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Avaliação da produção científica dos principais periódicos brasileiros de psiquiatria no período de 1981 a 1995

Evaluating the scientific production among the main Brazilian psychiatric journals from 1981 to 1995

Resumos

No presente trabalho foram analisados os artigos do Jornal Brasileiro de Psiquiatria (n= 1016), da Revista Brasileira de Psiquiatria (n = 375) e da Revista de Psiquiatria Clínica (n = 83) de 1981 a 1995, classificando-os quanto ao tipo, campo, tópico, transtorno, desenho de pesquisa e endereço das instituições. Observou-se que os artigos classificados como revisão e opinião foram os tipos mais freqüentes e que o número de artigos de pesquisa, que representou 26% do total dos artigos publicados, tem crescido à taxa de 4% por qüinqüênio. Dentre os artigos de pesquisa, os estudos do tipo caso-controle, prospectivos e ensaios randomizados controlados foram pouco freqüentes. Quanto aos transtornos, verificou-se que pouco se publicou em algumas áreas clínicas importantes, tais como as relacionadas ao transtorno bipolar e ao de uso da cocaína, que representaram 2,4% e 0,3% do total de artigos.

Análise bibliométrica; produção científica; cienciometria; periódicos; desenhos de pesquisa


The present study analyses a total of 1,016 articles published in the period of 1981-1995 in different Brazilian psychiactric journals named, the Jornal Brasileiro de Psiquiatria (n=1016), the Revista Brasileira de Psiquiatria (n=375), and the Revista de Psiquiatria Clínica (n= 83). The articles were classified according to type, field, topic, disorders and research design. It was found that the review and opinion articles were the most frequent publications. Articles classified as research represented 26% of the total publications and has been growing at the rate of 4% per 5-year period. Articles described as case-control, prospective and randomized clinical trials were scarce. There were a reduced number of articles dealing with bipolar disorder (2.4% of the total articles), and cocaine use disorder (0.3% of total articles), two conditions of great social impact.

Bibliometric analysis; scientific production; scientometrics; journals; research design


artigos originais

Avaliação da produção científica dos principais periódicos brasileiros de psiquiatria no período de 1981 a 1995* 1 . Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ. 2 . Doutoranda do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. 3 . Professor titular do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. * Trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ

Evaluating the scientific production among the main Brazilian psychiatric journals from 1981 to 1995

Ivan Figueira1 1 . Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ. 2 . Doutoranda do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. 3 . Professor titular do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. * Trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ , Jacqueline Leta2 1 . Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ. 2 . Doutoranda do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. 3 . Professor titular do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. * Trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ e Leopoldo De Meis3 1 . Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ. 2 . Doutoranda do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. 3 . Professor titular do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ. * Trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ

RESUMO

No presente trabalho foram analisados os artigos do Jornal Brasileiro de Psiquiatria (n= 1016), da Revista Brasileira de Psiquiatria (n = 375) e da Revista de Psiquiatria Clínica (n = 83) de 1981 a 1995, classificando-os quanto ao tipo, campo, tópico, transtorno, desenho de pesquisa e endereço das instituições.

Observou-se que os artigos classificados como revisão e opinião foram os tipos mais freqüentes e que o número de artigos de pesquisa, que representou 26% do total dos artigos publicados, tem crescido à taxa de 4% por qüinqüênio. Dentre os artigos de pesquisa, os estudos do tipo caso-controle, prospectivos e ensaios randomizados controlados foram pouco freqüentes. Quanto aos transtornos, verificou-se que pouco se publicou em algumas áreas clínicas importantes, tais como as relacionadas ao transtorno bipolar e ao de uso da cocaína, que representaram 2,4% e 0,3% do total de artigos.

DESCRITORES

Análise bibliométrica; produção científica; cienciometria; periódicos; desenhos de pesquisa.

ABSTRACT

The present study analyses a total of 1,016 articles published in the period of 1981-1995 in different Brazilian psychiactric journals named, the Jornal Brasileiro de Psiquiatria (n=1016), the Revista Brasileira de Psiquiatria (n=375), and the Revista de Psiquiatria Clínica (n= 83). The articles were classified according to type, field, topic, disorders and research design. It was found that the review and opinion articles were the most frequent publications. Articles classified as research represented 26% of the total publications and has been growing at the rate of 4% per 5-year period. Articles described as case-control, prospective and randomized clinical trials were scarce. There were a reduced number of articles dealing with bipolar disorder (2.4% of the total articles), and cocaine use disorder (0.3% of total articles), two conditions of great social impact.

KEYWORDS

Bibliometric analysis; scientific production; scientometrics; journals; research design.

Introdução

A análise quantitativa do que é publicado nos principais periódicos de determinada área do saber é uma forma de conhecermos a sua produção científica. Essa análise quantitativa é o objeto de estudo de um ramo do saber denominado cienciometria, que surgiu nos anos 601. Para estudar a produção científica, a cienciometria vale-se de indicadores bibliométricos, tais como freqüência de artigos, freqüência de citação dos artigos e fator de impacto dos periódicos onde os artigos são publicados. Este instrumental analítico foi empregado para estudar a produção científica brasileira já na década de 702. Recentemente, Leta e De Meis também utilizaram dados cienciométricos para traçar o perfil das diferentes área do conhecimento no Brasil durante os anos 1981-19933. Em relação à produção científica de áreas específicas, a bioquímica parece ser a mais estudada no Brasil4-7.

Na área médica, localizamos dois estudos que envolvem técnicas quantitativas bibliométricas. O primeiro traça o perfil dos artigos publicados no Jornal de Pediatria, no período de 1981 a 19908 e o segundo descreve a produção científica do 44o Congresso Brasileiro de Dermatologia, nos anos 1988-19899. Na área da psiquiatria não encontramos, no Brasil, trabalhos que adotam parâmetros cienciométricos. Situação diferente ocorre nos EUA onde, desde 1973, foram publicados diversos estudos sobre a produção científica da área10-13.

Conhecer o perfil dos artigos publicados nos principais periódicos nacionais de psiquiatria pode ser de grande importância para: 1) avaliar a qualidade da educação continuada, que ocorre em grande parte através da leitura destes periódicos; 2) aferir o crescimento e a utilização do conhecimento no campo; e 3) aumentar a eficiência nos mecanismos de distribuição de recursos limitados e para incentivar o apoio público para a pesquisa12.

O presente estudo descreve o perfil dos artigos publicados na Revista Brasileira de Psiquiatria (RBP; na época chamada "Revista ABP-APAL14), no Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP) e na Revista de Psiquiatria Clínica (RPC), no período de 1981 a 1995. Nosso intuito foi caracterizá-los de acordo com os tipos de artigos, desenhos de pesquisa, campos, tópicos e transtornos mentais. Além disso, investigamos quais as instituições que mais publicaram nas três revistas nacionais e comparamos com a participação das mesmas nas publicações internacionais.

Método

Para realizarmos a análise da produção científica nacional da psiquiatria, selecionamos todos os artigos publicados entre 1981 e 1995 do Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP), da Revista Brasileira de Psiquiatria (RBP) e da Revista de Psiquiatria Clínica (RPC). Elegemos o JBP e a RBP por serem os periódicos psiquiátricos de mais ampla circulação no Brasil. A RPC foi escolhida por ser publicada pela universidade brasileira de maior produção científica, a Universidade de São Paulo (USP).

Excluímos deste estudo seções de cartas ao editor, seções de revisões de livros e artigos, biografias e obituários.

De posse dos artigos, montamos um banco de dados, em formato Excel versão 7.0, com as seguintes variáveis: tipo de artigo, desenho de pesquisa, campos de pesquisa, tópicos e alguns transtornos psiquiátricos importantes. Além destas, também incluímos outras informações, tais como: o título do artigo, a referência completa, os autores e respectivos endereços. Este último item permitiu a análise da produção científica de cada instituição.

Todos os artigos foram classificados por um único revisor (IF) para reduzir vieses ao categorizar cada um deles.

Para detectar as tendências temporais das variáveis tipo de pesquisa, desenho de pesquisa, tópicos, campos e transtornos mentais, analisamos todos os dados, distribuindo-os em três períodos de cinco anos: 1981 a 1985, 1986 a 1990 e 1991 a 1995.

Os critérios adotados para classificar cada uma das variáveis foram os seguintes:

Tipo de artigo

Para classificar o tipo de artigo de cada publicação, adotamos a classificação de Pincus e col.12, que tem as seguintes definições: 1) pesquisa – aqueles que apresentam dados originais, de primeira mão, coletados de modo sistemático, e que incluam alguma metodologia claramente delineada; 2) revisão – um exame da literatura previamente publicada, incluindo uma síntese das idéias existentes, das quais os autores não são a fonte primária; 3) relato de caso – uma apresentação de 10 ou menos relatos de casos que não contenham resumo estatístico; 4) opinião – editorial ou comentário especificamente marcado ou prontamente identificado; e 5) outros – categoria residual: outro tipo de revisão que não seja de pesquisa, como por exemplo, um ensaio do tipo opinião, não explicitamente rotulado como editorial.

Desenhos de pesquisa

Baseados ainda nas definições de Pincus e col.12, classificamos cada artigo de pesquisa em quatro categorias de desenho: 1) transversal – todas as medidas foram coletadas em um único momento do tempo; 2) caso-controle/ retrospectivo – dos efeitos para as causas, ou seja, sujeitos foram seguidos para trás no tempo; 3) coorte/prospectivo – estudos longitudinais nos quais sujeitos são seguidos para frente no tempo e a variável independente não envolve intervenções sistemáticas da parte do investigador; e 4) ensaio clínico (estudos experimentais) – tipo de pesquisa de coorte/prospectivo no qual sujeitos experimentam intervenções impostas pelos investigadores com o propósito de estudo. Dividimos ainda os ensaios clínicos em 3 subtipos: aberto; controlado e randomizado.

Campo de pesquisa e tópicos de pesquisa

A partir de uma adaptação da classificação de Pincus e col.12, os artigos foram divididos em 14 campos de pesquisa: 1) ciência básica/psicobiologia; 2) psicoterapia cognitivo/comportamental; 3) ciências humanas e sociais; 4) propedêutica/exames laboratoriais; 5) diagnóstico/nosologia/psicopatologia; 6) epidemiologia (populacional e clínica); 7) psicofarmacologia; 8) reabilitação psicossocial; 9) assistência psiquiátrica; 10) psicossomática/psiquiatria de ligação/hospital geral; 11) orientação psicanalítica; 12) outras psicoterapias; 13) saúde mental; e 14) outros.

Quanto aos tópicos, os artigos foram classificados em: 1) esquizofrenia/ transtornos psicóticos; 2) transtornos do humor/depressão unipolar; 3) transtornos de ansiedade/relacionados ao estresse; 4) transtornos/traços de personalidade; 5) transtornos do uso de substâncias; 6) transtornos alimentares; 7) transtornos orgânico-cerebrais; 8) suicídio; 9) transtornos da infância e da adolescência; 10) psicogeriatria; 11) transtornos dissociativo/ conversivos; 12) transtornos do sono; 13) sexo/ transtornos da sexualidade; e 14) outros.

Alguns transtornos psiquiátricos importantes

Identificamos os artigos que tinham como assunto principal um dos oito transtornos psiquiátricos que consideramos mais importantes do ponto de vista clínico/epidemiológico. Os transtornos estudados foram: alcoolismo (dependência/abuso), cocaína, depressão unipolar, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno do pânico, transtorno obsessivo compulsivo e fobia social. Para selecionar esses transtornos, utilizamos como referência os dados de recente estudo epidemiológico brasileiro15.

Dados Internacionais

Os dados sobre as publicações internacionais em psiquiatria foram obtidos a partir de um banco de dados organizado pelo Institute for Scientific Information (ISI), que contém os artigos brasileiros de todas as áreas do conhecimento, publicados de 1981 a 1995 em revistas indexadas pelo Science Citation Index. Para selecionar as publicações da psiquiatria, escolhemos duas sub-áreas classificadas pelo ISI de Psychiatry (PSI) e Clinical Psychology & Psychiatry (PSY). Foram excluídas as publicações classificadas pelo ISI de resumos de encontros, discussões e editorial, assim como as eventuais duplicatas, o que resultou em uma amostra com 150 publicações da psiquiatria brasileira no período.

Resultados

O banco de dados com os artigos das três revistas apresenta um total de 1.486 artigos publicados de 1981 a 1995. Destes, 1.016 (68,4%) foram veiculados pelo JBP, 387 (26,0%) pela RBP e 83 (5,6%) pela RPC. Em função do pequeno número de artigos da RPC (n= 83), optamos por proceder às análises dos desenhos de pesquisa, dos campos, dos tópicos e dos transtornos somente com os artigos do JPB e da RBP. Este pequeno número de artigos deve-se, entre outros motivos, ao fato de a RPC ter sido obrigada a interromper a sua publicação durante dois períodos: 1983-1984 e 1987-1992.

Tipos de artigos

Os tipos de artigo mais freqüentes foram os de: revisão (30,3%), opinião (27,3%), e pesquisa (26,1%) (Tabela 1). A análise da evolução temporal dos tipos de artigo mostra um aumento dos artigos de revisão e redução dos artigos de opinião (Figura 1), refletindo maior sistematização na transmissão do conhecimento. Contudo, localizamos somente um artigo utilizando meta-análise (técnica de revisão quantitativa).


Em relação aos artigos de pesquisa, verificamos que o número de trabalhos dobrou quando comparamos o primeiro com o terceiro período, de 96 para 188 (Figura 1).

Este crescimento deveu-se principalmente ao aumento do número de artigos de pesquisa no JBP, que no último período dobrou. Apesar do crescimento, a contribuição deste tipo de artigo foi de apenas 30,1% do total das publicações do último período.

Em termos numéricos, o JBP publicou a maioria dos artigos de pesquisa: 229 dos 388. Já em termos percentuais a RBP foi a que mais publicou: 37,7% (Tabela 1).

Desenhos de pesquisa

Localizamos 375 artigos de pesquisa no JBP e na RBP de 1981 a 1995 (Tabela 2). Os trabalhos classificados como transversal foram os tipos mais freqüentes de desenho de pesquisa, ocorrendo em 68,8% do total dos artigos de pesquisa. O desenho transversal também foi o que mais cresceu nos 3 períodos: de 50 para 138 (Figura 2). Os estudos experimentais corresponderam ao segundo desenho mais freqüente. Dos 77 artigos classificados como estudos experimentais, 46 são ensaios abertos, 17 são ensaios controlados não-randomizados e 16 são ensaios controlados randomizados. O número de ensaios controlados (randomizados e não-randomizados) manteve-se constante no decorrer dos períodos, apesar do aumento global do número de artigos de pesquisa. Os desenhos menos freqüentes foram o retrospectivo e o prospectivo. Em termos de estudo retrospectivo, localizamos somente dois artigos do tipo caso-controle.


Em termos numéricos, o JBP publicou 3,4 vezes mais estudos experimentais que a RABP/APAL: 59 vs 18 (Tabela 2).

Campos

Dentre os artigos classificados nesse item, os campos mais abordados foram psicofarmacologia, com 19,4% do total, diagnóstico/nosológico/ psicopatológico, com 16,0%, epidemiologia, com 9,4%, e assistência psiquiátrica, com 9,3% (Tabela 3).

Quanto às tendências dos campos, verificamos um incremento no número dos artigos de diagnóstico (de 59 para 91), epidemiologia clínica/populacional (de 33 para 62), psicossomática/interconsulta/hospital geral (de 13 para 34), propedêutica (de 4 para 17), ciências humanas (de 7 para 15) e cognitivo-comportamental (de 6 para 13), conforme mostra a Figura 3A. Notamos uma certa constância no número de artigos dos seguintes campos: assistência psiquiátrica, ciências básicas, psicofarmacologia, reabilitação psicossocial e saúde mental (Figura 3B) e uma leve tendência à redução dos campos referentes à psicanálise e outras psicoterapias (Figura 3C). e destaca no campo da psicofarmacologia que representa 22,7% do total da revista.


Tópicos

Os tópicos mais estudados durante os 15 anos no JBP e na RBP foram: transtornos do uso de substâncias (álcool/drogas), representando 11,6% do total dos artigos, transtornos de humor, com 10,6%, e esquizofrenia/ psicoses, com 9,3% (Tabela 4).

Alguns tópicos apresentaram um crescimento numérico nos três períodos: transtornos de humor, de 28 para 82 artigos, esquizofrenia/ transtornos psicóticos, de 33 para 53, e transtornos orgânico-cerebrais, de 4 para 27 (Figura 4A); e transtornos de ansiedade, de 17 para 67 artigos, alcoolismo/drogas, de 32 para 69, e transtornos alimentares, de 5 para 17 (Figura 4B).


Há tópicos importantes do ponto de vista clínico-epidemiológico que foram pouco estudados, por exemplo: os relacionados aos transtornos dissociativos/ conversivos, com apenas cinco artigos período, o que representa 0,4% do total de artigos e aos transtornos de personalidade, com 1,5% do total de artigos (figuras 4C e 4D).

Comparando os dois periódicos, na RBP predominaram publicações classificadas como transtornos do uso de substâncias (22,0%) e esquizofrenia/ transtornos psicóticos (8,8%); já no JBP preponderaram trabalhos sobre transtornos do humor/depressão unipolar (12,4%), esquizofrenia/transtornos psicóticos (9,4%) e transtornos de ansiedade (9,3%) (Tabela 4).

Alguns transtornos psiquiátricos importantes

Dos transtornos selecionados, verificamos que depressão, alcoolismo e esquizofrenia foram os mais freqüentes, contribuindo, respectivamente, com 7,3%, 6,6% e 5,6% do total de artigos do banco de dados (Tabela 5).

Importantes transtornos mostraram-se pouco freqüentes, dentre eles o transtorno bipolar, com somente 34 trabalhos, o que representa 2,4% do total. A análise anual não detectou nenhum artigo relacionado com o transtorno bipolar no JBP de 1985 a 1987 nem na RBP, nos períodos 1982-1985 e 1989-1993 (dados não mostrados). O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e os transtornos do uso de cocaína, também foram muito pouco estudados. Sobre o TOC, somente localizamos um artigo na década de 80, o restante (18 artigos) foi todo publicado no último período. Quanto ao transtorno do uso de cocaína, verificamos que foi o transtorno menos estudado, com apenas quatro artigos em todo o período, o que representa 0,3% do total de artigos. O JBP, em um período de 10 anos, não publicou nenhum artigo sobre o transtorno do uso de cocaína e a RBP nenhum artigo sobre o TOC.

Observamos o crescimento dos seguintes transtornos: depressão (de 17 para 57), fobia social (de 1 para 29), TOC (de 1 para 18) e pânico (de 6 para 13) (Figura 5A).


Quanto às revistas, o transtorno mais freqüente no JBP foi depressão (8,4% do total da revista) enquanto na RBP os artigos sobre o alcoolismo predominaram (10,8% do total da revista).

Instituições que mais publicaram artigos

As instituições com maior número de artigos na base nacional (1981-1995) são apresentadas na Tabela 6. Todas as seis instituições são universidades públicas e quatro delas estão localizadas no eixo Rio-São Paulo. Quanto às Instituições mais freqüentes em cada uma das revistas, observamos a preponderância de publicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no JBP (33,3%), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) na RBP (18,9% e 18,1%, respectivamente) e da USP na RPC (77,1%). Em relação à estratégia de publicação de cada uma das instituições, verificamos praticamente uma ausência de publicações da UFRJ na RABP/APAL e na RPC em face do seu volume de produção total. Outro fenômeno de concentração de publicações pode ser visto na RPC, onde a esmagadora totalidade dos artigos foi produzida por apenas uma das seis instituições, a USP.

Quanto às publicações internacionais, notamos uma acentuada presença de artigos da Unifesp, USP e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), refletindo maior visibilidade internacional por parte das Instituições paulistas.

Discussão

No período de 1981a 1995, os psiquiatras brasileiros estiveram expostos principalmente a artigos de opinião e de revisão. Os artigos de revisão desempenham um importante papel na educação continuada, principalmente nos países em desenvolvimento. O fato de os artigos de revisão terem aumentado e, os de opinião, diminuído, sugere uma melhoria da qualidade das informações passadas aos psiquiatras. Já os artigos de pesquisa, que representam a força científica da área, foram o terceiro tipo de artigo de maior freqüência.

A ênfase em pesquisa em psiquiatria nos EUA é muito maior do que no Brasil. Já na década de 60, as principais revistas psiquiátricas americanas publicavam um número e um percentual de artigos de pesquisa superior ao que os principais periódicos brasileiros publicaram no início da década de 90. Por exemplo, Brodie e Sabshin10 mostraram que 46% de todos os artigos (cerca de 4.100) publicados no American Journal of Psychiatry e no Archives of General Psychiatry, de 1962 a 1973, foram artigos de pesquisa. Posteriormente, ainda nesses dois periódicos americanos, Pincus e col.12 verificaram que, no período 1989-1990, cerca de 82% dos artigos eram de pesquisa. A comparação dos perfis brasileiro e americano mostra diferenças significativas em relação à produção de artigos de pesquisa, denotando a ênfase que os americanos dão a uma "psiquiatria-baseada em evidências".

Quanto aos desenhos de pesquisa, o mais freqüente no nosso estudo foi o corte transversal, que representou 68,8% dos artigos de pesquisa. Em estudos americanos, que analisaram as publicações de diversas áreas da medicina, também o desenho transversal mostrou-se o mais freqüente: na medicina geral16, otorrinolaringologia17, medicina de família18 e psiquiatria11, 12. Fletcher e Fletcher19 observaram um aumento de 25% para 44% na freqüência dos desenhos transversais, no período de 1946 a 1976, ao estudarem três periódicos médicos: The Journal of the American Medical Association, The New England Journal of Medicine e The Lancet. Esses dados indicam que a predominância dos artigos de corte transversal não é exclusiva das publicações da psiquiatria brasileira.

Segundo Hennessy e Greenberg13, a grande freqüência dos estudos transversais pode ser explicada: a) por serem mais facilmente executados, o que exige menos tempo e investimento logístico/financeiro, e b) pela natureza do "sistema de recompensa" em ciência, que estimula a competição acadêmica através da valorização de currículos com grande número de publicações, criando assim a mentalidade do "publicar ou perecer".

Observamos importantes carências na área dos desenhos de pesquisa, das quais destacaremos as principais: 1) Raríssimos estudos retrospectivos do tipo caso-controle. Santana e col.20, em revisão dos estudos epidemiológicos em saúde mental no Brasil, assinalaram que " Os estudos caso-controle, que se constituiriam, em termos de refinamento metodológico, em um passo intermediário na direção de estudos etiológicos, com relativa facilidade de desenvolvimento, são surpreendentemente raros em publicações nacionais". 2) Escassez de estudos prospectivos provavelmente decorrente da maior dificuldade de sua execução. Este fenômeno, no entanto, também foi observado em outros países19. 3) Virtual ausência de revisões quantitativas do tipo meta-análise. Embora não tivéssemos como objetivo discriminar entre revisões do tipo narrativas e quantitativas (meta-análise), detectamos a existência de apenas um artigo utilizando a metodologia meta-analítica. Essa tecnologia de revisão tem tido grande impacto em diversas áreas do conhecimento21. 4) Estagnação do número de ensaios controlados, área que requer maior infra-estrutura e amadurecimento científico e logístico dos grupos de pesquisa. O crescimento da pesquisa de eficácia terapêutica – com a utilização de ensaios randomizados controlados – é área vital para a consolidação de atos médicos baseados em evidências22 e requer esforços em conjunto da academia, indústria e governo.

Quanto aos tópicos focalizados nos artigos, o nosso levantamento evidenciou que os mais estudados foram: transtornos do uso de substância, transtornos do humor/depressão unipolar e esquizofrenia/transtornos psicóticos. Esses três tópicos correspondem a transtornos mentais graves e altamente freqüentes no Brasil15. Isso reflete uma preocupação da comunidade psiquiátrica em atender os principais problemas de saúde mental da população. Entretanto, considerando o número absoluto de trabalhos publicados, parece-nos que a produção de conhecimento nessas áreas deve ser mais estimulada, uma vez que são inúmeros os problema de saúde pública acarretados pelos transtornos abordados por esses três tópicos.

Já nos tópicos menos estudados, destacam-se os transtornos de personalidade, os transtornos orgânico-cerebrais (ex: demências, delirium) e os transtornos dissociativos/conversivos. Os transtornos orgânicos-cerebrais possivelmente são veiculados em revistas de neurologia e de medicina geral; já o pouco estudo dos transtornos de personalidade não se justifica, pois são prevalentes, muitas vezes extremamente incapacitantes, sendo comum influenciarem o prognóstico de transtornos mentais do eixo I.

Há tópicos que apresentam uma tendência forte de crescimento, como, por exemplo, os transtornos de ansiedade/relacionados ao estresse. De forma semelhante, Pincus e col.12 também notaram um crescimento dos artigos relacionados aos transtornos de ansiedade/estresse nos artigos publicados em duas importantes revistas americanas.

Quanto aos transtornos, os três mais freqüentes na nossa base de dados foram depressão, alcoolismo e esquizofrenia – todos muito importantes do ponto de vista da saúde pública1,5. Observamos, todavia, que alguns transtornos, igualmente importantes, foram focalizados em poucos artigos. No caso do transtorno bipolar, que é uma das principais psicoses, só foram localizados 34 artigos em todo o período analisado, o que corresponde a apenas 2,4% do total de 1.403 artigos. Sobre o tema cocaína, ocorre fenômeno ainda mais grave: somente quatro artigos (0,3% do total) nos 15 anos. Esse dado chama atenção, principalmente se consideramos os efeitos devastadores desta droga em uma população tão jovem como a brasileira. Já o transtorno obsessivo-compulsivo, ainda que pouco estudado, com apenas um artigo em toda a década de 80, vem crescendo de modo mais acentuado nos últimos anos, o que pode ser reflexo do aumento do número de grupos de pesquisa dedicados ao assunto.

Quanto às instituições mais freqüentes, notamos que apenas seis são responsáveis por 50% ou mais das publicações de cada revista. A maior parte das publicações do JBP e da RPC são oriundas das instituições responsáveis por elas, ou seja, a UFRJ e USP, respectivamente. Na RBP predominam os trabalhos das instituições de São Paulo, a USP e a UNIFESP. Nas publicações internacionais notamos que também predominam os grupos de São Paulo.

Dentre as limitações do presente estudo, pode-se apontar a parcialidade da amostra que focalizamos. Trabalhamos com uma amostra da produção psiquiátrica publicada em periódicos domésticos de psiquiatria. Não avaliamos todos os periódicos psiquiátricos nacionais, nem periódicos nacionais de outras especialidades médicas, onde poderiam ter sido publicados artigos da psiquiatria. Contudo, os periódicos escolhidos – Jornal Brasileiro de Psiquiatria e Revista Brasileira de Psiquiatria – são os de maior circulação no país, veiculando a maior parte de nossa produção nesta área da medicina. Quanto aos dados preliminares da produção científica internacional que apresentamos, cabe ressaltar que trata-se de uma amostra do que os psiquiatras brasileiras publicaram em revistas indexadas na prestigiosa base do Institute of Scientific Information (ISI). Para selecionar esta amostra, utilizamos dois descritores ligados exclusivamente à psiquiatria.

Para resumir, verificamos que apesar das publicações brasileiras em psiquiatria terem crescido, a produção científica da área é ainda insuficiente, principalmente se levarmos em conta a alta prevalência dos transtornos mentais no Brasil15, o ônus de sofrimento e o custo a que estão sujeitos os pacientes e a sociedade. Em estudo recente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que condições neuropsiquiátricas como a depressão unipolar, a dependência do álcool, o transtorno bipolar e a esquizofrenia estão entre as doenças que mais causam "anos vividos com incapacitação"23. A OMS considera que, em um futuro próximo, a importância dos transtornos mentais, em termos de saúde pública, será ainda maior. Por exemplo, a depressão unipolar deverá ser a segunda causa no mundo de "anos vividos com incapacitação", no ano 2020. O investimento na área de psiquiatria no Brasil é, portanto, crucial frente à prevalência, à morbidade e ao impacto sócioeconômico causados pelas doenças mentais.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Dra. Leila Perecmanis pelo auxílio durante o levantamento dos dados das publicações nacionais.

Correspondência

Ivan Figueira

Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Avenida Wenceslau Brás 71,

Fundos, Botafogo, CEP 22290-140, Rio de Janeiro, RJ.

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  • 1
    . Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ.
    2
    . Doutoranda do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ.
    3
    . Professor titular do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ.
    *
    Trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria da UFRJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jun 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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