Accessibility / Report Error

Psicoterapia na esquizofrenia

Psicoterapia na esquizofrenia

Márcia H Zanini

Programa de Esquizofrenia (Proesq), Unifesp/EPM

Introdução

A psicoterapia tem se mostrado um importante recurso terapêutico, associado ao tratamento farmacológico, na recuperação e na reabilitação do indivíduo esquizofrênico. Por meio de abordagens educativas, suportivas, interpessoais ou dinâmicas, visa-se recuperar o indivíduo no nível psíquico, interpessoal e social.

Objetivos da psicoterapia

Encontram-se resumidos a seguir os objetivos comuns, levantados por vários autores, que podem ser atingidos na psicoterapia de um paciente com diagnóstico de esquizofrenia:1-13

1. Oferecer continência e suporte.

2. Oferecer informações sobre a doença e modos de lidar com ela.

3. Restabelecer o contato com a realidade. O paciente deve ser capaz de reconhecer experiências reais e diferenciá-las das alucinatórias ou delirantes. Isso pode ser alcançado por meio do teste de realidade, feito pela intervenção direta do terapeuta ou pelos próprios pacientes no caso da psicoterapia de grupo.

4. Integrar a experiência psicótica no contexto de vida do paciente, ou seja, dar um sentido à experiência psicótica.

5. Identificar fatores estressores e instrumentalizar o paciente a lidar com os eventos da vida. Os fatores desencadeantes de crises estão intimamente relacionados com as recaídas e o prognóstico da doença. Discutir formas de suportar, modificar ou compreender melhor as situações vividas pelos pacientes podem ajudá-los a ter uma melhor evolução na sua doença. Algumas estratégias usadas são a busca de solução de problemas e o planejamento de metas, conseguidas pela orientação direta do terapeuta ou por discussões grupais.

6. Desenvolver maior capacidade de diferenciar, reconhecer e lidar com diferentes sensações e sentimentos.

7. Crescimento emocional associado à mudança nos padrões de comportamento, resultando em melhora na qualidade de vida e na adaptação social fora do setting terapêutico.

8. Conquista de maior autonomia e independência. Aumentando-se a capacidade de gerenciar a própria vida, melhora-se também a auto-estima.

9. Diminuição do isolamento. Outro sintoma proeminente nos pacientes esquizofrênicos é o autismo. Em geral, esses pacientes apresentam pouca possibilidade de troca e de registro de experiências negativas no contato com as pessoas – geralmente paranóides. A oportunidade de experimentarem contatos positivos, individualmente ou em grupo, pode possibilitar a diminuição do autismo.

10. Observação dos pacientes. Pode-se observar, durante o processo psicoterápico, o funcionamento e o comportamento dos pacientes - de esquiva, de inibição, de desconfiança ou de inadequação - como também, a presença de sintomas psicopatológicos - delírios, alucinações, auto-referência, depressão, entre outros. Essa observação pode ajudar o clínico na avaliação de determinado paciente. É mais aconselhável que a consulta clínica seja realizada por um psiquiatra que não seja o terapeuta do paciente. O que modifica as características dos diferentes tipos de intervenção será a ênfase dada a um ou outro objetivo.

O papel do terapeuta

Os pacientes esquizofrênicos geralmente apresentam pouca condição de suportar altos níveis de tensão. Por isso, o terapeuta deve ser ativo e monitorar a expressão dos afetos no encontro terapêutico, criando, assim, um clima de compreensão, respeito e empatia. Podem-se sugerir temas, estimular a participação e organizar a conversa, ou seja, coordenar ativamente a sessão. Sua fala deve ser concreta e de fácil entendimento, aproximando-se ao máximo do universo e da linguagem dos pacientes. Algumas intervenções possíveis do terapeuta são: afirmação, conselho, validação, encorajamento, reforço, clarificação, confrontação, elaboração e atribuição de significado. O processo de interpretação é um caso especial de atribuição de significado. Ele tem, geralmente, o sentido de tornar conscientes pensamentos e sentimentos que, anteriormente, eram inconscientes. Os grupos terapêuticos não são tão eficazes como as sessões individuais na revelação de processos emocionais inconscientes. Na psicoterapia de pacientes esquizofrênicos, as interpretações são mais úteis quando se referem a sentimentos que estão obviamente presentes (como os inferidos diretamente de expressões faciais ou gestos), mas que não estão acessíveis à percepção consciente do indivíduo. A interpretação da transferência deve ocupar um pequeno espaço no tratamento. O terapeuta deve ser habilidoso ao colocar suas intervenções para não confrontar demais ou desautorizar os pacientes.

Esses pacientes podem fazer projeções no terapeuta e distorcerem a realidade. Um terapeuta menos neutro ajudará o paciente a discriminar o que é fantasia do que não é. É mais adequado trabalhar com o momento atual, no aqui e agora, e fazer pouca investigação ou alusões ao passado. Muitos pacientes têm dificuldade em discriminar memória de fantasia.

É necessário ao terapeuta conter, compreender, processar e devolver em palavras ou atitudes o que está sendo vivenciado na sessão. Só assim haverá uma maior chance da psicoterapia ser eficaz.

Uma outra tarefa importante do terapeuta é a de estar atento para oferecer a intervenção adequada àquele determinado tipo de paciente, naquela determinada fase da doença. Não superestimar os pacientes, nem oferecer uma proposta aquém das suas capacidades.6,9,11,12,14-16

Seleção e encaminhamento de pacientes

A eficácia da psicoterapia exige que o diagnóstico seja um passo essencial no processo. Uma avaliação e um diagnóstico cuidadosos ajudam a determinar se o paciente é adequado para a psicoterapia e, se for, qual o tipo de abordagem que lhe será de maior benefício.

Para avaliação e fornecimento de informações, é interessante que sejam feitas entrevistas individuais com cada paciente antes do ingresso numa psicoterapia. Essa prática contribui para o aumento da taxa de adesão ao tratamento.17

Desse modo, devem-se considerar no paciente o diagnóstico nosológico, o grau de comprometimento e o tempo de evolução da doença, os sintomas psicopatológicos predominantes, a fase da doença, a capacidade de adaptação a situações de estresse, as circunstâncias de vida, a forma habitual de relacionar-se, as defesas predominantemente usadas, a eficácia ou não no controle e expressão dos impulsos e dos afetos, a capacidade de distinguir os sentimentos ou emoções como provenientes do seu mundo interno ou externo, a capacidade de expressão verbal, o estilo de comunicação e a existência de um tema ou área problemática que se destaque dentre outras.18

Além disso, deve-se avaliar a motivação do paciente para o tratamento. Caso não exista, considerar a possibilidade de criar estratégias de mobilização ou sensibilização. As habilidades ou preferências dos pacientes e as experiências anteriores positivas ou negativas devem ser consideradas.

Pode ser necessária a mobilização da família. Uma família mobilizada pode contribuir estimulando o paciente, facilitando o seu acesso ao tratamento ou reforçando a sua importância.

A partir desses elementos, pode-se ter uma idéia da condição do paciente, qual sua demanda e suas necessidades primordiais, e fazer uma avaliação da capacidade de tolerância ou suportabilidade do paciente ao setting terapêutico (seja ele em grupo ou individual).

Também é necessário considerar, nas intervenções grupais, os objetivos de cada grupo. Para a formação de grupos novos é interessante buscar a maior homogeneidade possível, seja nas características individuais de cada paciente ou nas suas necessidades, para assim facilitar a coesão.

Para cada intervenção, dependendo dos seus objetivos, haverá diferentes critérios de inclusão e de exclusão. Utilizando-se o modelo tridimensional para a classificação de sintomas psicopatológicos em negativos, positivos e de desorganização,19-21 sugerimos que:5,8,9,12

a) Pacientes com predomínio de sintomas positivos intensos podem não se beneficiar de intervenções grupais. Enquanto não haja estabilização de seu quadro clínico, com a conseqüente redução dos sintomas, esses pacientes, em geral, não devem ser incluídos em grupos. Uma possibilidade, nesses casos, pode ser a intervenção psicoterápica individual. O terapeuta poderá acompanhar o paciente durante sua recuperação, oferecendo suporte e continência e, posteriormente, encaminhá-lo a um grupo. Entretanto, em grupos coesos é possível a inclusão de pacientes com sintomas positivos moderados. Os outros pacientes podem funcionar como auxiliares daqueles mais sintomáticos. Um certo conteúdo psicótico, abertamente apresentado, pode ser útil para estimular debates.

b) Pacientes com predomínio de sintomas negativos podem se beneficiar de grupos psicoterápicos e de intervenções individuais. Ainda que não participem ativamente, podem aproveitar a experiência. É importante avaliar o grau de ameaça que o paciente sente no contato com o outro antes de encaminhá-lo a um grupo.

c) Para pacientes com predomínio de sintomas de desorganização, são mais indicadas intervenções em terapia ocupacional.

Pacientes estáveis com razoável controle dos sintomas podem se beneficiar de diferentes formas de intervenções psicoterápicas. Nesses casos, a complexa gama de variáveis individuais e grupais precisará ser considerada na decisão da melhor indicação. O enfoque poderá estar na recuperação das habilidades sociais, na aceitação da doença, na diminuição do isolamento, no desenvolvimento emocional, no resgate da história individual, entre outros. Os vários objetivos poderão se distribuir em diferentes tipos de intervenções individuais e grupais, como por exemplo, grupos operativos, grupos interpessoais, psicoterapia individual, terapia ocupacional individual ou grupal. A psicoterapia grupal pode combinar-se à psicoterapia individual em diferentes momentos no decurso do tratamento. Os efeitos terapêuticos de uma abordagem adicionam-se à outra e amplificam-se.22-24 É recomendado, portanto, que a equipe terapêutica organize um plano de tratamento moldado para cada paciente.

Correspondência:

Márcia H Zanini

Rua Antônio Felício, 85 - CEP 04530-060 São Paulo, SP

Tel.: (0xx11) 852-9614 - E-mail: marciazanini@uol.com.br

  • 1. Coursey RD. Psychotherapy with persons suffering from Schizophrenia: The need for a new agenda. Schizophr Bull 1989;15(3):349-53.
  • 2. Mcintosh DRN, Stone WN, Grace MM. The flexible boundaried group: Format, techniques and patients' perceptions. Int J Group Psychother 1991;41(1):49-64.
  • 3. Vinogradov S, Yalom ID. Manual de psicoterapia de grupo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1992.
  • 4. Kanas N. Group therapy with Schizophrenic patients: a short-term, homogeneous aproach. Int J Group Psychother 1991;41(1):33-48.
  • 5. Kanas N. Psicoterapia de grupo com esquizofręnicos. In: Kaplan HI, Sadock BJ, orgs. Compęndio de psicoterapia de grupo. 3a ediçăo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1996.
  • 6. Soares PFB, Mirândola LA. Psicoterapia psicodinâmica para psicóticos. In: Cordioli VA, org. Psicoterapias: Abordagens atuais. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1993.
  • 7. Gilbert S, Ugelstad E. Patients' own contributions to long-term supportive psychotherapy in Schizophrenic disorders. Br J Psychiatry 1994;164Supl 23:84-8.
  • 8. Mcglashan TH. What has become of the Psychotherapy of Schizophrenia? Acta Psychiatr Scand 1994;90Supl 384:147-52.
  • 9. Geczy B, Sultenfuss J. Group Psychotherapy on State Hospital Admission Wards. Int J Group Psychother 1995;45(1):1-15.
  • 10. American Psychiatric Association Pratice Guidelines. Practice guideline for the treatment of patients with schizophrenia. Am J Psychiatry 1997;154(Suppl 4):1-49.
  • 11. Bruscato WL. Psicoterapia individual na Esquizofrenia. In: Shirakawa I, Chaves AC, Mari JJ, editores. O desafio da Esquizofrenia. Săo Paulo (SP): Lemos Editorial; 1998.
  • 12. Zanini MH, Cabral RRF. Psicoterapia de grupo na Esquizofrenia. In: Shirakawa I, Chaves AC, Mari JJ, editores. O desafio da Esquizofrenia. Săo Paulo (SP): Lemos Editorial; 1998.
  • 13. Fenton WS, Mcglashan TH. Esquizofrenia: Psicoterapia individual. In: Kaplan HI, Sadock BJ, editores. Tratado de Psiquiatria. 6a ediçăo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1999.
  • 14. Gabbard GO. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1992. p. 54-5, 78-9, 121-3.
  • 15. Weiner MFW. Papel do líder na psicoterapia de grupo. In: Kaplan HI, Sadock BJ, orgs. Compęndio de psicoterapia de grupo. 3a ediçăo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1996.
  • 16. Sultenfuss J, Geczy B. Group therapy on State Hospital Chronic Wards: Some guidelines. Int J Group Psychother 1996;46(2):163-75.
  • 17. Salvendy JT. Seleçăo e preparaçăo dos pacientes e organizaçăo do grupo. In: Kaplan HI, Sadock BJ, orgs. Compęndio de psicoterapia de grupo. 3a ediçăo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1996.
  • 18. Cordioli A. Avaliaçăo do paciente para psicoterapia. In: Cordioli VA, org. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1993.
  • 19. Andreasen NC, Nopoulos P, Schultz S, Miller D, Gupta S, Swayze V, et al. Positive and negative symptoms of Schizophrenia: Past, present and future. Acta Psychiatr Scand 1994;90Supl 384:51-9.
  • 20. Remington GJ. The long term of Schizophrenia. Can J Psychiatry 1995;40(Suppl 1):3S-5S.
  • 21. Elkis H. Contribuiçăo para o estudo da estrutura psicopatológica multifatorial da Esquizofrenia. Rev Psiquiatr Clin 1997;23-24 (4/1-3): 34-35.
  • 22. Gans JS. Broaching and exploring the question of combined group and individual therapy. Int J Group Psychother 1990;40(2):123-37.
  • 23. Lipsius SH. Combined individual and group psychotherapy: Guidelines at the interface. Int J Group Psychother 1991;41(3):313-28.
  • 24. Porter K. Psicoterapia individual e grupal combinadas. In: Kaplan HI, Sadock BJ, orgs. Compęndio de psicoterapia de grupo. 3a ediçăo. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2000
  • Data do Fascículo
    Maio 2000
Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: editorial@abp.org.br