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As primeiras revistas psiquiátricas no Brasil e no mundo

Memória

As primeiras revistas psiquiátricas no Brasil e no mundo

A produção e divulgação regular e criteriosa de artigos científicos são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer disciplina científica. Tais artigos permitem, de fato, o acúmulo e a troca de informações empíricas, o debate franco de idéias, a construção coletiva de saberes técnicos e teóricos. Tornam-se o palco para o exercício fecundo da crítica, sem a qual nenhuma ciência amadurece.

A primeira revista científica de psiquiatria foi a Magazin fuer die psychische Heilkunde (Jornal de Medicina Psíquica), cujo primeiro número surgiu em 1805, em Berlim1. Seguiram-se os Annales médico-psychologique-Paris, de 1843, e o American Journal of Insanity, de 1844 (renomeado posteriormente "American Journal of Psychiatry")2. Em Londres, apareceram, em 1848, o Journal of Psychological Medicine e, em 1853, o Asylum Journal (renomeado posteriormente British Journal of Psychiatry)3. Tais publicações foram organizadas basicamente pelos então chamados alienistas, médicos atuantes nos "asilos para alienados" do século XIX, assim como pelos primeiros pesquisadores universitários da disciplina. Viabilizaram, de certa forma, a psicopatologia moderna, através da coleta e exposição sistemática de observações clínicas detalhadas. Além disso, contribuíram para que o campo do alienismo fosse enriquecido com os debates sociais, clínicos e biológicos da medicina geral e das ciências humanas da época. Autores como Moreau de Tours, Charcot, Cottard, Jackson, Maudsley, Tamburini, Kahlbaum, Westphal, Kraepelin e Alzheimer, entre outros, utilizaram tais veículos para divulgar suas contribuições científicas2,3.

No Brasil, as primeiras revistas médicas começam a circular no início do século XIX. Apesar de a primeira publicação4 ter sido a Folha Medicinal do Maranhão, publicada em 10 de março de 1822, a maior parte delas surge na capital do Império, sob a liderança do médico francês radicado no Brasil, José Francisco Xavier Sigaud. Foram elas: em 1827, O Propagador das Sciencias Medicas ou Annaes de Medicina, Cirurgia e Pharmacia; em 1831; o Diário de Saúde e o Semanário de Saúde Pública, renomeado em 1835, Revista Médica Fluminense5. Duraram, no mais das vezes, alguns poucos anos. Representam, nesta fase inicial, a importação pura e simples das concepções médicas européias. Gradativamente vão surgindo artigos originais, relatando observações clínicas e debatendo questões locais relacionadas a endemias, epidemias e doenças crônicas, incluindo aqui as doenças mentais5.

O primeiro artigo específicos sobre a doença mental foi "Insania loquaz", de 1831, do Diretor da Faculdade de Medicina, José Martins da Cruz Jobim, publicado no Semanário de Saúde Pública. Em 1835, aparece no Diário de Saúde o significativo artigo de Sigaud; "Reflexões acerca do trânsito livre dos doidos pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro". Nele já se observa a preocupação pelo estado e destino social dos doentes mentais no Brasil6.

É, no entanto, no início do presente século que surgem os periódicos dedicados especificamente à psiquiatria (Tabela 1). O primeiro foi o Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Medicina Legal, fundado em 1905 por Juliano Moreira e Afrânio Peixoto5. Cabe ainda ressaltar que a primeira revista piquiátrica publicada na América Latina aparece em 1902, na Argentina. Trata-se da Archivos de Psiquiatria y Criminologia, fundada pelo psiquiatra e filósofo José Ingenieros7. As publicações dessa época revelam como, em seu início, a psiquiatria de um lado caminhou com a medicina legal e a criminologia e, de outro lado, com a neurologia. Ao longo deste século, estas disciplinas foram se tornando independentes, ganhando gradativamente identidades próprias.

Nas décadas de 20 e 30, surgem em nosso país periódicos que têm até hoje mantido um fluxo regular de publicações científicas. Exemplos são, em São Paulo, a partir de 1923, as Memórias do Hospital de Juquery e, em 1934, ligada ao meio universitário, a Revista de Neurologia e Psiquiatria (hoje, Revista de Neuropsiquiatria). Da mesma forma, organiza-se em Recife, a partir de 1932, por iniciativa de Ulysses Pernambucano, o Arquivos de Psicopatas de Pernambuco (a partir de 1938, Revista de Neurobiologia)6.

Finalmente, em 1952, surge, através do mestre José Leme Lopes, o Jornal Brasileiro de Psiquiatria, órgão do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1966, é fundada a Associação Brasileira de Psiquiatria, que logo ao nascer cria seu órgão de divulgação científica, a Revista Brasileira de Psiquiatria.

Paulo Dalgalarrondo

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

Referências

1. Mora G. Historical and Theoretical Trends in psychiatry. In: Kaplan HI, Sadock BJ. Comprehensive Textbook of Psychiatry-III. Baltimore: Williams and Wilkins; 1981. p. 4-98.

2. Ackerknecht E. Kurze Geschichte der Psychiatrie. Stuttgart, Enke ed.; 1967.

3. Postel J, Quétel C. Nouvelle histoire de la psychiatrie. Toulouse, Editions Privat; 1983.

4. Rezende JM. O primeiro periódico médico brasileiro. Jornal Brasileiro de História da Medicina 1998;1(1):3.

5. Machado R, Loureiro A, Luz R, Muricy K. Danação da norma: Medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1978.

6. Uchôa DM. Organização da psiquiatria no Brasil. São Paulo: Sarvier; 1981.

7. Mariátegui J. La psiquiatría en América Latina. Buenos Aires: Editorial Losada; 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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