Acessibilidade / Reportar erro

O impacto da pesquisa no porvir da saúde mental do Brasil

EDITORIAL

AUTORES CONVIDADOS

O impacto da pesquisa no porvir da saúde mental do Brasil

Jair de Jesus MariI; José Miguel Caldas de AlmeidaII

IDepartamento de Psiquiatria da UNIFESP/EPM

IIPrograma de Saúde Mental da OPAs

O presente editorial pretende resumir os principais pontos abordados sobre a importância da pesquisa para os países em desenvolvimento, em encontro realizado recentemente na Cidade do Cabo "Research for Change. Research on Mental Health and Substance Abuse in Developing Countries. Cape Town, 3rd to 6th December 2002". A nossa participação contou com a apresentação do artigo – The Role of an Editor in a Developing Country: The Brazilian Case, onde descrevemos a situação atual das revistas científicas no Brasil, e em particular, o projeto da Revista Brasileira de Psiquiatria. Neste editorial, passamos a enfocar as principais preocupações da OMS, com repercussão para o caso brasileiro.

O Brasil encontra-se numa situação de transição epidemiológica, com aumento significativo da longevidade e redução das taxas de fertilidade. O país ainda não erradicou os problemas de saúde decorrentes da pobreza, como as infecções intestinais e respiratórias, e tem de responder a uma nova demanda das condições emergentes da mudança demográfica, com o incremento das doenças crônico-degenerativas e dos transtornos mentais. Houve também, nas últimas décadas, uma mudança de perfil demográfico, de rural para urbano. A maioria da população brasileira mora em grandes centros urbanos, com populações acima de meio milhão de habitantes. Essa explosão habitacional ocorreu através da formação de conglomerados na periferia, onde a infra-estrutura de saneamento e transporte é precária, a renda familiar é baixa, há pouca opção de lazer e a convivência com a violência é parte do cotidiano. A adversidade social e a pobreza atuam no incremento de um grupo de transtornos mentais e comportamentais (estados de ansiedade e depressão, abuso e dependência de álcool e drogas, AIDS, obesidade e psicopatia social). O impacto econômico dessa morbidade na saúde geral da população é substancial, ainda que nossos formadores de políticas, não tenham a devida consciência da magnitude do problema.

Em face a todos esses problemas, a formação de profissionais de saúde mental no país é fortemente influenciada pelo mercado. O número de psiquiatras é próximo ao suficiente, mas encontram-se concentrados nos grandes centros urbanos, atuando em consultórios particulares. Observa-se no país o efeito da "lei dos cuidados invertidos", onde a população de baixa renda e com aumento de morbidade, não recebe cuidados mínimos em saúde mental, enquanto uma parcela privilegiada da população, recebe mais atenção do que precisa.1 A resultante é bem conhecida em nosso meio. Mesmo em São Paulo, estado mais rico da nação, não se consegue dar um atendimento condigno para pacientes com esquizofrenia.2

O que a pesquisa pode contribuir para a mudança desta situação? O espírito da pesquisa propicia ao profissional de saúde mental a busca do estado de arte do conhecimento, o questionamento crítico e a criatividade. Com o aprimoramento da pós-graduação decorrente do controle de qualidade do sistema de avaliação da CAPES, do Ministério da Educação, e de uma certa estabilidade de financiamento do CNPQ, do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Brasil vem conquistando uma posição melhor no cenário internacional. O país participa hoje com 1,2% da produção científica publicada em revistas indexadas. A participação da área médica é de apenas 0,5%, sendo que a produção em psiquiatria e saúde mental perfaz 2% da produção brasileira, quando o esperado é de 6%. A presença da epidemiologia é incipiente, podendo observar-se avanços importantes em neurofisiologia e genética. Um desafio importante para o país seria o de promover investigações que pudessem integrar as ciências sociais (epidemiologia e etnografia) e as ciências comportamentais (neurociências).

O aumento da produção científica em psiquiatria e saúde mental tem se dado também com melhora da qualidade. São vários os autores nacionais que atingiram reconhecimento internacional. Contudo, há uma área que precisa de maior atenção no país. O sistema de saúde mental é caótico, desumano e desintegrado. Praticamente não há pesquisa sobre os serviços de saúde mental no país. Do ponto de vista da pesquisa, é necessário testar modelos assistenciais integrados, que sejam adaptados ao contexto social e cultural, e que possam dar uma cobertura eficiente aos casos mais graves. Do ponto de vista da formação, tem-se de desenvolver programas educacionais para gestão em saúde mental, capacitando estes profissionais em ciências sociais, epidemiologia, bioestatística, antropologia e economia da saúde. É preciso também desenvolver pesquisas e políticas de atenção à saúde mental às áreas urbanas carentes.

O país está mobilizado para combater e resgatar seus excluídos, e reduzir a desigualdade social. O desafio da Associação Brasileira de Psiquiatria e dos formadores de políti

cas públicas, será o de desenvolver um modelo assistencial integrado, de forte caráter humanista, que possa de fato responder às necessidades da população.

Referências

1. Lima MS, Hotopf M, Mari JJ, Béria JU, Bastos ABD, Mann A. Psychiatric disorder and the use of benzodiazepines: An example of the inverse care law from Brazil. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1999;34:316-22.

2. Leitão RJ, Ferraz MB, Mari JJ. A prevalence based cost of illness study of schizophrenia in Sao Paulo State, Brazil. Schizophrenia Res 2002;53(3):259.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: editorial@abp.org.br