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Parceria público x privada no desenvolvimento de pesquisa em melhoramento genético animal

Public x private partnership in the development of animal breeding research

Resumos

O melhoramento genético animal é, normalmente, pesquisado e desenvolvido nas universidades e instituições públicas de pesquisa do Brasil. No entanto, os rebanhos de exploração zootécnica, verdadeiros objetivos desses estudos, pertencem à iniciativa privada. O melhoramento genético animal e as parcerias público-privadas constituem-se em um caso especial de grande sucesso, que é analisado no presente texto, com ênfase especial ao Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, instituição de origem dos autores. O sucesso desse grupo, medido em atividades de pesquisa e suas conseqüentes publicações, de ensino e formação de recursos humanos e de extensão de serviços à comunidade, é apresentado como incentivo aos pesquisadores das mais diversas áreas ligadas à produção animal.

eficiência de seleção; financiamento de pesquisas; inovação tecnológica


Animal breeding is, normally, developed and investigated in public institutions in Brazil. However, herds and populations, true users of that knowledge, are private. The relationship between the public and the private is a very successful case in animal breeding and that case is discussed in this text, with special emphasis on the Animal Breeding and Biotechnology Group of the College of Animal Science and Food Technology of the University of Sao Paulo, Brazil. The exit of that group, measured in research and publications, education and extension is presented as an incentive to other research groups related to animal production in the country.

research funding; selection efficiency; technologic innovation


MELHORAMENTO GENÉTICO

José Bento Sterman Ferraz; Joanir Pereira Eler

Universidade de São Paulo, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia

RESUMO

O melhoramento genético animal é, normalmente, pesquisado e desenvolvido nas universidades e instituições públicas de pesquisa do Brasil. No entanto, os rebanhos de exploração zootécnica, verdadeiros objetivos desses estudos, pertencem à iniciativa privada. O melhoramento genético animal e as parcerias público-privadas constituem-se em um caso especial de grande sucesso, que é analisado no presente texto, com ênfase especial ao Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, instituição de origem dos autores. O sucesso desse grupo, medido em atividades de pesquisa e suas conseqüentes publicações, de ensino e formação de recursos humanos e de extensão de serviços à comunidade, é apresentado como incentivo aos pesquisadores das mais diversas áreas ligadas à produção animal.

Palavras-chave: eficiência de seleção, financiamento de pesquisas, inovação tecnológica

ABSTRACT

Animal breeding is, normally, developed and investigated in public institutions in Brazil. However, herds and populations, true users of that knowledge, are private. The relationship between the public and the private is a very successful case in animal breeding and that case is discussed in this text, with special emphasis on the Animal Breeding and Biotechnology Group of the College of Animal Science and Food Technology of the University of Sao Paulo, Brazil. The exit of that group, measured in research and publications, education and extension is presented as an incentive to other research groups related to animal production in the country.

Key Words: research funding, selection efficiency, technologic innovation

Introdução

Os programas de melhoramento genético, desenvolvidos no Brasil, especialmente aqueles relacionados com a seleção e comercialização de reprodutores jovens, sejam eles de bovinos, suínos, ovinos ou caprinos, têm apresentado grandes progressos no aumento da média de pesos dos animais. Em bovinos de corte, vários programas apresentaram, nos últimos 15 anos, aumentos da ordem de uma arroba no peso médio na desmama. Acompanhado do aumento no peso na desmama, em muitos programas, houve aumento médio também no ganho de peso pós-desmama. Resultados de análises dos dados de produção mostram que essas duas características não possuem alta correlação genética. Reprodutores distintos têm sido identificados para aumentar peso na desmama e para aumentar a capacidade de ganhar peso no pós-desmama. Além do aumento e do ganho de peso dos bovinos de corte, a qualidade dos animais melhorou no sentido de melhor conformação frigorífica e melhor musculosidade. Houve certo grau de sucesso na obtenção de rebanhos de fêmeas menores produzindo bezerros tão bons ou melhores do que eram produzidos pelas fêmeas de grande porte. Essa difusão do melhoramento genético trouxe, conseqüentemente, grande contribuição para a produção animal como um todo. Embora parte considerável dos trabalhos de avaliação genética tenha se desenvolvido em universidades e institutos oficiais de pesquisa, nada teria sido possível sem a intensa cooperação entre esses institutos e seus pesquisadores e os criadores, quer individualmente, quer através de suas associações.

O melhoramento animal é o resultado da aplicação de técnicas que alteram as freqüências dos genes, visando o aumento da produtividade, em determinado ambiente. Esses processos são aplicados a populações reais, visando alterar as freqüências dos genes, com a certeza de que essas alterações serão refletidas nas próximas gerações, já que as fêmeas são mantidas nos rebanhos, substituindo as antigas matrizes, alterando, assim, o equilíbrio gênico e genotípico das populações. Essas populações reais, utilizadas pelos criadores, fornecem dados para os pesquisadores, que retornam aos criadores os resultados das avaliações genéticas. Por sua vez, os criadores utilizam essas avaliações nos processos de decisão sobre quais materiais genéticos serão utilizados para a formação da próxima geração. Isso caracteriza uma autêntica parceria público-privada, em que cada parceiro arca com os custos e recebe os benefícios de sua parte do trabalho. Muitos setores da produção animal se beneficiam dessa troca de dados e aplicação de resultados, como a nutrição, o controle sanitário, a bioclimatologia, mas o melhoramento genético é, sem dúvida, o melhor exemplo das vantagens dessas parcerias, nem sempre bem entendidas pela academia. Na realidade, o melhoramento animal perde o sentido quando a academia desenvolve ou aprimora uma técnica de predição genética e os seus resultados não são verificados na prática. Para essa verificação, os cientistas necessitam dos criadores. Já os criadores precisam das técnicas de melhoramento para se diferenciarem no mercado. Esse intercâmbio é mutuamente proveitoso.

Isso posto, o presente texto pretende apresentar os resultados da experiência de vinte e dois anos, do Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, localizado em Pirassununga, SP, e que pode ser considerado um caso de sucesso na parceria público x privada no desenvolvimento de pesquisa em melhoramento genético animal, objetivo do tema proposto.

Uma breve história do melhoramento animal no Brasil e suas ligações com a iniciativa privada

A pecuária de corte brasileira tem que ser tratada, pelos governantes pelos criadores e demais elos da cadeia produtiva da carne bovina como realmente uma cadeia. Para a melhoria de sua produtividade devem ser utilizadas as ferramentas mais modernas existentes, que proporcionam ganhos genéticos mais rápidos, não só colaborando para o país manter sua posição de maior exportador de carne do planeta, com aproximadamente 30% do volume comercializado internacionalmente, mas melhorando a qualidade e valor agregado dos produtos dessa cadeia.

Segundo a Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), apesar de terem ingressado no país menos de 7.000 animais zebuínos, o país conta nesta primeira década do século XXI, com um plantel de cerca de 200 milhões de cabeças, 80% das quais com participação racial de zebuínos. A indústria da carne bovina, devido às diferenças de ambiente, de tecnologia e de recursos apresenta diferentes sistemas de produção e, portanto, demanda diferentes tipos de animais, com genética diferenciada. Isso demonstra que os zebuínos são a base da pecuária brasileira e que os programas de melhoramento genético têm que considerar as peculiaridades dos sistemas de produção. Logicamente, seria impossível o Brasil atingir seus índices de produtividade, que apesar de ainda muito baixos têm melhorado de maneira consistente nas últimas duas décadas, sem que houvesse uma forte integração entre órgãos oficiais, universidades e instituições de pesquisa, e os produtores rurais. Os produtores rurais são os agentes privados desse agro-negócio que gera mais de 7 milhões de empregos e que chega a um faturamento de cerca de US$50 bilhões/ano, computada toda a cadeia. Ferraz & Felício (2010) trazem interessantes informações atualizadas sobre a pecuária brasileira.

Os sistemas de produção a pasto existem em todas as regiões do país e praticamente toda a produção de bezerros é feita nesse sistema. Neste caso, a maioria dos solos é ácida e de baixa a média fertilidade, tendo as forrageiras originárias da África, dos gêneros Brachiaria e Panicum apresentado excelente adaptação e crescimento nas condições brasileiras.

Nos sistemas de produção brasileiros mais comuns, os animais nascem entre setembro e novembro, no auge da seca e desmamam entre maio e junho, no início da próxima estação seca. As fêmeas, em especial as zebuínas, entram ma puberdade ao redor dos 16 a 20 meses, em plena estação seca e entram na reprodução apenas após os dois anos de idade. Alguns programas expõem essas fêmeas aos touros por volta dos 12 a 16 meses ou dos 16 aos 20 meses e esse assunto também é tratado em outros capítulos deste livro.

Os sistemas de produção que utilizam pastagens cultivadas de inverno, comum no sul do país, suplementação de alimentos nas épocas mais adversas (semi-confinamento) e confinamento de animais para terminação adequada (confinamento), também são representados na pecuária brasileira e, igualmente, são tratados neste texto. Cada sistema de produção e cada mercado exige um tipo diferente de animal e os critérios de seleção dos programas devem ser diferentes.

A Tabela 1 apresenta uma estimativa dos principais sistemas de produção do Brasil.

Fries & Ferraz (2004, 2006), apresentaram um quadro geral das avaliações genéticas de bovinos de corte no Brasil, que demonstram a intensa cooperação entre órgãos públicos e a iniciativa privada.

Uma maneira interessante de abordar o tema é resgatar a história, conforme apresentado por Ferraz & Fries (2004):

• 1951 - A Estação Experimental de Sertãozinho, SP, inicia as provas de ganho de peso e avaliação de touros, sob orientação dos Drs. Barrison Villares, Dr. Fausto Pereira Lima;

• 1963 - Última grande importação de germoplasma zebuíno da Índia, com a imigração de genearcas de grande importância;

• 1968 - O Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, localizada em Ribeirão Preto, SP, cria o GEMAC sob a batuta do Dr. Warwick Kerr, que traz para o grupo do Dr. F.A. Moura Duarte (1969) e um criador da raça Nelore, Dr. Arnaldo Zancaner, começa uma cooperação de longa duração, visando melhorar os processos de seleção na raça Nelore. Esse trabalho foi a base do atual Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore, o PMGRN, hoje na Associação Nacional de Produtores e Pesquisadores (ANCP). A esse grupo se junta, em 1977 o Prof. Raysildo B. Lobo;

• Década de 1970: O aumento rápido das técnicas de inseminação artificial, a criação da Embrapa e de seus Centros de Pesquisa em gado leiteiro e de corte;

• 1970 - O Dr. Sérgio Padilha começa, nos Instituto de Pesquisas Zootécnicas Francisco Osório (IPZFO), RS, os testes de desempenho de touros;

• 1972 - Teste de progênie de touros Hereford e Charolês, novamente sob orientação do Dr. Sérgio Padilha;

• 1972 - Implantação do controle de nascimentos pela Associação Nacional de Criadores (ANC), fundando o Herd Book Collares, no Rio Grande do Sul;

• 1974 - Promebo (Programa de Melhoramento de Bovinos), sob orientação do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Dr. Luiz Alberto Fries) e patrocínio da ANC;

• 1975 - Teste de Progênie na raça Nelore, promovido, no Paraná pela Empresa Cipari, em convênio com a ANC e a ABCZ - Associação Brasileira de Criadores de Zebu. O teste dos primeiros 10 touros Nelore completou-se em 1978, novamente sob orientação do Dr. Sérgio Padilha;

• 1984 -Geneplan - Programa de Avaliação da Agro-Pecuária CFM Ltda é iniciado, sob a orientação de cientistas neo-zelandeses, tanto na raça Nelore, como em programas de cruzamento;

• 1984 - 1º Sumário de Touros Nelore, patrocinado pela Embrapa e ABCZ, com participação dos cientistas Antonio Nascimento Rosa, Paulo Roberto Costa Nobre e Luiz Otávio Campos da Silva, utilizando um modelo fixo, com desvios das médias ajustadas da raça;

• 1986 - Inicia-se o programa Natura (MLM do Brasil e Comega, empresa Argentina, Dr. Eduardo Macedo Linhares e Hector Caraballo);

• 1987 - A Embrapa começa a utilizar os modelos touro;

• Década de 1990: A proliferação dos sumários de touros;

• 1992 - Inicia-se, oficialmente, o Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore, o Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore -PMGRN/FMRP/USP, com participação do Drs. Francisco de Moura Duarte e Raysildo Barbosa Lôbo;

• 1994 - Criação do Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, composto pelos Profs. Drs. Joanir Pereira Eler e José Bento Sterman Ferraz;

• 1994 - Implantação dos modelos animais nos programas do GMA e do PMGRN;

• 1996 - Implantação dos modelos animais nos programas da Embrapa e Geneplus;

Uma história paralela é a implantação de um programa, por parte do Ministério da Agricultura, o Certificado Especial de Identificação e Produção, os CEIP, cuja evolução, ao longo do tempo foi:

• Em 29/12/1989, o Ministério da Agricultura do Brasil emitiu a Portaria 690, que estendia a isenção fiscal de animais que fizessem parte de um programa de avaliação genética e que fosse classificado, segundo critério de seleção definido em projeto, dentre os 20% melhores animais de cada safra. Esse percentual poderia ser acrescido de 0,5% por ano de existência do programa, se comprovado o progresso genético. Essa inovadora portaria, baixada após intensas negociações com o meio produtivo, contou com o destaque do Dr. Luiz Alberto Fries, da empresa Gensys e dos técnicos do Ministério, Jader Giacomini Ferreira e Walmoré Lacorte;

• Em 1991, foi autorizada a emissão de CEIP pelo primeiro projeto aprovado, em 10/02/1991 (Portaria 10), da Natura, com avaliação genética realizada pela equipe do Gensys, sob comando do Dr. Luiz A. Fries;

• Em 1991 foi marcado o primeiro animal com CEIP do país, um macho nascido em 27/06/1990, ¾ Zebu e ¼ Angus, identificado como SJ42890, da família Baldasso;

• Em 08/09/1992, o Condomínio Delta G foi autorizado a emitir CEIP, também com avaliação genética do grupo Gensys;

• Em 05/10/1992, a Agro-pecuária CFM Ltda. foi autorizada a emitir CEIP pela Portaria 080), nessa época sob orientação e avaliação genética do grupo Gensys;

• Em 1996, a autorização para emissão de CEIP da Agro-pecuária CFM Ltda, foi renovada, agora com avaliação genética do Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, o GMA;

• Em 2002 o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, MAPA, autorizou o primeiro programa de formação de compostos da pecuária de corte brasileira a emitir CEIP, para a empresa CFM-Leachman Pecuária Ltda., para o Composto Montana Tropical. Detalhes da formação desse composto podem ser verificados em Ferraz et al. (1999);

• Em 2006, treze programas de seleção estavam autorizados a emitir CEIP no Brasil.

E quais são as vantagens de se adquirir um reprodutor com CEIP? Como os animais recebem CEIP apenas se forem corretamente identificados, pertencerem a um programa autorizado, e fiscalizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e forem classificados dentre os 20 (para programas novos) e, no máximo, 30% (para programas com 20 ou mais anos de existência) melhores animais, segundo critérios de seleção descritos pelas Portarias relacionadas com o esse tipo de certificado, adquirir um animal com CEIP é como comprar uma mercadoria certificada, avalizada pelo órgão que o controla. Por isso, os criadores devem estar familiarizados com o conceito de CEIP, com os critérios de seleção dos programas e verificar se esses critérios coincidem com os seus critérios para determinado sistema de produção.

A Tabela 2 apresenta uma noção do tamanho dos programas de avaliação genética existentes no Brasil, segundo Fries & Ferraz (2004). A evolução desses programas, entre 2003 (base dessa tabela) e 2007 foi variável. Houve forte crise na pecuária nessa fase e o crescimento dos programas avaliados, em especial os programas de raças sintéticas e raças européias, não foi linear. Essa Tabela, logicamente, não traz todos os programas de avaliação genética existentes no país, mas dá uma idéia bastante aproximada da realidade. Há que ressaltar que o Brasil tem um rebanho de cerca de 70 milhões de vacas de corte, que, descontadas as cerca de 5 a 6% que são inseminadas, demandam cerca de 2 milhões de touros. Considerando que aproximadamente 20% desses touros são repostos/ano, a pecuária de corte brasileira tem uma necessidade de cerca de 400.000 tourinhos jovens de reposição por ano. A somatória de todos os programas de seleção do país não chega a 20.000 tourinhos avaliados/ano, ou seja, mais de 95% dos touros de reposição do país são touros vendidos sem avaliação genética. O fato de a maioria dos tourinhos de reposição do Brasil ser vendida sem avaliação genética é uma verdadeira catástrofe para a produtividade média da pecuária brasileira, que utiliza métodos de seleção pouco eficientes para repor seus touros, que são responsáveis por pelo menos 50% da produtividade dos rebanhos!

As avaliações genéticas e a iniciativa privada

Cabe à universidade e às instituições de pesquisa desenvolverem pesquisas básicas e aplicadas, adaptar novas metodologias e treinar recursos humanos para a aplicação desses conhecimentos na iniciativa privada. No entanto, sem que essa iniciativa privada se apresente, faça parcerias e cobre resultados, essas instituições de pesquisa, de per si, não irão buscar essa cooperação com os parceiros privados. Isso é uma enorme distorção da pesquisa brasileira, que acaba trabalhando os temas que seus pesquisadores definem e não respondem às perguntas que o meio produtivo faz.

No caso das avaliações genéticas, a interação é evidente: os criadores não têm estrutura ou conhecimento para fazerem suas próprias avaliações genéticas. Os pesquisadores não têm bancos de dados, nem conhecimento específico para definir questões e problemas a serem solucionados. O resultado da interação é o trabalho aplicado que retorna aos criadores. Nos dias de hoje, milhares de selecionadores de bovinos de corte, leite, ovinos, suínos, caprinos e até mesmo de aves se beneficiam dos programas de avaliação genética, realizados em cooperação entre a iniciativa privada, detentora das populações, dos dados, dos problemas e das necessidades, e os institutos de pesquisa e universidades, que têm a tecnologia, os equipamentos e as equipes capacitadas para realizar essas análises e gerar relatórios de fácil acesso e úteis para os parceiros que cederam os dados.

Os estudos com marcadores moleculares

Os trabalhos iniciados em 2005, com a parceria do GMA com a Merial Saúde Animal/Igenity geraram muitos frutos. Cerca de 8.000 animais da raça Nelore foram genotipados para mais de 200 marcadores moleculares e os estudos de associação desses marcadores com aproximadamente 40 características ligadas ao crescimento, reprodução, qualidade de carcaça e carne resultaram em painéis comerciais que classificam os animais segundo seu potencial de transmissão de genes para as próximas gerações. Esses painéis são expressos em notas de 1 (os animais com menor potencial) a 10 (os animais com maior potencial).

As características que têm painéis moleculares disponíveis, como resultado dessa parceria público-privada, são:

• Peso à desmama

• Ganho de peso pós desmama

• Temperamento

• Resistência a carrapatos

• Habilidade de permanência (stayability) ou longevidade

• Precocidade sexual

• Área de olho-de-lombo

• Espessura de gordura no contra-filé

• Espessura de gordura na picanha

• Rendimento de carcaça

• Maciez

Em 2009, foi lançado o conceito de valor genético molecular, que apresentaram, numericamente, a soma dos efeitos estatisticamente significativos para cada uma dessas características. Esse número tem interpretação semelhante à de DEP e facilita o uso dos marcadores, além de representar o conceito mais moderno ligado à seleção assistida por marcadores moleculares.

Atualmente, o GMAB tem concentrado seus esforços na continuação dessas análises de associação, com a introdução de novos marcadores e novas características, além de avançar nos estudos de metodologias de incorporação de dados moleculares na estimação de DEPs. Novas características, ligadas à qualidade de carne, rendimento de cortes comerciais e eficiência alimentar estão entre os estudos atualmente conduzidos. Adicionalmente, estudos em ovinos já foram iniciados, na busca por marcadores ligados à eficiência reprodutiva e resistência a helmintos na raça Santa Inês. Isso seria impossível sem a parceria público privada.

Os resultados da parceria público-privada no desenvolvimento das pesquisas

As parcerias público-privadas têm que, obviamente, resultar em benefícios para os dois lados. A iniciativa privada cobra dessa parceria resultados aplicáveis aos seus negócios, que lhes traga remuneração sobre o capital investido. As instituições publicas se beneficiam de várias maneiras, seja pelo financiamento das pesquisas, através de bolsas, recursos para viagens e colheita de materiais, compras de amostras, investimento em material permanente (computadores, equipamentos de análise, dentre outros), material de consumo (reagentes, materiais diversos) e bancos de dados que viabilizam pesquisas com muita agilidade, sem maior burocracia. A intermediação dessas parcerias se faz, normalmente, via Fundações de amparo às pesquisas, instituições sem fins lucrativos. O melhoramento genético animal, especialmente de bovinos de corte e leite, é um exemplo palpável e um caso de sucesso a ser explorado. Para demonstrar os benefícios dessa parceria, o impacto dessas parcerias na produção do Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, a partir do início de suas parcerias com a iniciativa privada, em 1994, é apresentado a seguir, na Tabela 3.

O impacto dos trabalhos em parceria com a cadeia produtiva vai além do meio acadêmico, sendo muito grande nas atividades da iniciativa privada. Nos dezesseis anos de parceria, foram vendidos no país, mais de 50.000 touros avaliados pelo GMAB. A maioria desses touros foi utilizada em monta natural, mas uma parcela desses tem sêmen disponível nas centrais de inseminação. Grandes campões de venda de sêmen foram avaliados por este grupo de pesquisa, logicamente dentro da parceria público- privada e pode-se afirmar, sem temor, que mais de 10 milhões de bezerros foram gerados e que mais de 5 milhões de vacas, descendentes desses touros, fazem parte do rebanho nacional. Esses números são provas cabais de que a pesquisa, realizada em estreita cooperação com o meio privado, gera impactos da maior relevância.

Conclusões

Sejam quais forem os indicadores acadêmicos aplicados na avaliação da produtividade do GMAB, os dados apresentados na Tabela 3 demonstram, cabalmente, que os benefícios advindos da parceria público-privada, aliados aos recursos obtidos junto às agências de fomento, em especial a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), resultam em produção científica, em formação de recursos humanos e em extensão de serviços à comunidade.

O conhecimento oriundo dessa parceria, além de técnico-científico, melhora de maneira substancial o ensino, pois os docentes passam a ter uma visão mais prática e aplicada de seus conhecimentos. Do lado público da parceria, os três pilares de sustentação da universidade, ensino, pesquisa e extensão, são beneficiados. Do lado privado, certamente os produtores são beneficiados, haja vista a longevidade das parcerias. Caso não houvesse retorno financeiro, a iniciativa privada já teria abandonado essas parcerias há muito tempo.

Corresponding author: jbferraz@usp.br

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  • Parceria público x privada no desenvolvimento de pesquisa em melhoramento genético animal

    Public x private partnership in the development of animal breeding research
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jul 2010
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