresentaram efeitos sobre a concentração de AGNE (uM).

Os efeitos das interações CC ´ nível de EL das dietas, assim como das interações dos níveis de EL nas dietas utilizadas no pré e pós-parto, não foram significativos quando avaliadas as concentrações de AGNE durante os primeiros 21 dias de lactação. Provavelmente, a demanda energética para produção de leite nos primeiros dias pós-parto não tenha sido suficiente para que as diferenças entre os níveis de EL pudessem ser observadas.

A análise individual do efeito da CC sobre a concentração de AGNE não apresentou diferença, demonstrando semelhança entre as CC avaliadas. Similarmente aos dados de consumo (985,36g/dia para menor CC versus 1113,58 g/dia para maior CC), cabras com CC entre 2,5 e 4,0 durante o período de transição e com produção média de leite de 3,0 kg/dia não diferiram entre si quanto aos níveis de AGNE.

A análise das variações na concentração plasmática de AGNE no início da lactação (Figura 3) sugeriu efeitos similares entre as dietas com níveis médio e alto de EL, provavelmente em razão da produção de leite das cabras, considerada mediana (3,0 kg de leite/dia) para animais leiteiros.


Observou-se, no entanto, que os menores valores de AGNE foram obtidos nos animais alimentados com dietas contendo alto nível de EL, durante os dias em que foram coletadas as amostras de sangue, caracterizando mudanças do mecanismo de regulação a curto prazo.

Kokkonen et al. (2004) relataram que vacas alimentadas com alto teor de concentrado no pré-parto não apresentam redução da concentração de AGNE na primeira semana pós-parto.

Os ácidos graxos (AG) podem ser utilizados por animais lactantes para a síntese de gordura do leite. Aproximadamente 50% dos AG no leite são oriundos da dieta ou dos triglicerídeos do sangue. Os AG utilizados pela glândula mamária para síntese do leite também podem ser provenientes dos AGNE do sangue, liberados da mobilização de gordura do tecido adiposo (Overton, 2000). Bell (1995) sugeriu que mais de 40% dos AG do leite, durante a primeira semana de lactação, sejam oriundos de AGNE.

Em cabras, a extração de triglicerídeos e AGNE pela glândula mamária é equivalente a 63-83% da gordura do leite. A mobilização de gordura corporal é utilizada como AGNE em ruminantes lactantes, pois a alta capacidade de captura de AGNE na gordura do leite coincide com a capacidade relativamente baixa de incorporação hepática de AGNE no triglicerídeo (Petrick & Dunshea, 1993).

Conclusões

Cabras com produção média de leite de 3,0 kg.dia-1 e apresentando CC ao parto entre 2,5 e 4,0 respondem positivamente ao aumento de energia na dieta no início da lactação, sem que ocorram distúrbios metabólicos e mobilização de reservas corporais (AGNE), mesmo quando o nível de EL da dieta fornecida no final da gestação estiver abaixo das recomendações para caprinos.

Para cabras com produção de leite média de 3,0 kg.dia-1, recomendam-se dietas com 1,6 Mcal de EL.kg MS-1 e 16% de PB no período pós-parto.

Agradecimento

Ao Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, pela oportunidade e pelas condições para realizações deste trabalho.

À Coordenação de Apoio à Pesquisa (CAPES), pela concessão da bolsa de estudo.

Aos professores e funcionários do Departamento de Zootecnia, em especial aos funcionários do Setor de Caprinocultura e do Laboratório de Nutrição Animal, pelos ensinamentos e pela orientação na condução deste trabalho.

Literatura Citada

Recebido: 07/10/04

Aprovado: 07/02/06

Correspondências devem ser enviadas para: carlaafr@hotmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2006

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2004
  • Aceito
    07 Fev 2006
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