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Qual a melhor opção: desenvolver questionários nacionais ou traduzir e validar questionários internacionais?

Carta aos Editores

Qual a melhor opção: desenvolver questionários nacionais ou traduzir e validar questionários internacionais?

O artigo de Pechansky, Hirakata e Metzger "Adaptação e validação de um questionário sobre comportamentos de risco para AIDS em usuários de droga em Porto Alegre", publicado neste periódico, merece elogios pelo seu rigor metodológico e o estímulo para o desenvolvimento de uma discussão importante nesta área. Qual a melhor opção: desenvolver questionários nacionais que respeitem mais a cultura e as características dos usuários de drogas de nosso país (e com isto perder a "comparabilidade" internacional) ou traduzir e validar questionários internacionais?

Por que os autores decidiram traduzir e validar o questionário discutido no artigo em questão? Apresenta-se a justificativa da ausência de similares em nosso país. Todavia, alguns estudos já utilizaram questionários para avaliar comportamentos de risco para HIV/AIDS em usuários de drogas injetáveis de nosso meio.1,2 Eles poderiam ser utilizados em nossas pesquisas. O primeiro questionário é resultado de um esforço internacional, iniciado em 1989, para uniformizar as metodologias visando comparabilidade entre estudos realizados em diferentes países. Esta iniciativa foi gerenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que desenvolveu um estudo multicêntrico em 13 cidades (duas no Brasil: Rio de Janeiro e Santos).3 Apesar de extenso (185 perguntas), já existe uma experiência nacional com esse instrumento. O uso de questionários mais breves traz em si a facilidade e a economia de tempo, mas pode diminuir a confiabilidade do relato.4

O segundo estudo,2 citado no artigo em questão, também desenvolveu um questionário para tal fim. É um questionário desenvolvido empiricamente, metodologicamente rigoroso e que, embora ainda sem a validação e avaliação de confiabilidade, tem o mérito de ter sido elaborado respeitando as particularidades e características do usuário de drogas de nosso país.

Há ainda uma outra discussão possível em relação à validação de questionários para avaliação de comportamentos de risco para HIV. Será que há a necessidade de validação? Estes questionários avaliam se determinado indivíduo apresenta ou não um determinado comportamento como, por exemplo, usar ou não preservativo e a freqüência desse comportamento (nunca, às vezes, sempre, etc). As entrevistas, como ressaltam Dunn & Laranjeira, não são usadas para se fazer diagnóstico nem medir um conceito, e, sendo assim, questiona-se a necessidade da validação.2

Talvez mais importante que a validação seja a testagem da confiabilidade do relato do usuário. A falta da avaliação quanto à confiabilidade teste-reteste no artigo em questão impõe uma limitação importante ao estudo. A avaliação da confiabilidade do relato é considerada fundamental nesta área de pesquisa, visando dar subsídios para a discussão com diversos pesquisadores/estudiosos da área, que põem em dúvida a confiabilidade das informações, inclusive quanto ao status sorológico, obtidas em relatos de usuários de álcool e drogas.5

André Malbergier

Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

REFERÊNCIAS

1. de Carvalho HB, Mesquita F, Massad E, Bueno RC, Lopes GT, Ruiz MA et al. HIV and infections of similar transmission patterns in a drug injectors community of Santos, Brazil. J Acquir Immune Defic Synd Hum Retrovirol 1996;12:84-92.

2. Dunn J, Laranjeira RR. Desenvolvimento de entrevista estruturada para avaliar consumo de cocaína e comportamentos de risco. Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):11-6.

3. World Health Organization (WHO). WHO collaborative study group on drug abuse: an international compartaive study of HIV prevalence and risk behavior among drug injectors in 13 cities. Bull Narc 1993;45:19-46.

4. Hunter GM, Stimson GV, Judd A, Jones S, Hickman M. Measuring injecting risk behaviour in the second decade of harm reduction: a survey of injecting drug users in England. Addict 2000;95(9):1351-61.

5. Lindan CP, Avins AL, Woods WJ, Hudes ES, Clark W, Hulley SB. Levls of HIV testing and low validity of self-reported test results among alcoholics and drug users. AIDS 1994;8(8):1149-55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2002
  • Data do Fascículo
    Out 2002
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