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Comentário sobre os encontros de Ulysses Vianna Filho com Franco Basaglia

carta aos editores

Comentário sobre os encontros de Ulysses Vianna Filho com Franco Basaglia

INTRODUÇÃO

Vinte anos separam a morte do ilustre professor italiano de psiquiatria Franco Basaglia da do nosso eminente professor brasileiro de psiquiatria Ulysses Vianna Filho.

Como editor científico e autor da apresentação de um livro esgotado no Brasil, em todas as suas edições,1 e que foi relançado em primeira edição italiana no ano de 2000, como parte das comemorações à memória de Basaglia, sinto-me, nesse mesmo ano em que perdemos Vianna Filho, motivado a relembrar, ainda que fragmentos, os debates estabelecidos entre ambos, provavelmente pouco conhecidos pela comunidade psiquiátrica brasileira.

O encontro

Franco Basaglia e Ulysses Vianna Filho debateram no Rio de Janeiro** Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979. Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979. e em Belo Horizonte.*** Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979. Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979. Vamos destacar alguns pontos altos desse extraordinário debate:

Vianna Filho: "(...) Não defendemos o modelo repressor da psiquiatria. Defendemos o outro modelo, e quando o prof. Basaglia diz que devemos defender o homem nos seus três aspectos (bio-psico-social), é isso que fazemos (na Associação Brasileira de Psiquiatria)."

Basaglia: "(...) Estou de acordo com o professor. Acho que no Brasil existe um despontar na vontade de mudança. Permito-me sugerir que seria necessário que a Associação Brasileira de Psiquiatria apoiasse todas as tentativas de mudança, dando cobertura técnica e científica a essa mudança."

Vianna Filho: "(...) É este o desafio que assumimos na direção da ABP. Sentimos que devemos mudar o comportamento dos psiquiatras frente aos doentes mentais. Essa foi a posição que defendemos oficialmente no Congresso de Camboriú, quando assumimos o compromisso de reformar a assistência psiquiátrica, transformá-la numa assistência para atendimento da população e não numa assistência elitista."

Basaglia: "(...) Há um pessimismo incrível com relação ao nosso trabalho (assistência psiquiátrica), que é o pessimismo da razão. No lugar do pessimismo da razão nós propomos o otimismo da prática."

Vianna Filho: "(...) Creio que foi esse pessimismo que levou a todos os movimentos 'antis' que eclodiram na década de 60: antipsiquiatria, antipsicanálise, anticiência, antiliteratura... A meu ver, isto representa uma crise do racionalismo do século XX, essa crise que, no seu excesso, levou o mundo a duas guerras mundiais."

Basaglia: "(...) Eu aproveito para precisar, e tenho testemunhas presentes, que jamais falei de 'anti'. Eu não sou um antipsiquiatra porque esse é um tipo de intelectual que eu rejeito. Eu sou um psiquiatra que quer dar ao paciente uma resposta alternativa àquela que foi dada até agora."

Uma breve reflexão

Esse curto diálogo entre Basaglia e Ulysses me faz recordar a frase predileta da minha querida mestre em história, Helena Pignatari Werner: "Povo sem memória, povo sem história."

É dessa falta de memória, geradora da impossibilidade de construir a verdade histórica, que se sustentam movimentos 'antis' e movimentos 'prós' manicomiais. Para seus militantes, Ulysses não passa de um conservador e Basaglia, de um antipsiquiatra. Ainda bem que atualmente os psiquiatras e outros profissionais de saúde mental no Brasil me parecem cada vez mais distantes desses radicalismos, e é justamente nesse ponto que residem as nossas esperanças de uma profunda reformulação na política brasileira de saúde mental e, conseqüentemente, no surgimento de novos modelos assistenciais em psiquiatria.

Gabriel R Figueiredo

Faculdade de Ciências Médicas da

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

REFERÊNCIAS

1. Basaglia F. A psiquiatria alternativa: conferências no Brasil. São Paulo (SP): Brasil Debates; 1979.

Recebido em 25/8/2000. Aceito em 14/12/2000.

** Debate ocorrido no anfiteatro da Associação Médica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 1o. de julho de 1979.

  • * Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979.
    Debate ocorrido no Hospital das Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 29 de junho de 1979.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Mar 2001
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