Acessibilidade / Reportar erro

Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental: características demográficas e clínicas

Elderly treated in mental health emergency rooms: demographic and clinic characteristics

Resumos

O envelhecimento populacional vem provocando um aumento contínuo no número de idosos que buscam atendimento para problemas de saúde mental. Este trabalho teve como objetivo investigar os transtornos mentais que mais freqüentemente levam o idoso a um serviço de emergência psiquiátrica. Todos os idosos atendidos entre 1o de janeiro e 31 de dezembro de 1997 no pronto-socorro de saúde mental da Santa Casa de São Paulo foram incluídos no estudo. Os diagnósticos psiquiátricos seguiram as diretrizes da CID-10. Um total de 5.434 atendimentos foram feitos durante esse período, sendo que 398 (7,3%) desses indivíduos tinham 60 ou mais anos de idade. A idade média dos idosos que procuraram o Pronto Socorro era de 68,66 (CI=67,88 a 69,43 - extremos 60 e 96 anos), e houve um excesso relativo de mulheres entre os idosos (67,3% vs 51,2%, p<0,001). Transtorno do humor foi o diagnóstico sindrômico mais comum entre os idosos (40,0%), sendo 2,24 vezes mais freqüente entre mulheres (CIodds=1,42 a 3,54). Na maior parte desses casos (78,2%) a presença de um episódio depressivo maior foi a causa da consulta. Quatorze porcento dos idosos atendidos apresentavam uma síndrome demencial como principal diagnóstico. Outros diagnósticos freqüentes foram transtornos ansiosos (15,4%) e esquizofreniformes (14,4%), alcoolismo (4,1%), e abuso de sedativos (2,6%). Cinqüenta e nove porcento dos idosos atendidos foram encaminhados para tratamento ambulatorial, enquanto 20,3% dos casos necessitaram de acompanhamento em regime de internação. Os transtornos mentais do idoso já representam uma parcela importante dos atendimentos realizados em um pronto-socorro psiquiátrico. É importante que os profissionais de saúde estejam cientes das particularidades dos quadros clínicos nessa faixa etária e tenham condições de conduzir de forma adequada o tratamento de idosos com problemas de saúde mental.

Idoso; terceira idade; saúde mental; emergência; depressão; mania


The ageing of the population has led to an increase in the number of elderly people seeking mental health assistance. This study aimed to evaluate the most frequent diagnoses ascribed to elderly patients referred to a mental health emergency service in São Paulo, Brazil. All subjects assessed at the emergency room of the Department of Mental Health of "Santa Casa de São Paulo" between January 1st and December 31, 1997 were included in the study. The classification of patients followed the ICD-10 guidelines for the clinical diagnosis of mental disorders. Out of the 5.434 assessments, 398 were of subjects aged 60 or over. Their mean age was 68.66 (CI=67.88 to 69.43 - range 60 to 96) and there was an excess of women among the elderly group (67.3% vs 51.2%, p<0.001). Mood disorders were the most prevalent diagnosis (40.0%), and were 2.24 times more frequent among women (CIodds=1,42 to 3,54). In 78.2% of these cases a major depressive episode was the main referral cause. Fourteen percent of the elderly suffered from dementia. Other frequent clinical diagnoses included anxiety disorders (15,4%), schizophrenia and related disorders (14.4%), alcohol abuse or dependence (4.1%), and abuse or dependence of hypnotics or sedative drugs (2.6%). Fifty-nine percent of the elderly were referred for further outpatient treatment, whereas 20.3% were admitted as inpatients after the emergency evaluation. The mental health disorders of the elderly make up an important part of the assessments at a psychiatric emergency clinic. It is important that health professionals are able to recognize and manage accordingly the most frequent psychiatric disorders of the elderly.

Elderly; old age; mental health; emergency; depression; mania


artigos originais

Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental: características demográficas e clínicas

Elderly treated in mental health emergency rooms: demographic and clinic characteristics

Osvaldo P. Almeida1 1 . Department of Psychiatry and Behavioural Science, Queen Elisabeth II Medical Centre. * Almeida OP, Garrido R , Tamai S. Unidade para idosos (UNID) do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo: características clínicas de pacientes atendidos em nível ambulatorial. J Bras Psiquiatr, no prelo em 1999.

RESUMO

O envelhecimento populacional vem provocando um aumento contínuo no número de idosos que buscam atendimento para problemas de saúde mental. Este trabalho teve como objetivo investigar os transtornos mentais que mais freqüentemente levam o idoso a um serviço de emergência psiquiátrica. Todos os idosos atendidos entre 1o de janeiro e 31 de dezembro de 1997 no pronto-socorro de saúde mental da Santa Casa de São Paulo foram incluídos no estudo. Os diagnósticos psiquiátricos seguiram as diretrizes da CID-10. Um total de 5.434 atendimentos foram feitos durante esse período, sendo que 398 (7,3%) desses indivíduos tinham 60 ou mais anos de idade. A idade média dos idosos que procuraram o Pronto Socorro era de 68,66 (CI=67,88 a 69,43 — extremos 60 e 96 anos), e houve um excesso relativo de mulheres entre os idosos (67,3% vs 51,2%, p<0,001). Transtorno do humor foi o diagnóstico sindrômico mais comum entre os idosos (40,0%), sendo 2,24 vezes mais freqüente entre mulheres (CIodds=1,42 a 3,54). Na maior parte desses casos (78,2%) a presença de um episódio depressivo maior foi a causa da consulta. Quatorze porcento dos idosos atendidos apresentavam uma síndrome demencial como principal diagnóstico. Outros diagnósticos freqüentes foram transtornos ansiosos (15,4%) e esquizofreniformes (14,4%), alcoolismo (4,1%), e abuso de sedativos (2,6%). Cinqüenta e nove porcento dos idosos atendidos foram encaminhados para tratamento ambulatorial, enquanto 20,3% dos casos necessitaram de acompanhamento em regime de internação. Os transtornos mentais do idoso já representam uma parcela importante dos atendimentos realizados em um pronto-socorro psiquiátrico. É importante que os profissionais de saúde estejam cientes das particularidades dos quadros clínicos nessa faixa etária e tenham condições de conduzir de forma adequada o tratamento de idosos com problemas de saúde mental.

DESCRITORES

Idoso; terceira idade; saúde mental; emergência; depressão; mania

ABSTRACT

The ageing of the population has led to an increase in the number of elderly people seeking mental health assistance. This study aimed to evaluate the most frequent diagnoses ascribed to elderly patients referred to a mental health emergency service in São Paulo, Brazil. All subjects assessed at the emergency room of the Department of Mental Health of "Santa Casa de São Paulo" between January 1st and December 31, 1997 were included in the study. The classification of patients followed the ICD-10 guidelines for the clinical diagnosis of mental disorders. Out of the 5.434 assessments, 398 were of subjects aged 60 or over. Their mean age was 68.66 (CI=67.88 to 69.43 — range 60 to 96) and there was an excess of women among the elderly group (67.3% vs 51.2%, p<0.001). Mood disorders were the most prevalent diagnosis (40.0%), and were 2.24 times more frequent among women (CIodds=1,42 to 3,54). In 78.2% of these cases a major depressive episode was the main referral cause. Fourteen percent of the elderly suffered from dementia. Other frequent clinical diagnoses included anxiety disorders (15,4%), schizophrenia and related disorders (14.4%), alcohol abuse or dependence (4.1%), and abuse or dependence of hypnotics or sedative drugs (2.6%). Fifty-nine percent of the elderly were referred for further outpatient treatment, whereas 20.3% were admitted as inpatients after the emergency evaluation. The mental health disorders of the elderly make up an important part of the assessments at a psychiatric emergency clinic. It is important that health professionals are able to recognize and manage accordingly the most frequent psychiatric disorders of the elderly.

KEYWORDS

Elderly; old age; mental health; emergency; depression; mania

Introdução

O Brasil conta hoje com aproximadamente 13 milhões de indivíduos com mais de 60 anos de idade.1 Esse grupo etário, que no momento representa 8% do total da população brasileira, é aquele que mais rapidamente vem crescendo no país. De fato, estima-se que nos próximos 25 anos o número de idosos vivendo no Brasil deverá praticamente duplicar2, estabelecendo de forma definitiva uma verdadeira revolução demográfica em um país que, até pouco tempo, era considerado jovem.

O envelhecimento da população traz, como uma de suas conseqüências, um aumento na prevalência dos problemas de saúde característicos do idoso: doenças cardiovasculares, neoplasias, diabetes, doenças reumatológicas, e alguns transtornos mentais.3 e 4 A demência, por exemplo, afeta aproximadamente 5% dos idosos aos 65 anos de idade e 20% daqueles com 80 anos ou mais.5 e 6 Depressão é outro transtorno mental freqüente entre idosos, com taxas de prevalência variando entre 5% e 35% de acordo com o nível de gravidade da depressão.7Além disso, os distúrbios psiquiátricos dos idosos interferem de forma negativa na vida daqueles envolvidos com seus cuidados8, e já representam uma das principais áreas de gasto com a saúde da população em países desenvolvidos.9, 10

O Brasil ainda possui poucos serviços especializados no atendimento dos problemas de saúde mental do idoso. Recentemente, relatamos as características de uma amostra de 124 idosos atendidos consecutivamente nos ambulatórios da 'Unidade de Idosos' do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo* 1 . Department of Psychiatry and Behavioural Science, Queen Elisabeth II Medical Centre. * Almeida OP, Garrido R , Tamai S. Unidade para idosos (UNID) do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo: características clínicas de pacientes atendidos em nível ambulatorial. J Bras Psiquiatr, no prelo em 1999. . Depressão e demência foram os diagnósticos mais freqüentes, sendo observados respectivamente em 41,9% e 24,2% dos pacientes atendidos. No presente trabalho, procurou-se investigar o uso do 'Serviço de Emergência' do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo por indivíduos com mais de 60 anos de idade. O estudo teve como objetivo: 1. investigar a porcentagem de idosos atendidos no serviço no ano de 1997; 2. investigar as características demográficas e clínicas dos idosos encaminhados ao 'Pronto Socorro de Psiquiatria da Santa Casa de São Paulo, no ano de 1997.

Método e análise dos dados

O 'Pronto Socorro de Psiquiatria' (PS-PQ) da Santa Casa de São Paulo passou a funcionar em dezembro de 1996 como o serviço de referência para emergências psiquiátricas do ERSA-1 da cidade de São Paulo. O PS-PQ funciona 24 horas por dia e atende pacientes de todas as idades. A equipe médica é formada por dois diaristas e nove plantonistas que utilizam as diretrizes da décima edição da Classificação Internacional das Doenças — CID-10 — para classificar os transtornos mentais observados (WHO, 1992). Todos os casos atendidos são registrados pelo médico responsável em uma folha-padrão onde constam: número do registro médico, nome, idade, sexo, local de origem imediata, medicações em uso, destino do paciente, e diagnóstico. Apenas o diagnóstico principal que motivou a procura do PS-PQ foi registrado na folha-padrão. Este estudo utilizou os dados constantes da folha-padrão registrados entre 1o de janeiro a 31 de dezembro de 1997.

Os dados foram analisados com o pacote estatístico 'SPSS versão 6.0 para Windows'. Análise de tabelas de contingência foi utilizada para a investigação de variáveis categoriais, com o resultado estatístico sendo distribuído como qui-quadrado de Pearson (c2). Odds ratio (OR) foi estimado a partir de tabelas 2x2. Teste t-pareado foi utilizado para a comparação das médias entre grupos em um mesmo período. Intervalos de confiança de 95% foram estimados para as médias (CI), diferença entre as médias (CId), e odds ratio (CIodds).

Resultados

Durante o ano de 1997 foram realizados 5.531 atendimentos no PS-PQ. A média mensal de atendimentos foi de 460,92 (IC=417,39 a 504,44). Noventa e sete casos (1,7%) foram posteriormente excluídos da análise devido a registro incompleto das informações referentes à idade e sexo do paciente. Dos 5.434 casos restantes, 398 (7,3%) tinham 60 ou mais anos de idade. A porcentagem de idosos atendidos ao longo do ano oscilou entre 5,6% e 10,7%. A tabela 1 apresenta a distribuição mensal dos atendimentos de acordo com o grupo etário e sexo. Ao longo de todos os meses houve um número significativamente maior de mulheres entre os indivíduos com mais de 60 anos (67,3%) do que entre os mais jovens (51,2%)(tpareado=6,91, p<0,001). A idade média dos idosos que procuraram o PS-PQ foi de 68,66 (CI=67,88 a 69,43 — extremos 60 e 96 anos). A tabela 2 resume os grupos diagnósticos mais freqüentes entre os idosos atendidos no serviço (outros 9 casos foram excluídos da análise já que o diagnóstico não fora devidamente registrado na folha-padrão).

Transtorno do humor foi o diagnóstico sindrômico mais comum entre os idosos (40,0%), sendo 2,24 vezes mais freqüente entre mulheres (CIodds=1,42 a 3,54). Na maior parte desses casos (78,2%) a presença de um episódio depressivo maior foi a causa da consulta. Transtornos mentais de origem orgânica foram a segunda causa mais freqüente de atendimento médico no PS-PQ (19,2%). Demência foi o principal diagnóstico entre esses casos (75,0%), sendo relativamente mais freqüente entre os homens (c2=5,38, df=1, p=0,020; OR=1,98, CIodds=1,10 a 3,54). Além disso, pacientes com diagnóstico de demência eram significativamente mais velhos (idade=73,48, CI=70,64 a 76,32) que aqueles sem esse diagnóstico (idade=67,80, CI=67,05 a 68,54)(t=3,87, p<0,001; CId=2,75 a 8,62). Transtornos ansiosos e esquizofreniformes também foram causas relativamente comuns de encaminhamento ao pronto-socorro: 15,4% e 14,4% respectivamente. Outros diagnósticos relevantes incluem alcoolismo (mais freqüente entre os homens — OR=9,88, CIodds=2,76 a 35,35) e abuso ou dependência de sedativos (2,6%). Cinco dos 390 idosos cujo diagnóstico foi registrado não apresentavam nenhum transtorno mental.

Após o atendimento de emergência os pacientes foram encaminhados de quatro formas possíveis: alta (7,3%), ambulatório de saúde mental (59,0%), internação (20,3%), e destino desconhecido (13,3%). A tabela 3 lista o encaminhamento dos pacientes de acordo com os diagnósticos mais freqüentes. Aproximadamente 1/5 dos pacientes foram encaminhados para tratamento em nível de internação, sendo mania o diagnóstico mais freqüente entre esses casos. A maioria dos casos, porém, foi encaminhada para seguimento em nível ambulatorial (exceção feita aos pacientes com diagnóstico de mania).

Discussão

Este trabalho revelou que 7,3% dos atendimentos em 1997 do serviço de emergência psiquiátrica da Santa Casa de São Paulo são realizados em pacientes idosos. Essa taxa de atendimentos corresponde aproximadamente à população de idosos existentes no Brasil no último censo.1 Espera-se, portanto, que esse número cresça progressivamente ao longo dos próximos anos com o envelhecimento da população do país. Assim, mesmo serviços gerais de saúde mental, como é o caso do pronto-socorro do Departamento de Psiquiatria da Santa Casa de São Paulo, devem estar preparados para lidar com problemas de saúde característicos da terceira idade. Demência, por exemplo, é um transtorno mental que ocorre em idades mais avançadas, e os distúrbios de comportamento que com freqüência acompanham o quadro clínico podem requerer atendimento de emergência.11 De fato, 13,8% dos idosos atendidos no PS-PQ eram portadores de um quadro demencial, taxa que é relativamente maior que os índices de prevalência descritos em estudos epidemiológicos para populações com idade superior a 60 anos.6 Além disso, os dados deste estudo mostraram que esses pacientes eram significativamente mais velhos que os demais. Esse resultado sugere que, com o progressivo aumento na expectativa de vida da população, um número crescente de indivíduos com demência buscará atendimento em serviços de saúde mental.

A depressão é outro transtorno altamente prevalente em idosos, tendo sido o diagnóstico mais freqüente entre os paciente avaliados no PS-PQ (31,3%). Diversas investigações epidemiológicas demonstraram que a depressão é o distúrbio da saúde mental mais freqüente na terceira idade12, 13, 7, 14, além de ser um dos que mais gastos econômicos gera com a saúde.15 O atendimento emergencial de idosos deve, também, considerar que a depressão está associada à maior morbidade e mortalidade nessa faixa etária, particularmente quando doença física ou declínio cognitivo estão presentes.16 Outro importante complicador dos quadros depressivos é o maior risco de suicídio — depressão está claramente presente em pelo menos 50% dos casos letais de suicídio em idosos.17, 18

É fundamental, portanto, que esses casos sejam cuidadosamente avaliados e tratados com o objetivo de evitar esse tipo de evolução.

A mania, apesar de menos freqüente, é outro transtorno do humor que pode desencadear o encaminhamento de idosos a serviços de emergência psiquiátrica. Oito porcento dos casos atendidos no PS-PQ receberam o diagnóstico de mania, sendo que praticamente 40% deles precisaram ser encaminhados para tratamento em regime de internação. Fogarty e col.19 observaram que a prevalência de mania em indivíduos vivendo na comunidade é baixa (0,6% dos 3.258 de uma cidade canadense), e que em 95% desses casos o primeiro episódio de transtorno de humor ocorreu antes dos 26 anos de idade. Assim, a maioria dos casos de mania em idosos representam apenas uma fase de um transtorno de humor que se iniciou vários anos antes na vida do paciente. Por outro lado, Broadhead e Jacoby20 relataram que os 35 idosos internados para tratamento de episódio maníaco apresentavam sinais de declínio cognitivo e de atrofia cortical na tomografia computadorizada de crânio, que indicavam a presença de fatores orgânicos contribuindo para a manifestação do quadro afetivo na velhice. Este achado reforça a necessidade de se investigar a contribuição de fatores orgânicos nos quadros de mania em idosos, particularmente quando não há história pregressa de transtorno do humor.

Transtornos de ansiedade são, em geral, considerados pouco importantes e freqüentes em idosos.21 Estudos recentes, porém, indicam que a prevalência desses transtornos pode ser maior do que anteriormente imaginado. O estudo epidemiológico da área de captação dos Estados Unidos22, 23 revelou que 5,5% dos entrevistados com mais de 65 anos de idade apresentavam um transtorno ansioso (excluídos os casos freqüentes de ansiedade generalizada). A prevalência dos transtornos de ansiedade sobe para até 15% quando os casos de ansiedade generalizada são também incluídos.24 No presente estudo a prevalência de transtornos ansiosos entre os idosos atendidos no PS-PQ foi de 15,4%. A maioria dos casos foram classificados como 'Outros Transtornos Ansiosos', que inclui o diagnóstico de 'Ansiedade Generalizada' e 'Transtorno do Pânico'. Vale ainda lembrar que embora a sintomatologia ansiosa seja muitas vezes o principal deflagrador para a busca de auxílio médico, ela pode representar uma comorbidade que complica a apresentação clínica e evolução de outras doenças físicas ou mentais do idoso.25, 26 Assim, é importante que os médicos responsáveis pelo atendimento de pacientes com transtornos ansiosos estejam alertas para as particularidades desses quadros clínicos nessa faixa etária.

Alcoolismo é outro problema que pode comprometer a saúde do idoso. Quatro porcento dos idosos avaliados PS-PQ apresentavam como problema principal quadro de abuso ou dependência de álcool. Hirata e col.27 encontraram taxas semelhantes de alcoolismo entre 332 idosos atendidos em um ambulatório de geriatria clínica da cidade de São Paulo. Eles também relataram que o alcoolismo do idoso pode estar associado a complicações médicas, dificuldades financeiras, tabagismo, e maior freqüência de eventos estressores de vida. Problemas relacionados ao uso de álcool podem estar presentes em aproximadamente 1-10% dos idosos vivendo na comunidade.28, 29 O conjunto desses dados indica que o alcoolismo é um importante problema de saúde do idoso e que os fatores associados ao quadro clínico desses pacientes podem ser diferentes daqueles observados entre adultos jovens.30

Outros problemas de saúde relevantes entre os indivíduos atendidos no PS-PQ foram abuso ou dependência de sedativos (2,6%) e outros transtornos mentais de origem orgânica (5,4%), ambos significativamente mais comuns entre idosos.31, 32 O uso de sedativos, em particular, pode levar a uma série de complicações clínicas entre idosos. Herings e col.33 demonstraram que o uso de benzodiazepínicos está associado a maior risco de quedas e de fraturas, especialmente quando a dose utilizada é elevada. Idosos são muito vulneráveis a esse tipo de complicação, de forma que o objetivo do tratamento desses pacientes deve ser sempre reduzir a dose da medicação utilizada e, quando possível, suspender seu uso.

Cinqüenta e nove porcento dos idosos atendidos foram encaminhados para tratamento ambulatorial, enquanto 20,3% dos casos necessitaram de acompanhamento em regime de internação. Pacientes em 'mania' foram os que mais freqüentemente necessitaram de internação, sugerindo que mesmo no idoso esses quadros podem ser de difícil controle com tratamento ambulatorial. O grupo rotulado como 'Outros Diagnósticos' (Tabela 3) incluía diversos pacientes com transtornos mentais de origem orgânica. Os altos índices de internação observados nesse grupo devem-se, em parte, à necessidade de investigação e tratamento da doença orgânica de base.

Vale, ainda, notar a presença desproporcionalmente grande de mulheres entre os idosos atendidos neste serviço de emergência, um achado que pode ser parcialmente explicado pela maior sobrevida das mulheres e sua conseqüente predominância nas faixas etárias mais idosas.7 Além disso, estudos realizados na comunidade observaram que as mulheres apresentam queixas médicas com maior freqüência que os homens34, 4 e, também, que elas realizam contatos mais freqüentes com o sistema de saúde.7 Uma pesquisa recente realizada com pacientes idosos atendidos em um centro de saúde da cidade de São Paulo mostrou que mais de 80% dos pacientes eram do sexo feminino35, indicando que este não é um viés observado apenas em serviços de saúde mental. Outros fatores que possivelmente contribuem para que as mulheres sejam mais vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos mentais na velhice incluem a alta taxa de viuvez e de isolamento social entre aquelas com mais de 60 anos7, e a privação de estrogênio.36, 37

Este estudo possui, porém, algumas limitações. A primeira diz respeito à maneira como os diagnósticos psiquiátricos foram registrados. Não foi possível estabelecer de forma sistemática a confiabilidade do diagnóstico entre os diferentes médicos, embora este representasse na maioria das vezes a impressão clínica final do grupo. Além disso, não foram utilizados instrumentos padronizados para a avaliação da sintomatologia clínica, o que pode ter contribuído para a introdução de viés nesses resultados. Por outro lado, este estudo tem a vantagem de refletir o que ocorre de fato na prática clínica de serviços de saúde mental em nosso meio.

O presente trabalho indica que os problemas de saúde característicos do idoso já fazem parte da rotina de atendimento de serviços gerais de saúde mental. É importante, portanto, que os profissionais da área estejam preparados para identificar e conduzir de forma adequada o tratamento desses pacientes. Assim, espera-se que os programas de treinamento em saúde mental incluam estágios específicos em psiquiatria geriátrica e que um número crescente de especialistas tenha condições de oferecer um atendimento adequado a essa população nos próximos anos. O Brasil já envelheceu — agora é preciso que ele amadureça e assuma suas responsabilidades.

Agradecimentos

Agradeço o constante apoio e estímulo de Eduardo Iacoponi para o desenvolvimento de um serviço especializado no atendimento de idosos (Unid) junto ao Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo. Agradeço, ainda, à Regiane Garrido e Lilian Ratto por permitirem a utilização do banco de dados do Serviço de Emergência, por elas coordenado, para esta investigação. Leonete Faria Arruda contribuiu gentilmente com o registro das informações no banco de dados utilizados para a análise deste estudo. Este trabalho é parcialmente financiado pelo CNPq.

Correspondência

Osvaldo P. Almeida

Department of Psychiatry and Behavioural Science, Queen Elisabeth II Medical Centre, Nedlands, Perth, WA 6009, Autralia.

Email: osvalm@cyllene.uwa.edu.au

  • 1. Tamai S. Epidemiologia do envelhecimento no Brasil. In: Forlenza OV, Almeida OP, editores. Depressăo e demęncia no idoso: tratamento psicológico e farmacológico. Săo Paulo: Lemos Editorial; 1997.p. 11-24.
  • 2. Ramos LR, Veras RP, Kalache A. O envelhecimento populacional: uma realidade brasileira. Rev Saúde Pública 1987; 21: 211-24.
  • 3. Almeida Filho N, Santana VS, Pinho AR. Estudo epidemiológico dos transtornos mentais em uma populaçăo de idosos: área urbana de Salvador-BA. J Bras Psiquiatr 1984; 33: 114-20.
  • 4. Veras RP , Murphy E. The mental health of older people in Rio de Janeiro. Int J Geriatr Psychiatry 1994; 9: 285-95.
  • 5. Blay SL, Mari JJ , Ramos LR. The use of the face hand test to screen for organic brain syndromes: a pilot study. Rev. Saúde Publica 1989; 23: 395-400.
  • 6. Jorm AF, Korten, AE , Henderson AS. The prevalence of dementia: a quantitative survey of the literature. Acta Psychiatr Scand 1987; 76: 465-79.
  • 7. Veras RP. País jovem com cabelos brancos. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1994.
  • 8. Grafströom M , Winblad B. Family burden in the care of the demented and nondemented elderly: a longitudinal study. Alzheimer Dis Assoc Disord 1995; 9: 78-86.
  • 9. Gray A , Fenn P. Alzheimer's disease: the burden of the illness in England. Health Trends 1993; 25: 31-7.
  • 10. Henk HJ, Katzelnick DJ, Kobak KA, Greis JH, Jefferson JW. Medical costs attributed to depression among patients with a history of high medical expenses in a health maintenance organization. Arch Gen Psychiatry 1996;53: 899-904.
  • 11. Almeida OP. Manejo dos distúrbios de comportamento em pacientes demenciados. In: Forlenza OV, Almeida OP, editors. Depressăo e demęncia no idoso: tratamento psicológico e farmacológico. Săo Paulo: Lemos Editorial, 1997.p. 153-66.
  • 12. Livingston G, Hawkins A, Graham N, Blizard B, Mann A. The Gospel Oak Study: prevalence rates of dementia, depression and activity limitation among elderly residentes in inner London. Psychol Med 1990a; 20: 137-46.
  • 13. McCracken CFM , Boneham MA, Copeland JRM, Williams KE, Wilson K, Scott A, et al. Prevalence of dementia and depression among elderly people in black and ethnic minorities. Br J Psychiatry 1997; 171: 269-73.
  • 14. Weyerer S, Hafner H, Mann AH, Ames D, Graham N. Prevalence and course of depression among elderly residential home admissions in Mannheim and Camden, London. Int Psychoger 1995; 7: 479-94.
  • 15. Unutzer J, Patrick DL, Simon G, Grembowski D, Walker E, Rutter C , Katon W. Depressive symptoms and the cost of health services in HMO patients aged 65 years and older: a 4-year prospective study. J Amer Med Assoc 1997; 277: 1618-23.
  • 16. Cole MG , Bellavance F. The prognosis of depression in old age. Am J Geriatr Psychiatry 1997; 5: 4-14.
  • 17. Hepple J , Quinton C. One hundred cases of attempted suicide in the elderly. Br J Psychiatry 1997; 171:42-6.
  • 18. Kennedy GJ. Suicide and depression in late life: critical issues in treatment, research, and public policy. New York: John Wiley; 1996.
  • 19. Fogarty F, Russel JM, Newman SC, Bland RC. Epidemiology of psychiatric disorders in Edmonton: mania. Acta Psychiatr Scand 1994; 376: 16-23.
  • 20. Broadhead J , Jacoby R. Mania in old age: a first prospective study. Int J Geriatr Psychiatry 1990; 5: 215-22.
  • 21. Copeland JRM, Dewey ME , Wood N, Searle RL, Davidson IA , McWilliam C. Range of mental illness among the elderly in the community: prevalence in Liverpool using the GMS-AGECAT package. Br J Psychiatry 1987; 150: 815-23.
  • 22. Regier DA, Boyd JH, Burke JD, Era DS, Myers JM, Krammer M, et al. One-month prevalence of mental disorders in the United States: based on five epidemiologic catchment area sites. Arch Gen Psychiatry 1988; 45: 977-86.
  • 23.Regier DA, Narrow WE, Era DS. The epidemiology of anxiety disorders: the Epidemiologic Catchment Area (ECA) experience. J Psychiatr Res 1990;24 Suppl 2: 3-14.
  • 24. Katona C, Manela M , Livingston G. How common are the anxiety disorders in old age? Int J Geriatr Psychiatry 1996; 11: 65-70.
  • 25. Schneider LS. Overview of generalized anxiety disorder in the elderly. J Clin Psychiatry 1996; 57: 34-45.
  • 26. Zayas EM , Grossberg GT. Treating the agitated Alzheimer patient. J Clin Psychiatry 1996; 57 Suppl 7: 46-51.
  • 27. Hirata ES, Almeida OP, Funari RR , Klein EL. Alcoholism in a geriatric outpatient clinic of Săo Paulo-Brazil. Int Psychogeriatr 1997; 9: 95-103.
  • 28. Helzer JE, Burnam A , Mcevoy LT. Alcohol abuse and dependence. In: Robins LN , Regier DA, editors. Psychiatric disorders in America: the epidemiologic catchment area study. New York: Free Press; 1990. p. 81-115.
  • 29. Schuckit MA. (1982). A clinical review of alcohol, alcoholism, and the elderly patient. J Clin Psychiatry 1982; 43: 396-9.
  • 30. Atkinson RM. Late onset problem drinking in older adults. Int J Geriatr Psychiatry 1994; 9: 321-6.
  • 31. Almeida OP. Aspectos gerais de psiquiatria geriátrica. In: Almeida OP, Dratcu L, Laranjeira R, editors. Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 1996. p. 236-49.
  • 32. Almeida OP , Miguel Filho EC. Transtornos mentais de origem orgânica. In: Almeida OP, Dratcu L ,Laranjeira R, editors. Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;1996.p. 66-82.
  • 33. Herings RMC, Stricker BHC, De Boer A, Bakker A , Sturmans F. Benzodiazepines and the risk of falling leading to femur fractures: dosage more important than elimination half-life. Arch Int Med 1995; 155: 1801-7.
  • 34. Livingston G, Thomas A, Graham N, Blizard B , Mann A. The Gospel Oak project: the use of health and social services by dependent elderly people in the community. Health Trends 1990b: 2: 70-3.
  • 35. Almeida OP, Forlenza OV, Lima NKC, Bigliani V, Arcuri SM, Gentile M, et al. Psychiatric morbidity among the elderly in a primary care setting: report from a survey in Săo Paulo, Brazil. Int J Geriatr Psychiatry 1997; 12: 728-36.
  • 36. Halbreich U. Role of estrogen in postmenopausal depression. Neurology 1997; 48 Suppl.7: 16-20.
  • 37. Sherwin BB. Estrogen effects on cognition in menopausal women. Neurology 1997 ;48 Suppl 7: 21-26.
  • 1
    . Department of Psychiatry and Behavioural Science, Queen Elisabeth II Medical Centre.
    *
    Almeida OP, Garrido R , Tamai S. Unidade para idosos (UNID) do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo: características clínicas de pacientes atendidos em nível ambulatorial. J Bras Psiquiatr, no prelo em 1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 1999
    Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: editorial@abp.org.br