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Efeito dos níveis de fibra da forragem sobre o consumo, a produção e a eficiência de utilização de nutrientes em cabras lactantes

Effect of dietary forage fiber levels on intake, production and efficiency of utilization of nutrients of lactating goats

Resumos

Objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito dos níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf) em dietas para cabras em lactação. Foram distribuídas cinco cabras em um delineamento quadrado latino 5 × 5, utilizando-se cinco níveis de FDNf (19, 27, 35, 42 e 48%) como variável independente. Os consumos de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), carboidratos não fibrosos (CNF), nutrientes digestíveis totais (NDT) e energia líquida (EL3x) reduziram linearmente com o aumento dos níveis de FDNF. O consumo de FDN não foi influenciado pelo aumento no nível de FDN e manteve-se próximo a 1,2% do PV. As variações nas concentrações de fibra das dietas não influenciaram os coeficientes de digestibilidade da MS, MO, FDN, PB e CNF. De forma semelhante, as concentrações dos constituintes do leite (gordura, proteína e lactose) não se alteraram entre os níveis de fibra das dietas. O nível de FDNf da dieta teve efeito linear decrescente sobre a produção de leite corrigida e não-corrigida para gordura. A melhor eficiência líquida de utilização da energia metabolizável consumida para produção de leite é atingida com dietas contendo 35% de FDNf.

alimentação; caprinos; FDNf; ingestão


This work aimed to evaluate the effect of neutral detergent fiber levels from forage (NDFf) in diets for lactating goats. Five goats were distributed in a 5 × 5 Latin square design, using five NDFf levels (19, 27, 35, 42 and 48%) as independent variable. Intakes of dry matter (DM), organic matter (OM), crude protein (CP), ether extract (EE), nonfibrous carbohydrates (NFC), total digestible nutrients (TDN) and net energy (NE) linearly decreased as NDFf levels increased. NDF intake was not influenced by increase in NDF level and it was maintained close to 1.2% of BW. The variations in the concentrations of fiber in the diets did not affect the digestibility coefficients of DM, OM, NDF, CP and NFC. Similarly, the concentrations of milk constituents (fat, protein and lactose) were not altered with the fiber levels of the diets. Level of NDFf had a decreasing linear effect on correct and not corrected milk production for fat. The best net efficiency of use of the metabolizable energy consumed for production of milk is reached with diets containing 35% of NDFf.

goats; feeding; intake; NDFf


RUMINANTES

Efeito dos níveis de fibra da forragem sobre o consumo, a produção e a eficiência de utilização de nutrientes em cabras lactantes1 1 Apoio Fapemig.

Effect of dietary forage fiber levels on intake, production and efficiency of utilization of nutrients of lactating goats

Renata Helena BrancoI,* * Endereço atual: Instituto de Zootecnia - CAPTA Bovinos de Corte. ; Marcelo Teixeira RodriguesII; Márcia Maria Cândido da SilvaI; Carla Aparecida Florentino RodriguesI; Augusto César de QueirozII; Fabiana Lana de AraújoI

IPrograma de Pós-graduação em Zootecnia - Universidade Federal de Viçosa

IIDepartamento de Zootecnia - Universidade Federal de Viçosa

RESUMO

Objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito dos níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf) em dietas para cabras em lactação. Foram distribuídas cinco cabras em um delineamento quadrado latino 5 × 5, utilizando-se cinco níveis de FDNf (19, 27, 35, 42 e 48%) como variável independente. Os consumos de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), carboidratos não fibrosos (CNF), nutrientes digestíveis totais (NDT) e energia líquida (EL3x) reduziram linearmente com o aumento dos níveis de FDNF. O consumo de FDN não foi influenciado pelo aumento no nível de FDN e manteve-se próximo a 1,2% do PV. As variações nas concentrações de fibra das dietas não influenciaram os coeficientes de digestibilidade da MS, MO, FDN, PB e CNF. De forma semelhante, as concentrações dos constituintes do leite (gordura, proteína e lactose) não se alteraram entre os níveis de fibra das dietas. O nível de FDNf da dieta teve efeito linear decrescente sobre a produção de leite corrigida e não-corrigida para gordura. A melhor eficiência líquida de utilização da energia metabolizável consumida para produção de leite é atingida com dietas contendo 35% de FDNf.

Palavras-chave: alimentação, caprinos, FDNf, ingestão

ABSTRACT

This work aimed to evaluate the effect of neutral detergent fiber levels from forage (NDFf) in diets for lactating goats. Five goats were distributed in a 5 × 5 Latin square design, using five NDFf levels (19, 27, 35, 42 and 48%) as independent variable. Intakes of dry matter (DM), organic matter (OM), crude protein (CP), ether extract (EE), nonfibrous carbohydrates (NFC), total digestible nutrients (TDN) and net energy (NE) linearly decreased as NDFf levels increased. NDF intake was not influenced by increase in NDF level and it was maintained close to 1.2% of BW. The variations in the concentrations of fiber in the diets did not affect the digestibility coefficients of DM, OM, NDF, CP and NFC. Similarly, the concentrations of milk constituents (fat, protein and lactose) were not altered with the fiber levels of the diets. Level of NDFf had a decreasing linear effect on correct and not corrected milk production for fat. The best net efficiency of use of the metabolizable energy consumed for production of milk is reached with diets containing 35% of NDFf.

Key Words: goats, feeding, intake, NDFf

Introdução

A fibra é considerada por nutricionistas de animais ruminantes como uma entidade nutricional não-ideal, por não apresentar coeficiente de digestibilidade verdadeiro constante entre as espécies de plantas. A razão para isso, em parte, é a natureza variável dos componentes da parede celular lignificada entre as espécies de plantas (Rodrigues, 2004).

O isolamento desses efeitos específicos da fibra sobre o desempenho dos animais é difícil, devido à complexidade de fatores, porém extremamente necessário quando se pretende otimizar a partição de nutrientes e a produtividade animal. A recomendação de níveis de fibra que possam melhorar o consumo de energia e proporcionar ambiente adequado para a produção de proteína microbiana tem sido reconhecida como de extrema importância para a formulação de dietas mais econômicas e eficientes.

Do ponto de vista nutricional, fibra é a fração lenta e incompletamente digerível dos alimentos e que tem efeito de repleção no trato gastrintestinal dos animais (Mertens, 1997). Em razão de sua lenta taxa fracional de degradação e baixa taxa de passagem pelo ambiente ruminal, o que limita da ingestão de alimentos, o conteúdo de fibra da ração é inversamente relacionado ao conteúdo de energia líquida. Portanto, em rações para animais de elevada exigência energética, há tendência de diminuição no teor de fibra e de aumento na utilização de alimentos concentrados na dieta, mantendo-se níveis adequados de energia, permitindo crescimento de microrganismos e contribuindo com o fornecimento de proteína aos animais.

Ruminantes requerem adequada ingestão de FDN para garantir o funcionamento normal do rúmen, e animais leiteiros principalmente necessitam de fibra para manter o conteúdo de gordura no leite. A função do rúmen é a manutenção da mastigação e ruminação para adequada salivação e pH ótimo para os microrganismos que caracteristicamente produzem altas relações de acetato:propionato no líquido ruminal (Santini et al., 1992).

Assim, objetivou-se avaliar a influência dos níveis de FDN oriunda da forragem sobre o consumo e o desempenho produtivo em cabras leiteiras em lactação.

Material e Métodos

O ensaio foi realizado nas dependências do setor de Caprinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa-MG, utilizando-se cinco cabras, primíparas e multíparas, com aproximadamente 60 dias de lactação e peso corporal médio de 54,32 ± 4,26 kg, confinadas em baias individuais. Os animais foram arranjados em delineamento quadrado latino 5 × 5 para avaliar os efeitos de cinco níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem (FDNf). A base forrageira foi o feno de capim-tifton 85 (Cynodon spp) e os níveis de FDNf (19, 27, 35, 42 e 48% MS) foram as variáveis utilizadas para caracterizar as dietas.

Na formulação das dietas, o milho (Zea mays L.) foi a principal fonte energética e o farelo de soja (Glicine max L.) a fonte proteica, complementados com uma mistura mineral balanceada para atender às exigências nutricionais de cabras leiteiras em lactação, de acordo com as recomendações do AFRC (1993). As dietas foram formuladas para serem isoproteicas, com 17% de proteína bruta (PB) na matéria seca (Tabelas 1 e 2). A proporção entre o volumoso e o concentrado variou de acordo com o tratamento, de maneira a se atingir a concentração de FDNf pretendido para as dietas experimentais; as dietas foram fornecidas duas vezes ao dia, às 8 h e às 16 h.

O experimento teve duração de 105 dias e foi dividido em cinco períodos de 21 dias: 14 de adaptação e ajuste do consumo voluntário e sete de coleta de dados. Na avaliação do efeito dos níveis de FDNf, foram observados o consumo voluntário, a digestibilidade aparente da matéria seca e dos nutrientes (MO, PB, EE, FDN, CNF), o balanço de nitrogênio, a produção e os constituintes lácteos.

Com acesso à vontade às rações, o consumo voluntário foi calculado pela diferença entre o oferecido e as sobras. Para isso, as sobras foram coletadas diariamente, pesadas e amostradas em 10% do seu peso, durante os sete dias do período de coleta, de modo que correspondessem a 10% do total oferecido. Para cada animal, constituíram-se amostras compostas de sobras de cada período experimental, as quais foram congeladas para análises posteriores.

A produção e a composição do leite foram estimadas com base em duas ordenhas diárias e em quatro coletas durante o período experimental: ordenha da tarde do primeiro dia; ordenha da manhã do segundo dia; ordenha da tarde do sexto dia; e ordenha da manhã do sétimo dia. Nas amostras, foram determinados os teores de proteína bruta, lactose e gordura. As análises quantitativas do leite foram realizadas no Laboratório de Qualidade do Leite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa - Gado de Leite).

No decorrer dos dias 1 a 5 do período de coleta, foram feitas coletas totais de fezes e urina para determinação da digestibilidade aparente e do balanço de nitrogênio, respectivamente. A urina foi coletada em recipientes plásticos contendo 20 mL de solução de H2SO4 40% (v/v). As fezes e urina, depois de coletadas e pesadas, foram amostradas em alíquotas de 10% e congeladas para posteriores análises laboratoriais.

Nos alimentos utilizados nas dietas experimentais, determinou-se a composição em matéria seca (MS) e nitrogênio total (NT), para estimativa da proteína bruta, do extrato etéreo (EE) e das cinzas utilizando as técnicas descritas em Silva & Queiroz (2002). Determinaram-se ainda os teores de fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA), lignina em detergente ácido (LDA), segundo Van Soest et al. (1991); nitrogênio insolúvel em detergente neutro (NIDN) e nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA), segundo técnicas descritas por Licitra et al. (1996). As sobras e as fezes foram analisadas para determinação dos teores de MS, PB, EE, cinzas, FDN, FDA e lignina em detergente ácido.

As concentrações em carboidratos não-fibrosos (CNF) foram obtidos a partir da equação: CNF = 100 - (%PB + %EE + %cinzas + %FDN), segundo Van Soest et al. (1991).

O valor de nutrientes digestíveis totais (NDT) em nível de mantença foi estimado segundo o NRC (2001). Para a quantificação do valor de energia das dietas, aplicaram-se os dados da digestibilidade aparente, utilizando-se a equação: NDT (% = dCNF + dPB + (dEE × 2,25) + dFDN, em que "d" representa a digestibilidade aparente dos diferentes componentes. Para conversão dos valores de NDT para energia metabolizável (EM) e energia digestível (ED), foram utilizadas as equações descritas a seguir, sugeridas pelo NRC (2001):

EM (Mcal/kg) = 1,01× ED (Mcal/kg) - 0,45; ED (Mcal/kg) = 0,04409 × NDT (%)

Para conversão da produção de leite para 3,5% de gordura, utilizou-se a fórmula de Gaines, sugerida pelo NRC (2001):

LCG 3,5% = (0,4255 × kg de leite) + [16,425 × (%gordura/100) × kg de leite]

A correção para 4% de gordura foi realizada de acordo com a seguinte fórmula:

LCG 4% (kg/dia) = 0,4 × leite (kg/dia) + 15 × gordura (kg/dia) (NRC, 2001). A correção do leite para sólidos totais foi segundo Tyrrell & Reid (1965):

LCST = 12,3 × gG) + (6,56 × g SNG) - (0,0752 × kg leite)

A eficiência líquida de utilização da energia metabolizável consumida para produção de leite foi calculada considerando o consumo de energia metabolizável e a produção de leite, pela equação: Eficiência (ELp/CEMp - m), em que ELp é a energia liquida utilizada para produção de leite e CEMp - m é o consumo de EM menos o consumo de energia metabolizável necessária para mantença. A eficiência bruta da utilização da EM para lactação foi calculada do consumo de energia líquida para mantença (CELm) segundo Luo et al. (2004) pela equação: Eficiência bruta [(CELm + Elp) / CEM]. O valor de energia líquida do leite foi calculado a partir dos dados de vacas leiteiras (NRC, 2001), pela equação:

EL (Mcal/kg) = 0,0929 × G(%) + 0,0547 × PB(%) + 0,0395 × Lac(%), em que G, PB e Lac são, respectivamente, conteúdo de gordura, proteína bruta e lactose do leite.

Os dados submetidos à análise de variância foram desdobrados quanto ao efeito de tratamento nos componentes de regressões polinomiais, sendo que o nível de FDNf constitui-se na variável independente.

Os dados obtidos foram analisados por meio do programa computacional Statistical Analysis System (SAS, Institute Inc., 1999). A análise dos dados foi feita utilizando-se o procedimento GLM e os efeitos das dietas, avaliados a 5% de probabilidade, utilizando-se o teste F.

Resultados e Discussão

As variações nos níveis de FDNf afetaram os consumos de MS, expressos em kg/dia, kg/kg PV e g/kg0,75, bem como os consumos de MO, PB, EE, CNF, NDT expressos em kg/dia, e EL expresso em Mcal/dia (Tabela 3). Houve diminuição linear (P<0,01) dos consumos com o aumento dos níveis de FDNf da dieta. Contudo, não foram observadas alterações no consumo de fibra, tanto em kg/dia como em kg/kg PV. Os resultados deste trabalho assemelham-se aos de Carvalho et al. (2006), que forneceram rações com níveis crescentes de FDNf para cabras e encontraram efeito linear decrescente do aumento da concentração de fibra nas dietas sobre os consumos de MS, PB, EE, CNF e EL.

Com o aumento dos níveis de FDNf das rações, foi observada redução linear no consumo de PB, como resultado do menor consumo de MS, já que as dietas foram formuladas para ser isoproteicas. O menor consumo de EE e de NDT observado com o aumento dos níveis de FDNf pode ser atribuído ao fato do menor consumo de MS e ainda ao fato de as dietas terem menor participação desses nutrientes com aumento dos níveis de FDNf nas rações.

O consumo de MS variou linearmente (P<0,01), de 3,75 a 2,71% do peso vivo (Figura 1), conforme o nível de FDNf das rações, reduzindo o consumo em 30%, entre os níveis de 20 e 48% de FDNf. O consumo de EL também reduziu conforme aumentou o teor de FDNf nas rações, o que pode ser atribuído à redução do consumo de MS e à menor participação desse nutriente na ração, havendo uma redução de 44% no consumo de EL3x com a variação dos níveis de 27 para 48% de FDNf, com reduções da ordem de 2,09% de consumo para cada acréscimo de 1% de FDNf na dieta.


Comportamentos similares nos consumos de MS foram observados por Carvalho et al. (2006), e Resende et al. (1994, 1999), que, em pesquisa com forragens, observaram relação linear no consumo de MS conforme o conteúdo de fibra da dieta. A ausência de uma resposta quadrática entre o consumo de MS e o nível de FDN foi atribuída à qualidade da forragem utilizada, fato que contribui para limitar o consumo. Como foi observada resposta linear no consumo de MS ao nível de FDNf da dieta, não foi possível determinar o consumo ótimo de FDN e o nível adequado de FDNf na ração, provavelmente em virtude da qualidade da forragem, o que sugere possível ocorrência de distensão ruminal, agente mais importante na limitação da ingestão, especialmente nas rações com níveis mais altos de FDNf.

À semelhança deste trabalho, Branco et al. (2010), com o intuito de avaliar a utilização de forrageira com maturidade avançada para cabras em lactação, utilizou cinco níveis de fibra na dieta (20, 28, 35, 43 e 49%) e verificou que os níveis de FDNf das rações tiveram efeitos quadráticos nos consumos de MS, MO, PB, EE e EL. Já o consumo de FDN respondeu de forma linear crescente à variação dos níveis de FDN, atingindo valor próximo ao obtido neste ensaio. Com a variação da qualidade da forragem, houve acomodação da fibra no rúmen, isto é, os animais consomem até atingir o limite. Os valores observados por Branco et al. (2010) para o consumo de MS foram inferiores aos obtidos neste ensaio, variando de 1,73 a 1,48 kg/dia para o consumo de MS nos níveis de 20 e 49% de FDNf, respectivamente, com redução de 37% no consumo.

O consumo médio de FDNf obtido neste estudo foi de 1,24% do peso vivo, valores inferiores aos relatados por Carvalho et al. (2006), porém, de acordo com os propostos por Mertens (1994) e pelo NRC (1989, 2001), cuja recomendação para ingestão ótima de FDN é de 1,2 ± 0,1% do peso vivo. Para a espécie caprina, são escassas as informações na literatura com essa recomendação. Os dados apresentados em trabalhos mais recentes não são em número suficientes para se fazerem recomendações seguras sobre o comportamento dos caprinos variando a concentração de fibra nas dietas.

A ótima ingestão em caprinos provavelmente é diferente daquela dos bovinos, uma vez que essa espécie apresenta diferenças no comportamento ingestivo, na taxa de passagem e na capacidade de digestão dos nutrientes, e principalmente na capacidade de processar a fibra pelo trato digestório. De acordo comVan Soest et al. (1998), em caprinos o tempo de retenção de partículas no rúmen é menor que em bovinos, o que determina maior capacidade de ingestão.

Com o aumento dos níveis de FDNf das rações, não foram observadas diferenças nos coeficientes de digestibilidade aparente da MS, MO, PB, FDN e CNF (Tabela 4), embora aumentos nas concentrações dietéticas de FDNf frequentemente sejam associados a reduções na digestibilidade da MS e da MO (Mertens, 1992). Todavia, a digestibilidade aparente do EE foi reduzida linearmente com o aumento dos níveis de FDNf das rações.

Teoricamente, é normal ocorrer diminuição nos coeficientes de digestibilidade, devido à elevação do teor de FDNf das rações, que aumenta a concentração de componentes lentamente digestíveis e indigestíveis da dieta. A ausência de efeito do aumento do FDNf das rações na digestibilidade da MS e da MO pode ter sido mascarada pelo aumento aparente na digestão da FDN de 53,78 para 57,23% quando a concentração dietética foi de 19 para 48% de FDNf nas rações (Figura 2). Também a ausência de redução linear na digestibilidade da MS e da MO com a concentração dietética da FDN sugere a possibilidade de efeito associativo da forragem com o concentrado ou simplesmente efeito de aumento da digestibilidade com a diminuição do consumo de MS e da taxa de passagem. Resultados semelhantes foram observados por Ruiz et al. (1995), que trabalharam com diferentes níveis de FDNf para vacas em lactação e não observaram efeito significativo da inclusão de FDN na digestibilidade da MS, MO, FDN e PB.


O aumento dos níveis de FDN nas rações tem afetado a digestibilidade dos alimentos (Carvalho et al., 2006). Isso é geralmente reconhecido, já que o aumento na quantidade de fibra na dieta diminui a digestibilidade dos componentes dietéticos, exceto fibra, o qual usualmente sofre aumento da digestibilidade. A baixa ingestão de fibra ocasiona mudança na população microbiana, com aumento na produção de lactato ruminal, diminuindo o pH e reduzindo a atividade das bactérias celulolíticas (Santini et al., 1992).

Os valores médios obtidos para os coeficientes de digestibilidade aparente, de 72,18% para MS e de 73,07% para MO, foram muito próximos aos observados por Carvalho et al. (2006), de 72,36% para MS e de 73,76% para MO e superiores aos relatados por Silva et al. (1991), de 63,14% para MS; Mishra & Rai (1996) de 66,35% para MS e 67,9% para MO; Oliveira Jr. et al. (2000), de 64,83% para MS e 66,58% para MO.

A digestibilidade da PB não foi afetada pelo aumento no nível de FDNf da dieta, embora tenha havido maior contribuição das perdas endógenas, que ocorrem em maior conteúdo de fibra na dieta. O valor médio da digestibilidade da PB foi de 75,72%, superior ao verificado por Santini et al. (1992), de 66,17%, em estudo no qual testaram o efeito de diferentes níveis de FDA nas dietas (14, 18, 22 e 26%) de cabras em lactação. Os resultados de digestibilidade obtidos neste experimento são próximos aos encontrados por Carvalho et al. (2006), de 77,29% para PB.

O coeficiente de digestibilidade aparente do EE apresentou efeito linear decrescente com o aumento dos níveis de FDNf nas dietas, variando de 80,01% para a dieta com 19% de FDNf a 57,78% para a dieta com 48% de FDNf. A redução na digestibilidade tem sido relacionada à diminuição no consumo, influenciada pelo maior tempo de retenção de sólidos no rúmen (Feng et al., 1993). O valor médio observado foi 71,61%, que é inferior àquele obtido por Carvalho et al. (2006), de 76,84%, e Oliveira Jr. et al. (2000), que trabalharam com cabras Saanen e Alpinas em lactação e testaram níveis crescentes de grão de soja na dieta e observaram coeficientes de digestibilidade do EE médio de 74,24%, e próximo ao valor observado por Mishra & Rai (1996), que testaram o efeito de diferentes relações de proteína degradada no rúmen e proteína não-degradada em cabras em lactação e encontraram valores médios de 72,79% de digestibilidade do extrato etéreo.

Os coeficientes de digestibilidade da FDN e dos CNF foram de 59,26 e 82,96%, respectivamente, portanto abaixo dos encontrados por Carvalho et al. (2006), que foram de 61,52% para FDN e 88,61% para CNF. Isso provavelmente foi devido à qualidade inferior da forragem utilizada neste experimento.

Não houve influência do nível de FDNf da dieta nas quantidades de nitrogênio produzidos no leite, excretadas na urina e nas fezes (Tabela 5). A quantidade de nitrogênio retido apresentou comportamento linear decrescente com o aumento dos níveis de FDNf da dieta. O balanço de nitrogênio foi positivo, o que comprova que as dietas atenderam às exigências proteicas dos animais. O valor médio obtido para retenção de nitrogênio foi de 14,38 g/dia e variou de 22,62 a 7,45 g de N retido/dia entre as dietas com 19 a 48% de FDNf, respectivamente. Esse resultado indica que, com aumento dos níveis de FDNf da dieta, houve redução da síntese de proteína e da fermentação ruminal, o que pode ter levado à diminuição na retenção de nitrogênio.

Fimbres et al. (2002) encontraram aumento linear do nitrogênio retido com a energia da dieta, que está inversamente relacionada ao teor de FDN na ração. Estes resultados também foram similares aos encontrados por Hejazi et al. (1999), que comprovaram diferenças na ingestão e retenção de nitrogênio em ovelhas alimentadas com milho inteiro e moído e diferentes fontes de fibra.

Como pode ser observado, houve efeito linear decrescente dos níveis de FDNf da dieta sobre a produção de leite e as produções corrigidas para 3,5%, 4,0% de gordura e para sólidos totais (Tabela 6). Contudo, não foi observada influência nos teores de PB, gordura e lactose, quando expressos em porcentagem. O conteúdo de lactose produzido foi influenciado pela produção de leite, uma vez que, com o aumento do nível de FDNf, houve redução na produção de leite e na produção de lactose em kg/dia.

De acordo com os resultados, com o aumento dos níveis de FDNf da dieta, o desempenho produtivo das cabras foi comprometido, uma vez que a maior produção de leite foi obtida com o nível de 19% de FDNf e a menor com o nível mais alto de FDNf (Figura 3), o que reduziu a produção em 31%. O efeito do nível de fibra da dieta sobre a produção de leite ocorre de forma direta e pode restringir a ingestão de MS e, principalmente, de energia, comprometendo a produção (Carvalho et al., 2006). Com o aumento do nível de FDNf da dieta, houve redução no consumo de EL, o que determinou a diminuição na produção de leite. Respostas similares foram observadas por Branco et al. (2010), que avaliaram níveis de FDNf na dieta de cabras em lactação e observaram reduções de 37% na produção de leite quando alterou o nível de FDNf de 20 (1,74 kg/dia) para 49% (1,09 kg/dia). A forragem utilizada por esse autor foi classificada como de maturidade avançada, comprometendo a produtividade dos animais, que possuíam mesmo potencial produtivo e eram do mesmo rebanho.


A produção de leite é altamente dependente da quantidade total de energia consumida (Hussain et al., 1996). Segundo Morand-Fehr & Sauvant (1980), a qualidade da forragem afeta a quantidade de leite produzido e há correlação negativa entre o conteúdo de fibra da forragem na dieta e a produção de leite e correlação positiva entre o conteúdo de energia liquida da forragem e a produção de leite.

A natureza da forragem tem grandes efeitos na produção e composição do leite, devido às diferenças na ingestão e digestibilidade da fibra. Em ruminantes, o padrão de fermentação ruminal desenvolvido depende essencialmente da quantidade e da qualidade da fração fibrosa da dieta. O uso de concentrados, que são ricos em carboidratos facilmente fermentáveis, o decréscimo na relação forragem:concentrado da dieta e a redução no tamanho de partícula da fibra reduzem a quantidade de ácido acético produzido, o qual é o principal precursor dos ácidos graxos sintetizados na glândula mamária, resultando em menor conteúdo de gordura.

Embora neste trabalho não tenha sido observada diferença nessa variável, o teor de gordura do leite aumentou com o nível de FDNf na dieta, uma vez que a produção de leite corrigida para 3,5% foi maior quando se forneceu a dieta com 35% de FDNf. De acordo com Lammers et al.(1996), reduções nos teores de fibra nas dietas levam a diminuição no tempo gasto de mastigação (comendo e ruminando). Consequentemente, ocorre redução no pH ruminal, em função do menor fluxo de saliva para o rúmen, e no fluxo de substâncias tamponantes, proporcionando assim um ambiente ruminal desfavorável para o crescimento das bactérias celulolíticas e levando à redução da relação acetato:propionato e consequentemente à menor teor de gordura no leite.

Com o aumento dos níveis de FDNf, em valores absolutos, a eficiência líquida de utilização de EM (Klo) foi menor (0,36) para as dietas contendo 27% de FDNf e maior (0,66) para a dieta com 35% de FDNf. Maiores inclusões de FDNf na dieta acarretaram diminuição da eficiência líquida de utilização da EM, porém as análises indicam que não houve diferença com a inclusão de maiores níveis de FDNf na dieta (Figura 4).


A eficiência bruta (Kmpo) de utilização de energia foi afetada pela inclusão de níveis mais altos de FDNf na dieta. Numericamente essa eficiência tendeu a aumentar. A equação de regressão que melhor explica esse comportamento é: Y = 0,201+ 0,013 x (r2 = 0,66), em que x é o nível de FDNf da dieta. Entretanto, o valor mais alto observado (0,94) quando da utilização de 48% de FDNf na ração indicou que, em parte, houve mobilização das reservas corporais para produção de leite. A melhor eficiência de utilização da EM para produção de leite foi obtida com o nível de 35% de FDNf na dieta, portanto, este deveria ser o nível recomendado para cabras em lactação em condições semelhantes à deste trabalho.

Conclusões

O aumento de 19 para 48% nos níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem em rações para cabras em lactação reduz os consumos de matéria seca, matéria orgânica, proteína bruta, extrato etéreo, carboidratos não-fibrosos, nutrientes digestíveis totais e energia líquida, o que pode comprometer o desempenho produtivo dos animais. Não ocorrem mudanças no consumo de fibra em detergente neutro quando alterado o nível desse nutriente na dieta, o que confirma a regulação física de consumo. A produção de leite de cabras em lactação é influenciada quando utilizados maiores níveis de fibra em detergente neutro oriunda da forragem nas dietas. A melhor eficiência líquida de utilização da energia metabolizável consumida para produção de leite é atingida quando a dieta contém 35% de fibra oriunda da forragem.

Recebido em 21/11/2008 e aprovado em 26/10/2009.

Correspondências devem ser enviadas para: renata@iz.sp.gov.br

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    Endereço atual: Instituto de Zootecnia - CAPTA Bovinos de Corte.
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    Apoio Fapemig.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2010

    Histórico

    • Recebido
      21 Nov 2008
    • Aceito
      26 Out 2009
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