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Identificação e quantificação de indicadores-referência de sistemas de produção de leite

Identification and quantification of benchmarks of milk production systems

Resumos

Objetivou-se identificar e quantificar indicadores-referência de sistemas de produção de leite no Extremo Sul da Bahia. Analisaram-se o perfil tecnológico e os indicadores zootécnicos, econômicos e de tamanho de nove empresas. Foram determinados os coeficientes de correlação dos indicadores com a taxa de remuneração do capital investido. Após a identificação dos indicadores que apresentaram correlação, foram geradas equações de regressão para cada indicador em função da taxa de remuneração do capital investido para quantificar os indicadores-referência em quatro cenários de taxa de remuneração do capital investido (4, 6, 8 e 10% ao ano). Os indicadores correlacionados e seus respectivos valores nos quatro cenários foram: produção diária de leite (456, 538, 621 e 703 L/dia); produtividade da terra (733, 1.008, 1.284 e 1.559 L/ha/ano); vacas em lactação por área (0,37; 0,45; 0,54 e 0,62 vacas/ha); produtividade por total de vacas (3,01; 3,52; 4,03 e 4,54 L/vaca/dia); relação de vacas em lactação pelo total do rebanho (24, 27, 30 e 33%); produtividade da mão-de-obra (111, 124, 137 e 150 L/dia-homem), participação do custo operacional efetivo da atividade na renda bruta da atividade (60, 57, 54 e 51%); participação do custo operacional total da atividade na renda bruta da atividade (72, 66, 60, 54%); gasto com mão-de-obra em relação à renda bruta do leite (31, 27, 22 e 18%); capital investido na atividade em relação à produção diária de leite (2.093, 1.508, 924 e 339 R$/L-dia). A identificação de indicadores-referência em sistemas reais de produção de leite, caracterizando aqueles mais diretamente correlacionados à eficiência econômica, é uma importante ferramenta de apoio gerencial e pode trazer esclarecimentos para o debate sobre a viabilidade econômica de sistemas de produção de leite.

benchmark; custo de produção; gestão; rentabilidade


The objective of this study was to identify and quantify benchmarks of milk production systems in the region of Extremo Sul da Bahia. Technological profile and indicators of size, livestock productivity and economy of nine farms were analyzed. It were also determined the correlation coefficients between these indicators and the rate of retun. Indicators with significant correlation were regressed on rate of return in order to quantify the benchmarks with the following rates of return: 4, 6, 8 and 10% per year. Data for the four rates of return were, respectively: daily milk yield (456, 538, 621 and 703 L/day); land productivity (733, 1.008, 1284 and 1559 L/ha/year); stocking rate (0.37, 0.45, 0.54 and 0.62 cows/ha); productivity per total of cows (3.01, 3.52, 4.03 and 4.54 L/cow/day); labor productivity (111, 124, 137 and 150 L/man/day); proportion of the total effective operational cost in the gross revenue (60, 57, 54 and 51%); proportion of the total operational cost in the gross revenue (72, 66, 60 and 54%); labor cost to milk gross revenue ratio (31, 27, 22 and 18%); and capital invested to daily milk production ratio (2093, 1508, 924 and 339 R$/L-day). Identification of benchmarks, mainly those highly correlated with economic efficiency is an important tool for applying on farm management because help producers to better understand the economic viability of their dairy production systems.

benchmark; production cost; administration; profitability


SISTEMAS DE PRODUÇÃO E AGRONEGÓCIO

Identificação e quantificação de indicadores-referência de sistemas de produção de leite

Identification and quantification of benchmarks of milk production systems

André Soares de OliveiraI; Daniel de Noronha Figueiredo Vieira da CunhaI; José Maurício de Souza CamposII; Sônia Maria Leite Ribeiro do ValeIII; Anderson Jorge de AssisIV

IDoutorando em Nutrição e Produção de Ruminantes, Departamento de Zootecnia/UFV. Bolsista do CNPq

IIDepartamento de Zootecnia/UFV, Viçosa-MG

IIIDepartamento de Economia Rural/UFV, Viçosa-MG

IVD.Sc. em Nutrição e Produção de Ruminantes/UFV

RESUMO

Objetivou-se identificar e quantificar indicadores-referência de sistemas de produção de leite no Extremo Sul da Bahia. Analisaram-se o perfil tecnológico e os indicadores zootécnicos, econômicos e de tamanho de nove empresas. Foram determinados os coeficientes de correlação dos indicadores com a taxa de remuneração do capital investido. Após a identificação dos indicadores que apresentaram correlação, foram geradas equações de regressão para cada indicador em função da taxa de remuneração do capital investido para quantificar os indicadores-referência em quatro cenários de taxa de remuneração do capital investido (4, 6, 8 e 10% ao ano). Os indicadores correlacionados e seus respectivos valores nos quatro cenários foram: produção diária de leite (456, 538, 621 e 703 L/dia); produtividade da terra (733, 1.008, 1.284 e 1.559 L/ha/ano); vacas em lactação por área (0,37; 0,45; 0,54 e 0,62 vacas/ha); produtividade por total de vacas (3,01; 3,52; 4,03 e 4,54 L/vaca/dia); relação de vacas em lactação pelo total do rebanho (24, 27, 30 e 33%); produtividade da mão-de-obra (111, 124, 137 e 150 L/dia-homem), participação do custo operacional efetivo da atividade na renda bruta da atividade (60, 57, 54 e 51%); participação do custo operacional total da atividade na renda bruta da atividade (72, 66, 60, 54%); gasto com mão-de-obra em relação à renda bruta do leite (31, 27, 22 e 18%); capital investido na atividade em relação à produção diária de leite (2.093, 1.508, 924 e 339 R$/L-dia). A identificação de indicadores-referência em sistemas reais de produção de leite, caracterizando aqueles mais diretamente correlacionados à eficiência econômica, é uma importante ferramenta de apoio gerencial e pode trazer esclarecimentos para o debate sobre a viabilidade econômica de sistemas de produção de leite.

Palavras-chave:benchmark, custo de produção, gestão, rentabilidade

ABSTRACT

The objective of this study was to identify and quantify benchmarks of milk production systems in the region of Extremo Sul da Bahia. Technological profile and indicators of size, livestock productivity and economy of nine farms were analyzed. It were also determined the correlation coefficients between these indicators and the rate of retun. Indicators with significant correlation were regressed on rate of return in order to quantify the benchmarks with the following rates of return: 4, 6, 8 and 10% per year. Data for the four rates of return were, respectively: daily milk yield (456, 538, 621 and 703 L/day); land productivity (733, 1.008, 1284 and 1559 L/ha/year); stocking rate (0.37, 0.45, 0.54 and 0.62 cows/ha); productivity per total of cows (3.01, 3.52, 4.03 and 4.54 L/cow/day); labor productivity (111, 124, 137 and 150 L/man/day); proportion of the total effective operational cost in the gross revenue (60, 57, 54 and 51%); proportion of the total operational cost in the gross revenue (72, 66, 60 and 54%); labor cost to milk gross revenue ratio (31, 27, 22 and 18%); and capital invested to daily milk production ratio (2093, 1508, 924 and 339 R$/L-day). Identification of benchmarks, mainly those highly correlated with economic efficiency is an important tool for applying on farm management because help producers to better understand the economic viability of their dairy production systems.

Key Words: benchmark, production cost, administration, profitability

Introdução

No ambiente de elevada concorrência, de incertezas e de redução das margens de ganho em que os produtores de leite estão inseridos, a eficácia nas decisões é fundamental para competitividade do negócio.

O planejamento é essencial para o gerenciamento de decisões operacionais, táticas e estratégicas. Entre os métodos de planejamento, a identificação e a análise de pontos de referência (benchmark) destacam-se pela segurança e exatidão, visto que os valores são obtidos diretamente de unidades de produção presentes em mesmo ambiente econômico (Gomes, 2005b). Neste sentido, estudos têm sido realizados visando identificar os principais indicadores zootécnicos e econômicos que influenciam a rentabilidade dos sistemas de produção de leite no Brasil (Krug, 2001; Gomes, 2005b).

Entretanto, o caráter dinâmico inerente ao ambiente de produção e a elevada diversidade socioeconômica, cultural e edafo-climática que caracterizam os sistemas de produção, associados ao fato de a pecuária leiteira estar presente em mais de 80% dos municípios do Brasil, impõem a necessidade de estudos regionalizados.

Com este trabalho objetivou-se identificar e quantificar indicadores-referência de sistemas de produção de leite no Extremo Sul da Bahia, maior bacia leiteira do estado (IBGE, 2005).

Material e Métodos

Para identificar e quantificar os indicadores-referência, avaliaram-se nove empresas produtoras de leite, localizadas no Extremo Sul da Bahia (Microrregião de Porto Seguro, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), participantes de um programa de assistência técnica e gerencial. Os dados originaram-se de registros mensais, realizados entre janeiro e dezembro de 2002, cujos valores monetários foram corrigidos para janeiro de 2005 pelo IGP-DI (índice geral de preços de disponibilidade interna) (FGVDADOS, 2005).

Segundo classificação de Köppen, o clima da região é o tropical úmido (Athi), caracterizado como megatérmico, sempre úmido, sem estação seca, com temperaturas médias mensais sempre superiores a 18ºC, amplitude térmica menor que 5ºC e precipitação média anual de 1.400 mm (Hídricos, 2003).

Amostras mensais de leite foram coletadas de cada propriedade, diretamente do tanque de expansão, para contagem padrão em placas e contagem de células somáticas. As análises foram realizadas pelo laboratório da agroindústria receptora do leite.

As avaliações fundamentaram-se na teoria neoclássica de produção, em que as firmas buscam maximizacão dos lucros ou minimização dos custos mediante combinações ótimas de fatores de produção e de insumos, sujeitos a determinados vetores tecnológicos (Ferguson, 1996). Os vetores tecnológicos, por sua vez, foram predeterminados a partir da seleção de indicadores-referência (benchmarks).

Foram analisados o perfil tecnológico, os indicadores zootécnicos, econômicos e de tamanho das empresas utilizando-se planilhas do Programa Excel®.

Os indicadores de tamanho analisados foram: produção diária de leite (litros); área total (ha); número de vacas em lactação (animais), total de vacas (animais), total do rebanho (animais) e total de unidades animais (UA), mão-de-obra total (dias-homem/ano), fornecimento de concentrado para o rebanho (kg/ano) e capital total investido (R$) (terra, animais, benfeitorias, máquinas e forrageiras não-anuais).

Os indicadores zootécnicos analisados foram: 1 - produtividade por vaca em lactação (litros/vaca/dia) = produção diária de leite/número de vacas em lactação; 2 - produtividade por total de vacas (litros/vaca/dia) = produção diária de leite/número total de vacas; 3 - relação de vacas em lactação pelo total de vacas (%) = número de vacas em lactação/número total de vacas; 4 - relação de vacas em lactação pelo total do rebanho (%) = número de vacas em lactação/total do rebanho; 5 - taxa de lotação (UA / ha) = nº total de unidade animais/área total; 6 - número de vacas em lactação por área (vacas/ha) = nº de vacas em lactação / área total; 7 - produtividade da terra (litros/ha/ano) = produção anual de leite / área total; 8 - produtividade da mão-de-obra (litros/dia-homem) = produção anual de leite/total de mão-de-obra anual; 9 - produtividade do concentrado (litros / kg de matéria natural) = produção anual de leite/fornecimento anual de concentrado para o rebanho. A medodologia de cálculo de custo se baseou nos métodos de custo operacional (Hoffman et al., 1987) e de custo total. Os indicadores analisados foram: 10 - renda bruta da atividade leiteira-RBA (R$/ano) = venda de leite + venda de animais; 11 - renda bruta do leite - RBL (R$/ano) = venda de leite; 12 - participação da renda bruta do leite na renda bruta da atividade (%) = RBL/RBA x 100; 13 - preço do leite (R$/litro) = valor unitário do leite recebido, incluíndo frete; 14 - custo operacional efetivo da atividade leiteira - COE (R$/ano) = mão-de-obra contratada, concentrados, manutenção de forrageiras não-anuais, mineralização, sanidade, energia e combustíveis, material de ordenha, inseminação artificial, frete de leite, impostos e taxas, reparos em benfeitorias e máquinas e outras despesas de custeio; 15 - custo operacional total da atividade leiteira-COT (R$/ano) = COE + mão-de-obra familiar + depreciação de máquinas, benfeitorias, forrageiras não-anuais e animais de serviços para o cálculo da depreciação, foi utilizado o método linear (Hoffman et al., 1987); 16 - custo total da atividade leiteira-CT (R$/ano) = COT + remuneração do capital médio investido em animais, benfeitorias, máquinas, forrageiras não-anuais e terras para o cálculo da remuneração do capital investido, adotou-se taxa de juros de 4% ao ano, referente à remuneração média real (nominal descontada a inflação) da caderneta de poupança entre os anos de 1995 a 2004; 17 - margem bruta da atividade-MB (R$/ano) = RBA COE; 18 - margem líquida da atividade-ML (R$/ano) = RBA COT; 19 - lucro da atividade (R$/ano) = RBA CT; 20 - custo operacional efetivo por litro de leite (R$/litro) = (COE X (RBL / RBA x 100)) / produção anual de leite; 21 - custo operacional total por litro de leite (R$/litro) = (COT X (RBL / RBA x 100)) / produção anual de leite; 22 - custo total por litro de leite (R$/litro) = (CT X (RBL / RBA x 100)) / produção anual de leite; 23 - margem bruta por litro de leite (R$/litro) = preço do leite – COE do leite; 24 - margem líquida por litro de leite (R$/litro) = preço do leite – COT do leite; 25 - lucro por litro de leite (R$/litro) = preço do leite – CT do leite; 26 - gasto com concentrado para o rebanho em relação ao valor da produção de leite (%) = gasto anual com concentrado para o rebanho / RBL x 100; 27 - gasto com mão-de-obra em relação ao valor da produção de leite (%) = gasto anual com mão-de-obra / RBL x 100; 28 - participação do COE na RBA (%) = COE / RBA x 100; 29 - participação do COT na RBA (%) = COT / RBA x 100; 30 - taxa de remuneração do capital investido (% ao ano) = ML / capital médio investido em animais, benfeitorias, máquinas, forrageiras não-anuais e terra; 31 - capital investido na atividade em relação à produção diária de leite (R$/litro/dia) = capital médio investido em animais, benfeitorias, máquinas, forrageiras não-anuais e terra / produção diária de leite. Foram determinados os coeficientes de correlação dos indicadores de tamanho, zootécnicos e econômicos com a taxa de remuneração do capital investido, com o objetivo de identificar aqueles que afetam o desempenho econômico das empresas. Adotou-se o procedimento de correlação Pearson, aplicando-se o teste t a 10% de probabilidade.

Após a identificação dos indicadores que apresentaram correlação (P<0,10), foram geradas equações de regressão para cada indicador em função da taxa de remuneração do capital investido, para quantificar os indicadores-referência. Os valores de cada indicador foram estimados considerando quatro cenários de taxa real de remuneração do capital investido (4, 6, 8 e 10% ao ano).

Os procedimentos estatísticos adotados (análise de variância e regressão) foram realizados utilizando-se o programa SAEG, versão 7.0. (UFV, 1997).

Resultados e Discussão

Os sistemas de produção analisados caracterizaram-se pela utilização de rebanhos com composição genética entre 1/4 e 3/4 Holandês x Zebu (HZ), com predominância dos grupos genéticos 1/2 e 5/8 (HZ), e pelo aproveitamento dos machos, comercializados com dez meses de idade.

Na Tabela 1 são apresentados os perfis tecnológico e gerencial das empresas que exploram a pecuária leiteira no Extremo Sul da Bahia.

Apesar de a maioria (81%) adotar a prática de aleitamento natural, o que poderia caracterizar sistemas de baixo nível tecnológico, todos os produtores utilizaram inseminação artificial e 92% duas ordenhas diárias. Esse resultado é reflexo da composição genética do rebanho, que exige a presença do bezerro durante a ordenha, a fim de evitar redução no período de lactação (Oliveira et al., 2004).

Como estratégia de alimentação volumosa, no período das águas, a pastagem foi utilizada como volumoso exclusivo. O pastejo rotativo foi utilizado por 41% dos produtores, freqüência considerada alta se comparada à de outras regiões do país (Bressan et al., 1999). No período seco do ano, todos os produtores utilizaram cana-de-açúcar como volumoso suplementar.

Os sistemas de controles leiteiro, reprodutivo e financeiro foram adotados por todos os produtores, evidenciando a importância atribuída aos sistemas de informação como recurso de gestão.

Apesar da baixa adoção de ordenha mecânica (16%), o resfriamento do leite em tanques de expansão direta foi utilizado em todas as unidades produtivas, o que possivelmente contribuiu para obtenção de contagem padrão em placa (CPP) de 305 mil unidades formadoras de colônia (ufc) por mL, indicando que não houve relação direta entre utilização de ordenha mecânica e a qualidade do leite, visto que os valores de CPP atenderam aos limites máximos de 750 mil ufc/mL exigidos pela Instrução Normativa nº 51 do MAPA até 2012 (Dürr, 2005). O valor médio de contagem de células somáticas (CCS) foi de 223.000/mL, o que atende às normas nacionais e internacionais, que limitam os valores em 400.000 por mL (Ribas et al., 2003; Dürr, 2005).

As estatísticas descritivas dos indicadores de tamanho de empresas que exploram pecuária leiteira no Extremo Sul da Bahia encontram-se relacionadas na Tabela 2. A produção diária de leite – média de 521,08 e mínimo de 273,51 L – inclui os produtores no grupo acima de 200 L/dia, que, segundo o Censo das Cooperativas de Laticínios do Brasil em 2002, apesar de responder por 23% do número total de produtores, contribui com 68% da produção (Alvarez et al., 2003).

A área total utilizada pela pecuária leiteira indica que o tamanho das propriedades pode ser considerado elevado em comparação ao das propriedades que exploram a atividade nos estados de Minas Gerais, 92,85 ha (Diagnóstico da Pecuária Leiteira do Estado de Minas Gerais, 1996), e Goiás, 124,4 ha (Bressan et al., 1999). Além disso, 80% da produção de leite no Brasil é oriunda de propriedades com menos de 200 ha (IBGE, 1996).

Na Tabela 3 constam as estatísticas descritivas dos indicadores zootécnicos de empresas que exploram pecuária leiteira no Extremo Sul da Bahia. A produtividade por vaca em lactação observada (2.146,2 L/vaca/ano) é compatível com o sistema de produção adotado, caracterizado pela baixa utilização de concentrados e pela opção de sistema de cruzamento alternado simples (HZ) (Madalena et al., 1990).

A relação de vacas em lactação pelo total de vacas é um indicador influenciado pela razão entre o período de lactação e o intervalo de partos. Considerando que o período médio de lactação foi de 280 dias, o intervalo de partos do grupo foi de 487 dias.

A relação de vacas em lactação pelo total do rebanho é um índice global do sistema de produção, pois, além de ser afetado pelo intervalo de partos e pelo período de lactação, também sofre influência negativa da idade ao primeiro parto. Maiores valores indicam maiores proporções de animais gerando receitas em relação ao número total do rebanho.

O número de vacas em lactação por área e a produtividade da terra são indicadores de intensificação do sistema de produção relacionados às tecnologias bioquímicas poupadoras do fator terra, mais relevantes em regiões onde o preço desse fator é elevado. Os valores obtidos caracterizam os sistemas como extensivos no uso deste recurso produtivo (Gomes, 2005c).

A produtividade da mão-de-obra é considerada também fator de intensificação, mas reflexo do uso de tecnologias mecânicas, poupadoras de mão-de-obra (Gomes, 2005c). Em condições crescentes de custos com mão-de-obra, a intensificação desse fator é necessária para o equilíbrio econômico do sistema de produção.

A produtividade do concentrado pode ser considerada elevada se comparada aos dados médios de 2,73 L de leite por kg de concentrado observados no estado de Minas Gerais (Diagnóstico da Pecuária Leiteira do Estado de Minas Gerais, 1996). Este resultado se deve ao menor nível de utilização, visto que a resposta produtiva do concentrado (kg de leite/kg de concentrado) decresce com o aumento da quantidade fornecida (Davison & Elliott, 1993; Lana et al., 2005). Por sua vez, o baixo nível de utilização de concentrado deveu-se à relação de troca desfavorável de preços (1,02 kg de concentrado por litro de leite), situando-se acima dos valores de respostas produtivas ao uso de concentrados, entre 0,5 e 1,0 kg de leite por kg de concentrado (Davison & Elliott, 1993; Gomide, 1993; Deresz, 2001; Bargo et al., 2003; Lana, 2005).

Nas Tabelas 4 e 5 são apresentadas as estatísticas descritivas dos custos de produção, da renda bruta, da margem bruta, da margem líquida e dos lucros de empresas que exploram pecuária leiteira na região do Extremo Sul da Bahia. A participação da renda bruta do leite na composição da renda bruta da atividade leiteira indica a importância da venda de animais, característica desse sistema de produção.

A participação do gasto com concentrado e mão-de-obra na renda bruta do leite consiste em um indicador de eficiência econômica largamente adotado. Observou-se maior participação da mão-de-obra na renda bruta do leite em relação à participação do concentrado, o que difere de sistemas nos quais se utilizam vacas de maior nível de produção de leite, em decorrência da maior adoção de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e da maior intensidade de uso de concentrado neste tipo de sistema de produção.

O conhecimento das implicações do custo operacional efetivo (COE), a curto prazo, do custo operacional total (COT), a médio prazo, e do custo total (CT), a longo prazo, é fundamental na gestão do negócio. A associação temporal do COE indica a viabilidade financeira a curto prazo; e o COT e o CT representam a sustentabilidade do negócio a médio e longo prazos. Neste sentido, a empresa deve sempre manter a margem bruta positiva, pois, caso contrário, a interrupção da produção será a melhor alternativa.

Margem líquida nula (ponto de resíduo) implica recomposição do desgaste, pelo tempo ou pelo avanço tecnológico, de benfeitorias, máquinas e de forrageiras não-anuais e na remuneração da mão-de-obra familiar, mas não remunera o capital investido na atividade. Valores positivos indicam que o capital está sendo remunerado a taxas que podem ser menores, iguais ou maiores que a taxa de juros de oportunidade adotada, sendo esta interpretação dependente dos resultados de lucro.

Em situações de lucro negativo, a taxa de remuneração do capital investido será menor que a de juros de oportunidade. Em situações de lucro positivo (lucro supernormal), a taxa de remuneração do capital investido será maior que a taxa de juros de oportunidade. Quando o lucro é zero (lucro normal), o negócio remunera o capital a taxa equivalente aos juros de oportunidade, configurando uma situação de equilíbrio.

Considerando que os produtores de leite se situam em um ambiente próximo à concorrência perfeita, caracterizado pela ausência de influência individual no mercado e pela livre mobilidade de empresas (Reis, 2002), a tendência é a manutenção da situação de lucro normal. Nesta condição, a longo prazo, os produtores que estão na atividade permanecem em operação, enquanto os que estão ausentes não são atraídos.

Observou-se que, em média, os produtores estavam operando com lucro supernormal, o que indica tendência de expansão da atividade, seja pelo crescimento das atuais unidades seja pela entrada de novos produtores. Esse resultado está de acordo com a situação observada na região, que apresentou crescimento de 2,72% ao ano entre 1995 e 2004, superior à média estadual de 2,35% ao ano, consolidando-se como a maior bacia leiteira do estado da Bahia (IBGE, 2005).

Na Tabela 6 observam-se as estatísticas descritivas dos indicadores de rentabilidade das empresas que exploram pecuária de leite no Extremo Sul da Bahia. A análise da taxa de remuneração do capital investido permite a mesma interpretação da análise de lucro, com a vantagem de que a taxa de retorno é determinada, a posteriori, enquanto, na análise de lucro, a taxa de remuneração do capital é arbitrada anteriormente para o cálculo de custo total. Desse modo, permite comparar atratividades financeiras de diferentes negócios. Observou-se que, em média, a taxa de remuneração do capital investido foi superior à taxa real (taxa nominal descontada a inflação) de oportunidade adotada, de 4,0% ao ano.

Na Tabela 7 são apresentados os coeficientes de correlação e os níveis descritivos de probabilidade (Valor-P) dos indicadores avaliados com a taxa de remuneração do capital investido (% ao ano). Entre os fatores de produção, o recurso terra apresentou maiores correlações que os recursos mão-de-obra e animais, comprovando a importância da produtividade deste recurso no desempenho econômico da atividade leiteira.

A correlação (P<0,10) positiva entre produção de leite e taxa de remuneração do capital investido indica que, possivelmente, os produtores estão operando na fase de economia de escala (Ferguson, 1996). Nesta fase, o aumento da produção gera aumento menos que proporcional no custo total e, conseqüentemente, crescimento mais que proporcional no lucro da atividade. Este resultado reforça a importância do aumento no volume de produção de leite na atratividade do negócio (Schiffler et al., 1999; Gomes, 2005a).

Apesar da larga adoção da relação de vacas em lactação por total de vacas como critério de monitoramento do sistema de produção, o estudo demonstrou que não houve correlação (P>0,10) deste indicador com o desempenho econômico da atividade leiteira. Todavia, a relação de vacas em lactação pelo total do rebanho apresentou correlação positiva com o desempenho econômico (P<0,10), evidenciando que a utilização deste índice global é mais eficaz que o anterior como critério de avaliação zootécnica.

Entre os indicadores clássicos utilizados como referência na avaliação de sistemas de produção de leite (Gomes, 2000) gasto com concentrado para o rebanho em relação à renda bruta do leite, gasto com mão-de-obra em relação à renda bruta do leite, participação do custo operacional efetivo e do custo operacional total da atividade na renda bruta da atividade , apenas o primeiro indicador não esteve correlacionado (P>0,10) à taxa de remuneração do capital investido.

O indicador capital investido em relação à produção diária de leite esteve alta e negativamente correlacionado (P<0,10) à rentabilidade do sistema, o que reforça as observações de Gomes (2005a) sobre a eficácia desse indicador como critério de avaliação econômica em sistemas de produção de leite.

Na Tabela 8 são descritos as estimativas de parâmetros de regressão, os níveis descritivos de probabilidade (Valor-P) e os coeficientes de determinação (r2) dos indicadores-referência avaliados em relação à taxa de remuneração do capital investido (% ao ano).

Na Tabela 9 são apresentados os valores de indicadores-referência das empresas que exploram a pecuária leiteira no Extremo Sul da Bahia em quatro cenários de taxa de remuneração do capital investido (4, 6, 8 e 10% ao ano). O volume mínimo de produção para viabilizar a atividade (456 a 703 L/dia) foi menor que o observado em sistemas de maior produtividade por vaca (Schiffler et al., 1999; Ferreira, 2002), o que indica que a lucratividade do negócio depende da combinação de produtividade e volume de produção (Gomes, 2000). Aumentos da produtividade do rebanho não acompanhados de elevação expressiva no volume produzido podem não trazer os benefícios econômicos esperados.

Os valores dos indicadores-referência obtidos neste estudo diferem daqueles encontrados por Gomes (2000, 2005a, b, c) para produtores de leite de Minas Gerais. Nesse estado, os produtores bem sucedidos desembolsam até 30 e 20% da renda bruta do leite com alimentação concentrada para o rebanho e mão-de-obra permanente, respectivamente. O mesmo comportamento pode ser observado para os indicadores produtividade do fator terra, produtividade da mão-de-obra e capital investido na atividade em relação à produção diária de leite.

Para alcançar taxas de remuneração de 8% ao ano, a produtividade da mão-de-obra e da terra devem ser de 137 L/dia-homem e 1.284 L/ha/ano, respectivamente. Os valores foram inferiores aos encontrados em uma amostra de 250 produtores no estado de Minas Gerais em 2004/2005, onde, para alcançar a mesma rentabilidade, precisaram de produtividades da mão-de-obra e terra superiores a 300 L/dia-homem e 3.500 L/ha/ano (Gomes, 2005c).

A relação capital investido sobre a produção diária de leite, para atingir rentabilidade de 6% ao ano, deve ser de R$ 1.508/L-dia, superior ao exigido pelos produtores do estado de Minas Gerais de R$ 538/L-dia, (Gomes, 2005a). Isso significa que os sistemas analisados neste trabalho podem ser menos intensivos na utilização dos recursos produtivos, sem perder a competitividade.

Considerando um capital imobilizado de R$ 500.000,00 na atividade leiteira, a produção de leite necessária para atingir taxas de remuneração de capital investido, de 4, 6, 8 e 10% ao ano, deve ser 239 (R$ 500.000/ 2.093 R$/L-dia), 332 (R$ 500.000/ 1.508 R$/L-dia), 541 (R$ 500.000/ 924 R$/L-dia) e 1.475 (R$ 500.000/ 339 R$/L-dia) L/dia, respectivamente.

As razões das discrepâncias entre os valores de indicadores-referência observadas neste trabalho e os descritos na literatura provavelmente se devem a diferenças socioeconômicas, culturais e edafo-climáticas inerentes aos ambientes em que os sistemas estão inseridos, o que remete a necessidade de avaliações regionalizadas.

Conclusões

A pecuária leiteira é uma atividade rentável mesmo em sistemas menos intensivos na utilização dos recursos produtivos terra, mão-de-obra e animais, porém exige elevada disponibilidade de terra, o que pode limitar sua adoção em larga escala.

Indicadores-referência obtidos para o Extremo Sul da Bahia diferem dos índices globais divulgados pelo setor, o que indica a necessidade de estudos regionalizados. Além disso, considerando o caráter dinâmico do ambiente que envolve os sistemas de produção de leite, é necessária a identificação e quantificação periódica desses índices.

A identificação de sistemas reais de produção de leite e a caracterização dos indicadores de maior correlação com a eficiência econômica poderão trazer maior embasamento para o debate sobre a viabilidade econômica na pecuária leiteira.

Além da quantificação de indicadores técnicos e econômicos, a metodologia utilizada pode ser aplicada para identificar os melhores processos de produção, bem como o perfil gerencial dos empresários, permitindo a utilização mais eficaz desta ferramenta.

Literatura Citada

Recebido: 19/12/05

Aprovado: 16/10/06

Correspondências devem ser enviadas para: andresoli@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Aceito
    16 Out 2006
  • Recebido
    19 Dez 2005
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