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Estudo dos programas de residência médica em Psiquiatria do Estado de São Paulo no ano de 1993

A study of psychiatric medicine residency programs in São Paulo, Brazil, in 1993

Resumos

OBJETIVO: Estudar programas de residência médica (PRM) em psiquiatria do Estado de São Paulo e verificar se são cumpridas as exigências mínimas estabelecidas pelos órgãos normativos. MÉTODO: Estudou-se todos os PRM de psiquiatria no ano de 1993 (n = 7) por meio de visitas locais, entrevistas semi-estruturadas e questionários realizados com amostra de residentes (n=12) e de preceptores (n=7), verificando-se a existência de treinamento em serviço em ambulatórios, internação, urgências e estágios em neurologia e saúde mental, além de curso de psicofarmacologia. RESULTADOS: Verificou-se que todos PRM cumprem o treinamento ambulatorial; o treinamento em internação integral está presente em 71,4% da amostra; hospital-dia em 57%; urgências em 85,7%. Estágios em neurologia ocorrem em 43%. Não há estágios em programa de saúde mental. Curso obrigatório de psicofarmacologia é ministrado em todos os PRM com carga horária muito variável. Não há avaliações sistematizadas do aproveitamento em nenhum PRM. Existem modalidades não exigidas que estão presentes na maioria dos PRM. CONCLUSÃO: As modalidades de treinamento não são cumpridas integralmente como propostas pelos órgãos normativos. Representantes desses órgãos, das sociedades de especialistas e responsáveis pelos PRM deveriam definir o perfil de habilidades desejado na formação do psiquiatra, para obtenção de treinamento padronizado e passível de avaliação mais objetiva do processo de ensino.

Residência médica; educação médica; psiquiatria; residência em psiquiatria


BACKGROUND: To study existing psychiatric medicine residency programs in São Paulo to ensure if they are in compliance with the requirements established by various governing bodies. METHODS: All psychiatric medicine residency programs were studied in 1993 (n=7). The study was conducted with local visits, semi-structured interviews, and questionnaires completed by a sample of residents (n=12) and preceptors (n=7) in order to verify the existence of formal training in ambulatory, in-patient procedure, emergency medicine and rotation in neurology and mental health programs, along with a course in psychopharmacology. RESULTS: It was verified that all residency programs accomplished formal training in ambulatory, 71,4% offered training in inpatient procedure, 57% in day-care hospital, 85,7% in emergency medicine. Neurology rotations were observed in 43% of the programs. None had a mental health program or formal and systematized resident performance evaluation. All PRP had non-obligatory training modalities. CONCLUSIONS: None of the psychiatric medicine residency programs studied fulfilled all the obligatory training modalities of normative boards. Representatives of governing bodies, specialist societies and preceptors should define abilities for psychiatric formation, as to obtain standard performance in training in which the learning process might be evaluated objectively.

Residency training; medical education; psychiatry; psychiatric medicine residency


artigos originais

Estudo dos programas de residência médica em Psiquiatria do Estado de São Paulo no ano de 1993* * Dissertação de mestrado em saúde mental, apresentada em dezembro de 1997 na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP, Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. 1 . Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG). 2 . Professor Associado da Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG).

A study of psychiatric medicine residency programs in São Paulo, Brazil, in 1993

Luís Carlos Calil1 * Dissertação de mestrado em saúde mental, apresentada em dezembro de 1997 na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP, Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. 1 . Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG). 2 . Professor Associado da Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG). e José Onildo Betiol Contel2 * Dissertação de mestrado em saúde mental, apresentada em dezembro de 1997 na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP, Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica. 1 . Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG). 2 . Professor Associado da Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG).

RESUMO

OBJETIVO: Estudar programas de residência médica (PRM) em psiquiatria do Estado de São Paulo e verificar se são cumpridas as exigências mínimas estabelecidas pelos órgãos normativos.

MÉTODO: Estudou-se todos os PRM de psiquiatria no ano de 1993 (n = 7) por meio de visitas locais, entrevistas semi-estruturadas e questionários realizados com amostra de residentes (n=12) e de preceptores (n=7), verificando-se a existência de treinamento em serviço em ambulatórios, internação, urgências e estágios em neurologia e saúde mental, além de curso de psicofarmacologia.

RESULTADOS: Verificou-se que todos PRM cumprem o treinamento ambulatorial; o treinamento em internação integral está presente em 71,4% da amostra; hospital-dia em 57%; urgências em 85,7%. Estágios em neurologia ocorrem em 43%. Não há estágios em programa de saúde mental. Curso obrigatório de psicofarmacologia é ministrado em todos os PRM com carga horária muito variável. Não há avaliações sistematizadas do aproveitamento em nenhum PRM. Existem modalidades não exigidas que estão presentes na maioria dos PRM.

CONCLUSÃO: As modalidades de treinamento não são cumpridas integralmente como propostas pelos órgãos normativos. Representantes desses órgãos, das sociedades de especialistas e responsáveis pelos PRM deveriam definir o perfil de habilidades desejado na formação do psiquiatra, para obtenção de treinamento padronizado e passível de avaliação mais objetiva do processo de ensino.

DESCRITORES

Residência médica; educação médica; psiquiatria; residência em psiquiatria

ABSTRACT

BACKGROUND: To study existing psychiatric medicine residency programs in São Paulo to ensure if they are in compliance with the requirements established by various governing bodies.

METHODS: All psychiatric medicine residency programs were studied in 1993 (n=7). The study was conducted with local visits, semi-structured interviews, and questionnaires completed by a sample of residents (n=12) and preceptors (n=7) in order to verify the existence of formal training in ambulatory, in-patient procedure, emergency medicine and rotation in neurology and mental health programs, along with a course in psychopharmacology.

RESULTS: It was verified that all residency programs accomplished formal training in ambulatory, 71,4% offered training in inpatient procedure, 57% in day-care hospital, 85,7% in emergency medicine. Neurology rotations were observed in 43% of the programs. None had a mental health program or formal and systematized resident performance evaluation. All PRP had non-obligatory training modalities.

CONCLUSIONS: None of the psychiatric medicine residency programs studied fulfilled all the obligatory training modalities of normative boards. Representatives of governing bodies, specialist societies and preceptors should define abilities for psychiatric formation, as to obtain standard performance in training in which the learning process might be evaluated objectively.

KEYWORDS

Residency training; medical education; psychiatry; psychiatric medicine residency

Introdução

O sistema de residência médica se difundiu a partir de sua criação em 1889 na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, ao se constatar que o treinamento resultava em elevação do padrão técnico do médico americano. No Brasil, os primeiros programas de residência médica (PRM) em psiquiatria iniciaram-se em 1948, em hospital geral não-universitário do Instituto de Previdência e Assistência ao Servidor do Estado no Rio de Janeiro (Ipase) e, em 1951, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.1

A regulamentação dos PRM ocorreu em 1977 com a criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM),2 que definiu a residência médica como "modalidade de ensino de pós-graduação", sob a forma de curso de especialização. O objetivo da residência médica seria o aperfeiçoamento do médico recém-formado em diferentes ramos da atividade médica e teria como principal característica o treinamento em serviço, sob a orientação de profissionais qualificados em instituições de saúde universitárias ou não.2-6 A CNRM estabeleceu que de 80% a 90% da carga horária dos PRM devem ser desenvolvidos sob a forma de treinamento em serviço e as atividades teórico-práticas seriam desenvolvidas na carga horária restante.3,4,6

Em 1983, a CNRM definiu os requisitos para os dois anos de residência médica em psiquiatria, com o mínimo de 2.800 horas de atividade em cada ano, divididas em porcentagens, perfazendo a seguinte carga horária mínima nos dois anos de treinamento: ambulatório, 50% (2.800 horas); unidade de internação, inclusive unidade de internação parcial ou "hospital-dia", 20% (1.120 horas); urgências, 10% (560 horas); curso de psicofarmacologia, estágios obrigatórios em neurologia, estágio em programa de saúde mental e estágios optativos em ambulatórios de centros de saúde e em unidades mistas (para essas modalidades não se estabelece carga horária).7

Em 1991, a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) publicou o Documento de Trabalho no 51,8 em que se verifica grande variação quanto aos objetivos dos diversos PRM paulistas. Como exemplo, algumas residências objetivam estimular a "vocação para carreira universitária" (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); "desenvolver o espírito crítico" (Hospital do Servidor-SP) ou capacitar o profissional "para o trabalho na rede pública" (Hospital do Juqueri).8 Resoluções da CNRM e o documento no 51 da Fundap são indefinidos em seus aspectos pedagógicos. Do exposto, depreende-se a necessidade de se conhecer os PRM em psiquiatria de alguns centros formadores do país e verificar se há o cumprimento das resoluções da CNRM e dos requisitos estabelecidos no documento no 51.8

A hipótese do presente trabalho é que existam discrepâncias importantes entre as exigências da CNRM, as "competências mínimas" exigidas no documento no 51 da Fundap e a prática da residência em psiquiatria no Estado de São Paulo.

Os objetivos são: 1) estudar todos os PRM em psiquiatria do Estado de São Paulo no ano de 1993; 2) verificar se há discrepâncias entre as resoluções da CNRM, os requisitos estabelecidos pela Fundap e o treinamento oferecido nos PRM estudados.

Métodos

Os PRM de psiquiatria do Estado de São Paulo foram estudados por meio de entrevistas semi-estruturadas e questionários dirigidos a residentes e preceptores. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas no período de março a junho e os questionários foram aplicados entre agosto a dezembro de 1993. Os seguintes documentos foram utilizados como referencial para elaboração das entrevistas e questionários: 1) relatório geral da residência médica da Divisão de Hospitais de Ensino e Residência Médica do Ministério de Educação e Desporto e da Secretaria Nacional de Ensino Superior,9 em que se identificou todos os programas de residência médica em psiquiatria existentes no Brasil e sua situação de credenciamento junto ao MEC; 2) legislação publicada no Diário Oficial da União, normatizando os PRM desde sua instituição em 1977, e as exigências estabelecidas pela CNRM desde sua criação em 1977;2-7 3) Documento de Trabalho no 51 intitulado "Requisitos Mínimos de um Programa de Residência Médica: Competências em Psiquiatria", resultado de um consenso de representantes da Fundap, CNRM, Associação Brasileira de Psiquiatria, professores e médicos de PRM credenciados pela CNRM e de programas não-oficiais de treinamento (estágios), universitários ou não, do Estado de São Paulo.8

Em 1992, existiam 26 instituições com PRM em psiquiatria no Brasil,9 distribuídos da seguinte maneira: Nordeste (5), Centro-Oeste (1), Sudeste (14) e Sul (6). Na região Sudeste, os PRM distribuíam-se em Minas Gerais (3), Rio de Janeiro (3) e São Paulo (8). São Paulo foi estudado por concentrar 30,8% dos PRM de psiquiatria no Brasil e ter o maior número (n = 7 ou 38,8%) de PRM em psiquiatria ligados a escolas médicas. Dos oito PRM, um (Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC/Sorocaba) foi excluído em razão de não ter residentes matriculados no segundo ano. Dessa forma, o estudo foi realizado com os seguintes PRM em psiquiatria: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP (FMRP-USP), Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), Hospital do Servidor Público do Estado, "Francisco Morato" (HSPE), Faculdade de Medicina de Marília (FM-Marília) e Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade do Estado de São Paulo (FM-Botucatu). Em cada PRM, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um preceptor e com um residente (R2), escolhidos entre os presentes no dia e local da visita. Entre os PRM não há uniformidade no conceito de preceptor ou coordenador. No presente trabalho uniformizou-se o termo preceptor, designando profissionais vinculados diretamente ao PRM, que se considerasse habilitado a fornecer informações sobre todas as modalidades de treinamento oferecidas no programa. Optou-se pelo R2 pelo fato deste já ter cursado quase todo o programa obrigatório.

A amostragem não foi aleatória nas entrevistas e nos questionários, posto que a escolha ocorreu primeiramente com agendamento por meio de contato telefônico com um preceptor que reunisse condições de informar sobre o PRM e se dispusesse a ser entrevistado e responder o questionário. No dia da visita, após explicitação dos objetivos do trabalho, foi solicitada ao preceptor permissão para contactar os residentes presentes que, após concordância verbal, foram entrevistados. O mesmo procedimento ocorreu para aplicação dos questionários.

A entrevista semi-estruturada consistiu primeiramente em descrição livre do preceptor e R2 do seu PRM e questões sobre exigências especificadas pela CNRM. A análise desses resultados subsidiou a construção de dois questionários: um dirigido aos preceptores e outro aos residentes.

Em visita posterior, aplicou-se o questionário a um preceptor de cada PRM. Dois R2 foram questionados nos PRM com mais de um R2. Na FM-Botucatu e FM-Marília o estudo limitou-se ao único R2 inscrito. Assim, a amostragem constituiu-se de sete preceptores e doze residentes.

Esta amostragem pode não ser representativa do universo de preceptores e residentes dos PRM, podendo conter viéses em aspectos demográficos, aspirações dos residentes e perfil desejado pelo preceptor. Os sujeitos da amostra foram voluntários, condição fundamental para obtenção de informações essencialmente descritivas, como as contidas nos instrumentos utilizados. Em um dos PRM em que havia apenas um R2 que se mostrou pouco disponível a responder as questões, obteve-se informações incompletas e respostas vagas para dados quantitativos.

Modalidades de treinamento ministrado, incluindo o tempo nas diversas atividades, o número de pacientes atendidos, o modelo de supervisão e o tipo de avaliação foram tópicos especificamente questionados.

O número de atendimentos e tempo disponível para o atendimento nas diversas modalidades de treinamento foram obtidos por relato direto dos residentes dos sete PRM. Nos cinco PRM em que dois R2 responderam o questionário, o valor apresentado para cada modalidade é a média dos valores obtidos de cada residente.

O tratamento estatístico dessas variáveis contínuas são apresentados como média e desvio padrão ou mediana e faixa de variação.

Resultados

De um total de 45 R2 e 51 preceptores, aplicou-se o questionário a 12 residentes e sete preceptores. Entre os preceptores, registrou-se um profissional com doutorado, outro com mestrado; dois matriculados em cursos de mestrado e doutorado e os três restantes com residência médica concluída. A maioria dos R2 questionados cursava o PRM oferecido em sua faculdade de origem (70%). As figuras 1, 2, 3 e 4 mostram resultados de treinamento em ambulatório, urgências, hospital-dia e enfermaria, além do número de atendimentos e tempo disponível para o atendimento na respectiva modalidade.





O atendimento ambulatorial está presente em todos os PRM (figura 1). Um não treina em urgências (figura 2). Dois PRM não oferecem treinamento em hospital-dia (figura 3). Unidades psiquiátricas em hospital geral (enfermarias psiquiátricas) estão presentes em 71,4% dos PRM (figura 4) e ausentes nos dois PRM que oferecem treinamento em hospital psiquiátrico especializado. Todas as modalidades apresentam grande variação na razão entre o tempo em horas disponíveis para o atendimento e o número de atendimentos realizados.

Ambulatórios especializados em doenças afins foram registrados na maioria dos PRM (ausente na FMRP-USP), sendo mais comuns os seguintes: transtornos de humor (57,1%); álcool/drogas e transtornos psicóticos (42,8%); transtornos de ansiedade e psiquiatria infantil (28,5%).

Em todos os PRM, os residentes realizam tanto atendimento em psicoterapia individual como em grupo. Os fundamentos teóricos deste treinamento foram descritos pelos residentes como abordagens psicodramática, analítica, focal ou até "psiquiátrica breve". O atendimento psicoterápico supervisionado ocorre no R1 e R2, com exceção da FM-Marília, em que se inicia no R2. O tempo de atendimento varia entre 148 a 912 horas, com mediana de 330 horas.

Apesar de não-obrigatório, o treinamento em interconsultas psiquiátricas foi registrado em todos os PRM estudados. Hospital psiquiátrico especializado, outra modalidade não-obrigatória, foi observado na FM-Botucatu e FM-USP.

Apenas 43% dos PRM treinam o residente no estágio obrigatório em neurologia, com carga horária variando entre 74 e 180 horas. Estágio em programa de saúde mental, outra exigência da CNRM,7 não é oferecido em nenhum dos PRM; além disso, nenhum preceptor ou residente soube definir o que viria a ser esta modalidade de treinamento. Estágios em ambulatórios de centros de saúde e em unidades mistas, optativos segundo a CNRM, inexistem em todos os PRM.

Psicofarmacologia, único curso teórico obrigatório,7 é ministrado em todos os PRM, com carga horária variando entre 4 e 86 horas. Curso de psicopatologia também é ministrado em todos os PRM, com carga horária entre 2 a 114 horas. O mesmo ocorre com o curso de psicoterapia, com carga horária entre 40 e 99 horas. O PRM com maior número de cursos teóricos é o de Marília, com 15.

O clube de revista, dedicado à leitura de textos de atualização, e uma exigência da CNRM,7 existe em apenas 43% dos PRM. Apenas um PRM não oferece possibilidade de participação em pesquisa.

Houve grande discrepância quanto à descrição da forma como o residente é avaliado nos diversos PRM: 41,7% dos residentes responderam que as avaliações são formais, sendo 25% por meio de provas escritas. A freqüência dessas avaliações foi descrita como diária (1 caso), semestral (25%), anual (41,7%) e bianual (16,7%).

Os preceptores são unânimes na sugestão de terapia pessoal para os residentes, que na totalidade se submetem (ou se submeteram) a alguma forma de psicoterapia: analítica em 91,6%, psicodramática em um caso, com tempo médio de 2,6 anos ± 1,6 anos e variação entre três meses e seis anos.

Os preceptores descrevem as seguintes habilidades como desejáveis para os residentes ao final do curso: instituir psicoterapia (57,1%), "competência como psiquiatra-clínico" (43%), "formação ampla e geral" (43%). Neste caso o profissional trabalharia em unidades psiquiátricas, hospital-dia e em equipes multiprofissionais em hospitais gerais e psiquiátricos. Outras competências pretendidas incluem manuseio adequado de psicofármacos, bom desempenho em atendimento de urgência ou na assistência a populações carentes, além de uma resposta visando a formação de docente ou pesquisador universitário.

Entre os objetivos profissionais dos residentes incluem-se a docência e pesquisa na universidade (66,6%) e a medicina privada em consultórios (58,3%). Apenas 25% referem desejar trabalho assalariado em serviço público.

Discussão

Kerr-Corrêa10 opina que nenhum PRM de psiquiatria cumpre todas as exigências mínimas determinadas pela CNRM. Rodrigues11 vai mais além ao sugerir que pela ausência de fiscalização efetiva, as exigências mínimas para os PRM são cumpridas "apenas no momento em que os formulários são preenchidos". Para a CNRM, a residência médica é modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos e caracterizada por treinamento em serviço sob supervisão constante, definição que não deixa clara quais seriam as competências mínimas necessárias ao exercício profissional.11 Analisando respostas de psiquiatras e professores de psiquiatria, Langsley e Hollender12 registraram a opinião corrente de que o especialista em psiquiatria deve ter habilidade para diagnosticar e tratar distúrbios psiquiátricos, identificar e intervir na urgência psiquiátrica e avaliar a natureza neurológica de alguns transtornos, bem como utilizar psicofármacos adequadamente. Kay13 comenta que a maioria dos PRM varia em conteúdo e qualidade, refletindo a filosofia do departamento, recursos disponíveis e a demanda ao serviço. Esta opinião está de acordo com alguns achados do presente estudo, incluindo a não-uniformidade nas modalidades de treinamento: discrepância no número de cursos (entre 1 e 15), variação no número de atendimentos e tempo disponível para cada atendimento. Alguns programas revelam um grande número de atendimentos para poucas horas disponíveis como na FM-Marília (figuras 1 e 4) e FM-Botucatu (figura 3). Em contrapartida, em outros programas a razão entre horas disponíveis e número de atendimentos é próxima ou maior que uma hora por atendimento (figuras 1, 2, 3, e 4). No entanto esses dados são inconclusivos já que não há avaliação formal e objetiva que possibilite comparar residentes de programas diferentes.

Ainda notam-se diferenças quanto à disponibilidade ou não de unidade psiquiátrica em hospital geral, de hospital-dia e de atendimento de urgências.

Verificou-se que em várias modalidades de treinamento, o médico residente recebia orientação de staff (profissionais não ligados formalmente ao PRM), vantajoso quando se considera a prática cotidiana do psiquiatra. É também possível que o envolvimento de preceptores em pós-graduação se reflita positivamente no treinamento dos residentes, ao oferecer um modelo de aprimoramento profissional.

Apesar de questionamentos sobre a utilidade da psicoterapia durante a residência médica,14 houve unanimidade entre os preceptores quanto à recomendação de psicoterapia para os residentes, que na totalidade da amostra se submeteram ou submetiam-se à terapia pessoal, o que provavelmente reflete a influência da orientação analítica no meio psiquiátrico.15 Entretanto, Dubovsky16 sugere que a realização de psicoterapia pessoal durante o tumultuado período da residência médica pode mobilizar angústias e produzir efeitos adversos no treinamento do residente.

As resoluções da CNRM e o documento no 51 da Fundap não definem em que consiste o estágio em programa de saúde mental, o que talvez explique sua ausência em todos os PRM estudados, o mesmo ocorrendo com cursos de psiquiatria social, comunitária e forense sugeridos no documento no 51.

Rodrigues11 e Goldman et al.17 destacam o importante papel do hospital psiquiátrico na formação de recursos humanos, incluindo o psiquiatra. Apenas dois dos sete PRM oferecem treinamento em hospital psiquiátrico, falha que pode comprometer a formação do psiquiatra, que não estará habilitado ao atendimento de pacientes mais graves, com doenças de evolução mais crônica e incapacitante.10

Atividades ambulatoriais representam a maior porcentagem dos atendimentos na maioria dos PRM, com grande variação no número de pacientes e tempo de atendimento. Idealmente os PRM deveriam, juntamente com os órgãos normativos, estabelecer números de atendimentos adequados para um treinamento efetivo, já que delegar ao residente o atendimento da demanda não é boa prática de ensino.18 Fato positivo e digno de nota foi a presença na maioria dos PRM de modalidades não exigidas pela CNRM, tais como: interconsultas psiquiátricas; ambulatórios especializados, cujo objetivo seria implementar condutas sistematizadas para transtornos específicos; curso de psicopatologia e de psicoterapia, estes recomendados pelo documento da Fundap.8 Também se verificou que a escolha da abordagem psicoterápica é empírica e dependente da qualificação em psicoterapia do preceptor disponível. Algumas respostas obtidas nas entrevistas semi-estruturadas deixam transparecer certo desconhecimento de fundamentos teóricos em psicoterapia, como por exemplo na descrição de orientação em "psicoterapia breve psiquiátrica". Yorke19 constata que mais de 60% dos psiquiatras completam seu treinamento sem nunca atender um paciente em psicoterapia duas ou mais vezes por semana. Mohl et al.20 recomendam atendimento de quatro pacientes em psicoterapia psicodinâmica, mais de uma sessão por semana, um mínimo de 200 horas de experiência e de 100 horas de supervisão. Coordenar o treinamento psiquiátrico de residentes em universidades, com seu treinamento em institutos psicanalíticos, é um objetivo e uma dificuldade no ensino médico atual.21 Martins18 constata que as dificuldades na tarefa assistencial e os níveis de estresse reduzem à medida que o treinamento do residente se desenvolve. Seria legítimo contra-indicar que R1 atenda em psicoterapia, considerando as angústias que emergem deste atendimento, notadamente em iniciantes sem conhecimentos dos fundamentos de psicodinâmica.

Estudando 169 PRM em psiquiatria nos Estados Unidos, Galanter22 encontrou 91% deles com treinamento no campo do alcoolismo e abuso de drogas. Em 42,8% dos PRM estudados há ambulatório de álcool e drogas, indicando que os próprios PRM identificaram a necessidade de treinamento nesta modalidade.

Verificou-se grande variação de carga horária nos cursos, a exemplo do curso de psicofarmacologia (entre 4 e 86 horas); quatro horas são insuficientes para ensino de qualquer fundamento. Santy e Bryant23 propõem curso de psicofarmacologia para residentes por meio de observação de pacientes internados, de seminários teóricos e avaliações em testes.

Estágio em neurologia presente em apenas 43% dos PRM revela uma falha na formação do psiquiatra, inconcebível com os conhecimentos e inter-relacionamentos dessas disciplinas na atualidade.20

Os PRM não devem se sentir obrigados a certificar que todos os residentes em treinamento são proficientes.24 Irby et al.25 e Short24 citam a relutância em se realizar avaliações de residentes. Souza e Oliveira,26 estudando processos de credenciamento de PRM e nas visitas às instituições brasileiras, verificaram que a avaliação do desempenho do residente é feita de maneira pessoal, não-sistemática e nem sempre os resultados são do conhecimento do indivíduo avaliado. O documento da Fundap8 propõe avaliação formal apenas quando o preceptor não tem contato suficiente com o residente, contudo a supervisão permanente constitui princípio básico da residência médica.2 A CNRM4 determina avaliação periódica do aproveitamento por meio de provas escritas e/ou práticas; avaliação do desempenho profissional por escalas de atitudes, incluindo atributos como: comportamento ético, relacionamento com a equipe de saúde e o cliente, interesse pelas atividades e outros. Os resultados das avaliações devem ser do conhecimento do residente.4 O cumprimento integral da carga horária prevista, a aprovação na avaliação final e no desempenho profissional medido por escalas de atitudes são fundamentais para a promoção para o segundo ano e obtenção do certificado de conclusão do PRM. A avaliação de desempenho mostrou respostas discordantes entre residentes de um mesmo programa, que se contradizem quanto à formalidade, método e freqüência das avaliações. Isto sugere que as determinações da CNRM para avaliação de desempenho não estão sendo cumpridas.

Bevilacqua et al.,27 estudando egressos de PRM no Estado de São Paulo após cinco anos de conclusão do programa, encontraram somente 12,5% dos psiquiatras exercendo simultaneamente outra especialidade, o que evidencia dedicação do psiquiatra ao exercício integral na especialidade. Eizirik et al.,15 estudando 430 psiquiatras de cinco Estados brasileiros em 1992, constataram que: há uma média de 15,5 anos de exercício profissional; 51,9% submetem-se ou submeteram-se a psicoterapia; apenas 4,1% não têm atividade em consultório privado; as técnicas psicoterápicas predominam como modalidade de tratamento (74,6%); apenas 0,9% dedicam-se exclusivamente à psiquiatria clínica. O presente trabalho revela concordâncias entre algumas aspirações de residentes, com resultados encontrados por Eizirik et al.:15 a maioria deseja exercer atividade privada ou submeteu-se a psicoterapia. Na presente amostra, a maioria de residentes tem pretensões de seguir carreira de ensino e pesquisa, o que provavelmente é um viés amostral.

Os preceptores privilegiam habilidade em psicoterapia e psiquiatria clínica, esta verificada com menor freqüência na amostra de Eizirik et al.15 e nas aspirações dos residentes analisados no presente trabalho.

Conclusões

Os resultados do presente trabalho referem-se ao período de estudo em campo realizado em 1993, portanto, a realidade atual pode ser diferente. Como em qualquer área médica, é remota a possibilidade de consenso, contudo, os resultados do presente estudo revelam aspectos dos PRM em psiquiatria que merecem reflexão e estudos futuros, incluindo seminários com participação de associações de especialistas junto a responsáveis pelos PRM, visando definir com maior clareza algumas modalidades de treinamento, além de priorizar aspectos relevantes em um PRM em psiquiatria, abrangendo aspectos pedagógicos e treinamento prático.

1. O processo de ensino nos PRM em psiquiatria estudados não está sendo realizado como proposto pelas resoluções da CNRM7 ou da Fundap.8

2. Há modalidades de treinamento presentes na quase totalidade dos PRM que não são exigências da CNRM, indicando que, pela prática, são necessários em PRM de psiquiatria.

3. Não são realizadas avaliações formais de desempenho com periodicidade definida, o que impossibilita conclusões objetivas acerca do aproveitamento.

4. Os dados revelam uma dissociação entre objetivos do residente e pretensões dos preceptores quanto ao psiquiatra formado.

5. Pode-se estar priorizando na formação dos psiquiatras treinamento psicodinâmico empírico e pouco sistematizado, descuidando-se da formação médica fundamentada nas ciências naturais.

Agradecimentos

À Cláudio Roberto Carvalho Rodrigues (in memoriam), orientador inicial da dissertação; à Antônio Waldo Zuardi, assessor da dissertação, aos amigos Daniel Ferreira da Cunha e Selma Ferreira da Cunha. A ajuda dessas pessoas tornou este trabalho possível.

Correspondência

Luís Carlos Calil

R. Paulo Pontes 60,

38100-000 Uberaba, MG - Brasil

Fone (0xx34)312-7142

Email: lccalil@mednet.com.br

  • 1. Uchôa DM. Organizaçăo da psiquiatria no Brasil. Servier, Săo Paulo, 1977 186 p.
  • 2
    Brasil. Leis etc. Decreto n. 80.281 de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica e cria a Comissão de Residência Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 6 set. 1977.
  • 3
    Brasil. Resolução n. 004/79. Estabelece normas gerais, requisitos mínimos e sistemática de credenciamento da Residência Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 14 fev. 1979a
  • 4
    Brasil. Resolução n. 005/79. Objetivos dos Programas de Residência Médica nas várias áreas. Diário Oficial da União. Brasília, 12 nov. 1979b
  • 5
    Brasil. Resolução n. 01/81. Estabelece especialidades médicas credenciáveis como Programa de Residência Médica e dá providências adicionais. Diário Oficial da União. Brasília, 18 fev. 1981a
  • 6
    Brasil. Leis etc. Lei n. 6932 de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 09 jul. 1981b
  • 7
    Brasil. Resolução n. 04/83. Dispõe sobre os requisitos mínimos dos programas de Residência Médica das especialidades médicas. Diário Oficial da União. Brasília, 07 nov. 1983
  • 8
    Fundação de Desenvolvimento Administrativo_(FUNDAP). Documentos de Trabalho. Requisitos mínimos de um programa de residência médica: Competências mínimas em psiquiatria. São Paulo, /Mimeografado/, 49p. 1991.
  • 9
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  • *
    Dissertação de mestrado em saúde mental, apresentada em dezembro de 1997 na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP, Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica.
    1
    . Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG).
    2
    . Professor Associado da Disciplina de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2000
    • Data do Fascículo
      Set 1999
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