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Indução de mania durante o tratamento com antidepressivos no transtorno bipolar

Manic episodes during antidepressant treatment in bipolar disorder

Resumos

OBJETIVOS: Realizar uma revisão da literatura sobre a mania induzida por antidepressivos, sua incidência, quadro clínico, fatores de risco e tratamento. MÉTODOS: Foi realizado um levantamento no Medline dos artigos publicados entre 1970 e 2001. Foram incluídos estudos abertos e controlados bem como relatos de caso com casuística maior que cinco pacientes. RESULTADOS: Mania induzida e mania espontânea parecem ter apresentações clínicas distintas, sendo a mania induzida mais leve e breve. Os fatores de risco para mania induzida ainda não estão bem estabelecidos. CONCLUSÃO: Existe um número muito limitado de estudos controlados e prospectivos sobre a mania induzida. Os antidepressivos estão associados a um aumento no risco de indução de mania. Este risco pode variar dependendo da droga utilizada. Portanto, os antidepressivos devem ser utilizados em pacientes bipolares considerado-se tanto a eficácia clínica como os potenciais efeitos sobre o curso da doença.

Depressão bipolar; Antidepressivo; Tratamento; Efeitos adversos; Iatrogenia


OBJECTIVES: To review the literature on antidepressant-induced mania, its incidence, clinical presentation, risk factors and treatment. METHODS: A Medline search of studies published between 1970 and 2001 was carried out. Open and controlled studies as well as case series with data from more than five patients were included. RESULTS: Antidepressant induced mania may differ clinically from spontaneous mania with a milder severity and shorter duration. The risk factors have not been established. CONCLUSION: A very limited number of prospective and controlled studies on antidepressant-induced mania have been published. Antidepressants have been associated with an increased risk of inducing mania. This risk may vary according to the drug utilized. Therefore antidepressants should be used in bipolar patients based on clinical efficacy as well as the potential effects on the course of the illness.

Bipolar depression; Antidepressant; Treatment; Side effects; Iatrogenia


ARTIGO REVISÃO

Indução de mania durante o tratamento com antidepressivos no transtorno bipolar

Manic episodes during antidepressant treatment in bipolar disorder

Renata S Tamada; Beny Lafer

Projeto de Assistência e Pesquisa em Transtorno Afetivo Bipolar do Grupo de Doenças Afetivas (Proman). Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Renata Sayuri Tamada Grupo de Doenças Afetivas (GRUDA) – IPQ/ HCFMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, s/n Cerqueira César 05403-010 São Paulo, SP, Brasil E-mail: rstamada@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Realizar uma revisão da literatura sobre a mania induzida por antidepressivos, sua incidência, quadro clínico, fatores de risco e tratamento.

MÉTODOS: Foi realizado um levantamento no Medline dos artigos publicados entre 1970 e 2001. Foram incluídos estudos abertos e controlados bem como relatos de caso com casuística maior que cinco pacientes.

RESULTADOS: Mania induzida e mania espontânea parecem ter apresentações clínicas distintas, sendo a mania induzida mais leve e breve. Os fatores de risco para mania induzida ainda não estão bem estabelecidos.

CONCLUSÃO: Existe um número muito limitado de estudos controlados e prospectivos sobre a mania induzida. Os antidepressivos estão associados a um aumento no risco de indução de mania. Este risco pode variar dependendo da droga utilizada. Portanto, os antidepressivos devem ser utilizados em pacientes bipolares considerado-se tanto a eficácia clínica como os potenciais efeitos sobre o curso da doença.

Descritores: Depressão bipolar. Antidepressivo. Tratamento. Efeitos adversos. Iatrogenia.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To review the literature on antidepressant-induced mania, its incidence, clinical presentation, risk factors and treatment.

METHODS: A Medline search of studies published between 1970 and 2001 was carried out. Open and controlled studies as well as case series with data from more than five patients were included.

RESULTS: Antidepressant induced mania may differ clinically from spontaneous mania with a milder severity and shorter duration. The risk factors have not been established.

CONCLUSION: A very limited number of prospective and controlled studies on antidepressant-induced mania have been published. Antidepressants have been associated with an increased risk of inducing mania. This risk may vary according to the drug utilized. Therefore antidepressants should be used in bipolar patients based on clinical efficacy as well as the potential effects on the course of the illness.

Keywords: Bipolar depression. Antidepressant. Treatment. Side effects. Iatrogenia.

Introdução

Nos últimos anos houve significativo aumento do número de estudos publicados sobre o tratamento do Transtorno Bipolar. A maior parte destes diz respeito às fases de mania e profilaxia, sendo que o tratamento dos episódios depressivos tem recebido menor atenção.1 Uma das possíveis explicações para o pequeno número de ensaios com antidepressivos em pacientes bipolares é o risco de indução de episódio de mania associado ao uso dessas drogas, denominada mania induzida.

Relatos de caso e estudos prospectivos sugerem que os antidepressivos podem induzir mania nos pacientes bipolares em 0 a 94,5% dos casos, dependendo do critério utilizado, da história prévia do paciente, do uso concomitante de estabilizadores do humor e do antidepressivo utilizado.2-6 Além disso, a literatura também sugere que o uso de antidepressivo pode aumentar a frequência dos episódios, podendo levar à ciclagem rápida.7

Assim, a escolha da abordagem adequada para o paciente com depressão bipolar depende não só do conhecimento sobre a eficácia dos tratamentos existentes, mas também dos riscos associados. Deste modo, o clínico deve ser cauteloso na escolha do antidepressivo para não precipitar novo episódio de mania ou induzir ciclagem rápida, que poderiam levar a uma evolução mais maligna da doença nesses pacientes.

Neste sentido, foi realizada revisão da literatura dos últimos 30 anos sobre mania induzida por antidepressivo, através de pesquisa bibliográfica no Medline. Foram considerados apenas os estudos com casuística maior que cinco pacientes. Focalizamos o risco associado às diferentes classes de antidepressivos e os fatores clínicos relacionados ao Transtorno Bipolar. Discutimos também se a apresentação clínica da mania induzida difere da mania espontânea e revisamos os relatos recentes sobre o aparecimento de fases de mania associadas à interrupção do uso de antidepressivos. Ao final, baseados nos dados revistos, discutimos as suas implicações no tratamento da depressão bipolar.

Mania induzida por antidepressivos

Ao longo dos últimos 20 anos, o fenômeno da indução de mania com o uso de antidepressivos vem sendo descrito principalmente através de relatos de casos e estudos retrospectivos. Embora parte dos artigos não tenha feito distinção clara entre pacientes com transtorno unipolar ou bipolar, os dados geralmente apontam para uma maior taxa de mania induzida por antidepressivos em pacientes bipolares quando comparados a unipolares.7-9 É importante ressaltar que os critérios para se considerar se a mania foi ou não induzida pelo antidepressivo variaram de acordo com o autor, o que pode ter contribuído para os resultados relatados.10-12

Prien et al13 observaram taxa de 67% de ocorrência de mania em bipolares após cinco a 24 meses de terem iniciado tratamento com imipramina, comparados com 33% em pacientes que receberam placebo e 12% que receberam lítio. Bunney14 realizou revisão de 80 publicações, analisando 3.922 pacientes unipolares e bipolares que receberam tricíclicos ou inibidores da monoamino-oxidase e relatou taxa de 9,5% de virada para mania ou hipomania em pacientes que usaram antidepressivos. Wehr & Goodwin7 analisaram dados de 12 ensaios duplo-cegos com tricíclicos e inibidores da monoamino-oxidase, controlados com placebo em pacientes unipolares e bipolares, e observaram taxa de virada induzida por antidepressivo de 6-7% para hipomania e 1-2% para mania, sendo estas taxas significativamente maiores do que no grupo que recebeu placebo. Bottlender et al15 realizaram análise retrospectiva com 158 pacientes com depressão bipolar e observaram que 39 pacientes (25%) viraram para mania durante tratamento antidepressivo, sendo que 23 (15%) apresentaram hipomania e 16 (10%), mania. Pacientes que apresentaram a virada foram mais freqüentemente tratados com tricíclicos do que com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e inibidores irreversíveis da monoamino-oxidase (IMAO) quando comparados àqueles que não viraram. Os estabilizadores de humor parecem ter reduzido o risco de virada, porém não foram suficientes para impedí-la, já que neste estudo 59% dos pacientes que viraram estavam em uso de estabilizadores de humor.

Alguns autores criticaram os trabalhos sobre mania induzida, pois alguns destes foram retrospectivos e não utilizaram grupo controle. Para se implicar o antidepressivo no processo de virada para mania seria necessário incluir grupo controle para se comparar à incidência de mania em pacientes não expostos a ele, ou seja, para verificar se a taxa de mania no grupo que faz uso de antidepressivo é maior do que no grupo controle. Assim, alguns autores incluíram em seu estudo um grupo controle que recebeu placebo. Dentro desta abordagem, Lewis & Winokur16 realizaram análise retrospectiva com 137 pacientes unipolares e 157 pacientes bipolares, e observaram que a taxa de mania induzida por tricíclicos foi de 23% enquanto no grupo controle (sem antidepressivos) a incidência de mania espontânea foi de 34%. A maioria dos pacientes que apresentaram virada para mania tinha o diagnóstico de transtorno bipolar (20/23=87%). A freqüência de mania induzida com os tratamentos foi: tricíclicos 23%; eletroconvulsoterapia (ECT) 14%; IMAO 25%; lítio 10%; sem tratamento 34%. Lewis & Winokur concluíram que os antidepressivos não aumentaram o risco de virada para mania. Várias críticas foram feitas a este estudo, por apresentar falhas metodológicas importantes, que comprometem suas conclusões: o número da amostra foi pequeno, a análise foi retrospectiva, houve diferença na distribuição de sexos nos dois grupos e também houve viés na seleção dos pacientes.

Angst8 em estudo prospectivo avaliou 254 pacientes com diagnóstico de admissão de depressão unipolar ou bipolar. Entre os 209 unipolares observou taxa de virada para hipomania de 8% e entre os 45 bipolares, de 33%. Em análise retrospectiva, 906 pacientes unipolares e bipolares admitidos em episódio de depressão foram avaliados e observou-se taxa de virada para mania de 2% para bipolares e de 2,7% (1920-1957) a 4,6% (1958-1981) para unipolares. Em relação ao tempo para ocorrência da virada, os dados retrospectivos mostraram grande simetria no tempo de virada de depressão para mania e de mania para depressão: em média, as ciclagens ocorreram no dia 120 do episódio e 50 dias após a internação. A média de duração do episódio foi de 4,1 meses em 215 bipolares. O artigo concluiu que a ciclagem de mania para depressão ou de depressão para mania é um fenômeno da evolução natural do transtorno bipolar, e que, portanto, não seria induzida pelo tratamento.

Altshuler et al10 realizaram estudo retrospectivo e não cego, avaliado através de afetivograma, com 51 pacientes refratários e observaram aparecimento de episódios de mania em 82% dos casos. Entretanto, em somente 35% dos casos os episódios de mania foram atribuídos aos antidepressivos; nos outros 47%, a virada para mania foi considerada evolução natural da doença. Para a mania ser considerada atribuída ao antidepressivo, o episódio foi avaliado através de três itens:

1. Proximidade: deveria ocorrer no máximo oito semanas após o início do tratamento antidepressivo;

2. Mudança de padrão: o episódio não era esperado, seja pela mudança de ordem dos episódios, seja pela ocorrência do episódio;

3. Mudança na gravidade: o episódio é mais grave do que os anteriormente apresentados, ou houve aceleração dos ciclos após o início do tratamento.

Boerlin et al12 seguiram 29 pacientes de maneira naturalística, que apresentaram 79 episódios depressivos ao longo dos anos; o tratamento consistiu de estabilizadores de humor em monoterapia ou em combinação com antidepressivos. Observou-se virada para mania em 28% dos episódios, sendo grave em 10% dos pacientes. Comparativamente, a taxa de virada para mania foi de 26% no grupo com estabilizadores e de 29% no grupo de associação, ou seja, não houve diferença significativa de virada para mania entre os dois grupos, sugerindo que o antidepressivo não aumentaria o risco de virada para mania.

Classes de antidepressivos associadas à indução de mania

A tabela a seguir mostra relatos de casos e estudos controlados de mania induzida por antidepressivo; nesta tabela foram incluídos apenas aqueles com casuística maior a cinco pacientes (Tabela). Observa-se que a taxa de ciclagem para mania com IMAO varia entre 16,6% a 50%, e dos tricíclicos, de 7,7% a 94,7%. O pequeno número de análises comparativas com outras classes limita parcialmente as conclusões. Os dados disponíveis até aqui sugerem que a mania está mais comumente associada aos tricíclicos e IMAOs, talvez explicada pelo fato dessas drogas estarem em uso há décadas, o que permitiu observação mais detalhada dos seus efeitos no curso do transtorno bipolar.

Os estudos controlados conduzidos em depressão bipolar entre 1968 e 1989 compararam os efeitos antidepressivos agudos da monoterapia com lítio versus placebo, mas não relataram taxas de mania induzida. A taxa de virada para mania pode ter sido tão baixa que não houve interesse em sequer relatar o fenômeno.

Existem cinco estudos controlados no tratamento da depressão bipolar. O primeiro, realizado por Sachs et al4 , foi um ensaio comparativo entre desipramina (10 pacientes) e bupropiona (nove pacientes). Nele, não houve diferença na eficácia, mas observou-se menor taxa de indução de sintomas maníacos/hipomaníacos no grupo com bupropiona (50% no grupo de desipramina e 11,1% no de bupropiona).

O segundo, realizado por Young et al,5 foi um estudo randomizado de 10 semanas comparando lítio e paroxetina (35 pacientes) com lítio e imipramina (39 pacientes) e lítio e placebo (43 pacientes). A eficácia da paroxetina e da imipramina não foi superior à do placebo. Não houve relato de mania induzida por paroxetina. O grupo da imipramina teve mais virada para mania do que o grupo placebo: no geral: 8% x 2% ; litemia alta: 6% x 0% e litemia baixa: 11% x 5%, respectivamente.

O terceiro, realizado por Silverstone,22 foi um estudo randomizado, comparando moclobemida e imipramina em depressão bipolar por oito semanas. Foram incluídos 54 pacientes em cada grupo e o uso de estabilizadores de humor não foi permitido. Foi observada eficácia similar nos dois grupos (69% x 74%, respectivamente), mas houve menor taxa de ciclagem com moclobemida. O resultado também favoreceu a moclobemida em outros dois parâmetros: escala de Young maior ou igual a 10 com o uso do antidepressivo: moclobemida 9,3% x imipramina 13%; e presença de sintomas maníacos suficientes para levar à diminuição do antidepressivo: 3,7% x 11,1%, respectivamente.

O quarto estudo, randomizado, com duração de sete semanas, foi realizado por Calabrese et al,1 e comparou lamotrigina 50mg (66 pacientes) com lamotrigina 200 mg (63 pacientes) e placebo (66 pacientes). A lamotrigina foi significativamente mais efetiva na dose de 200 mg do que o placebo (51% x 26%). Neste trabalho, a virada para mania foi considerada efeito adverso e não houve maior taxa de virada no grupo de lamotrigina quando comparado a placebo (5,4% x 4,6%, respectivamente). Este foi o primeiro estudo a avaliar a taxa de mania espontânea através do uso de placebo.

O último estudo foi realizado por Nemeroff et al,6 que avaliaram 117 pacientes com depressão bipolar, divididos em três tipos de tratamento: paroxetina, imipramina ou placebo, durante 10 semanas. Não houve diferença significativa entre os grupos em termos de eficácia global, mas a paroxetina e a imipramina foram superiores ao placebo nos pacientes com menor litemia. Não houve virada para mania no grupo que recebeu paroxetina, mas no grupo de imipramina e placebo a taxa foi de 7,7% e 2,3% respectivamente.

Baseados nos quatro primeiros estudos, Calabrese et al25 recomendaram o uso de lamotrigina, paroxetina e moclobemida em pacientes com história prévia de virada para mania induzida por antidepressivo e para pacientes com história de ciclagem rápida, pois estes antidepressivos apresentariam as menores taxas de ciclagem. A recomendação do uso de moclobemida na depressão bipolar tanto por eficácia como por segurança é corroborada pelo trabalho mais recente de Silverstone.26 Outro antidepressivo, também considerado eficaz e seguro no tratamento da depressão bipolar, é a bupropiona, conforme sugerido pelos estudos realizados por Fogelson et al21 e Sachs et al,4 e adotado nos guidelines da American Psychiatric Association.27

Nos pacientes com transtorno bipolar tipo II, ainda não há consenso sobre o uso de estabilizadores de humor, e nos episódios depressivos, muitas vezes, o tratamento é realizado com antidepressivo em monoterapia, já que alguns estudos mostraram baixas taxas de virada.24,28 Existem dois ensaios controlados do uso de antidepressivos em depressão bipolar tipo II,23,24 e ambos compararam unipolares e bipolares no tratamento em monoterapia com venlafaxina (150 a 225 mg/d) e com fluoxetina (20 mg). Os autores observaram eficácia semelhante nos dois grupos, sendo que não houve virada para mania com venlafaxina (nem nos unipolares nem nos bipolares). No estudo com fluoxetina, os pacientes bipolares apresentaram taxa de virada para mania de 3,85% versus 0,3% nos unipolares. Haykal & Akiskal,3 em ensaio aberto, analisaram a eficácia da bupropiona em seis pacientes e observaram melhora importante em todos os pacientes, sendo que nenhum apresentou virada para mania nem aceleração do ciclo.

Gravidade da mania espontânea versus mania induzida

Stoll et al11 compararam 49 pacientes com mania induzida por antidepressivo a 49 pacientes com mania espontânea, de maneira retrospectiva e cega, através de afetivograma. Observaram que os episódios de mania induzida eram mais breves que os de mania espontânea. Os pacientes com mania induzida também apresentaram quadros mais leves do ponto de vista de delírios, alucinações, agitação psicomotora e comportamento bizarro. Aqueles em uso de antidepressivo foram divididos em quatro grupos: tricíclicos, fluoxetina, IMAO e bupropiona; os que fizeram uso de IMAO e bupropiona apresentaram menor gravidade à admissão do que os pacientes em uso de tricíclicos e fluoxetina. Os autores sugeriram ainda que mania espontânea e mania induzida por antidepressivos sejam entidades clínicas diferentes.

Por outro lado, Howland29 observou 11 pacientes que apresentaram episódio de mania durante o uso de ISRS, e descreveu episódios graves, com presença de sintomas psicóticos e extrema agitação, mas com boa resposta ao tratamento.

Himmelhoch et al18 avaliaram a eficácia da tranilcipromina comparada à da imipramina na depressão bipolar anérgica. Observaram que 21% dos pacientes em uso de tranilcipromina e 25% dos pacientes em uso de imipramina evoluíram para mania ou hipomania. A mania ocorreu mais precocemente nos pacientes em uso de imipramina do que naqueles em uso de tranilcipromina (médias de 5,8 semanas e 9,2 semanas, respectivamente). Cinco dos pacientes tratados com imipramina viraram para mania sem preencher critérios para resposta antidepressiva, e foram considerados como portadores de mania mista ou estado misto; três destes necessitaram de internação. Por outro lado, cinco dos pacientes tratados com tranilcipromina apresentaram virada para mania após resposta antidepressiva; nenhum deles necessitou de internação, sugerindo quadro de intensidade mais leve.

Simpson & de Paulo,19 em sua avaliação da eficácia da fluoxetina no tratamento da depressão bipolar, seguiram 16 pacientes com transtorno afetivo bipolar tipo II, e observaram que, destes, dois apresentaram hipomania na dose de 20 mg/d, mas ficaram eutímicos quando a frequência da administração da medicação foi diminuída. Outro paciente evoluiu para estado misto com 40 mg/d, mas também ficou eutímico depois da diminuição da dose. Estes casos sugerem episódios induzidos de intensidade leve, de fácil manejo terapêutico e rápida resolução.

Fatores associados à mania induzida

A identificação de fatores de risco para o desenvolvimento da mania induzida é de extrema importância, pois auxilia na identificação de pacientes nos quais os antidepressivos devem ser evitados.

Nasrallah et al30 observaram que os pacientes que apresentaram mania induzida por tricíclicos eram mais jovens do que aqueles que não viraram; tinham idade de início da doença mais precoce, maior frequência de internações e de história de doença psiquiátrica na família outra que não alcoolismo entre parentes de primeiro grau. Boerlin et al12 observaram que os pacientes com maior número de episódios prévios de mania apresentaram maior risco de virada para mania. Os dados relatados por Kupfer et al28 não corroboraram estas observações, já que os autores não observaram associação entre idade e frequência de episódios com hipomania na população de bipolares (tipo II). Quitkin et al31 observaram em seu estudo que as mulheres tinham maior vulnerabilidade a recaídas de episódios de mania com o uso de antidepressivo tricíclico.

Kukopulos et al32 sugeriram que pacientes bipolares com curso natural caracterizado por ciclos de depressão-mania-eutimia apresentam maior tendência de apresentar mania induzida por antidepressivo, quando comparados aos pacientes com o padrão mania-depressão-eutimia.

Henry et al33 analisaram 44 pacientes com depressão bipolar, e compararam os que apresentaram mania induzida com aqueles que não apresentaram, e não observaram diferença em relação a sexo, idade ou diagnóstico (transtorno bipolar tipo I ou II).

Goldberg et al34 realizaram seguimento com 53 pacientes bipolares tipo I ou II e seus achados sugeriram que múltiplas exposições a antidepressivos e dependência ou abuso de substância psicoativa poderiam estar associados a um maior risco de mania induzida por antidepressivo.

Mania na suspensão de antidepressivos

O desenvolvimento de sintomas maníacos durante a interrupção dos antidepressivos foi inicialmente observado em pacientes unipolares.35,36

Shriver et al37 realizaram estudo com 39 pacientes bipolares e observaram que 12 (15%) dos 79 episódios de mania nestes pacientes ocorreram após duas semanas do início da suspensão de antidepressivos nestes pacientes, sendo que sete (58,3%) estavam associados a ISRS, três (25%) a IMAO, um (8,3%) a ISRN e um (8,3%) a tricíclico. Goldstein et al36 avaliaram 73 pacientes através do afetivograma realizado prospectivamente e analisaram episódios de mania que se iniciaram durante a suspensão do antidepressivo. Foram encontrados seis casos; todos os pacientes estavam em uso de estabilizadores de humor e de antidepressivos em média há seis meses. Os primeiros sintomas de mania apareceram em média duas semanas após o início da interrupção. Esses casos de mania estavam em uso de ISRS – três pacientes, tricíclicos – dois pacientes e inibidor seletivo da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) – um paciente. A duração do episódio de mania foi em média de 27,8 dias. Esses seis casos sugerem que eventualmente pode ocorrer um efeito paradoxal quando o antidepressivo é interrompido, apesar do uso adequado de estabilizadores de humor.

Discussão

Até o início dos anos 90 um número muito limitado de ensaios controlados no tratamento da depressão bipolar foi publicado e o uso de antidepressivos nesses pacientes se baseava principalmente na literatura sobre depressão unipolar. Esses estudos não abordaram o risco de indução de mania por não ser pertinente à população analisada. Os dados existentes sobre o problema vinham de descrições de casos e estudos abertos. Nos últimos anos foram realizadas pesquisas controladas na depressão bipolar com maior número de pacientes, que permitiram melhor avaliação da eficácia assim como da segurança, principalmente em relação ao risco de virada para mania.

A definição de mania induzida varia de autor para autor, o que pode ter contribuído para resultados tão variados de taxas de virada para mania na literatura. Além disso, ainda não existem critérios objetivos e padronizados que permitam dizer se o quadro de mania observado foi de fato induzido pelo antidepressivo, ou se faz parte da evolução natural do transtorno naquele paciente. Neste sentido, a inclusão de grupo controlado por placebo é muito importante porque permite observar a taxa de ocorrência de mania espontânea e compará-la à taxa de mania induzida. Dados como história prévia do paciente, padrão da doença, gravidade do episódio atual, tempo em uso de antidepressivo e aparecimento de sintomas de mania, parecem importantes nesta diferenciação.

Os estudos mostram diferença clínica entre a mania espontânea e a mania induzida, sendo que os pacientes com mania induzida tendem a apresentar episódios mais leves (menor presença de sintomas psicóticos e necessidade de internação) e breves do que os com mania espontânea,11,18,38 sendo também de fácil manejo terapêutico e rápida resolução.19 Tais dados sugerem que mania espontânea e mania induzida por antidepressivo são entidades clínicas distintas.

Existem poucos trabalhos que tentaram identificar fatores de risco para o desenvolvimento de mania induzida, e seus achados nem sempre são concordantes. São considerados possíveis fatores de risco: idade de início da doença mais precoce, maior frequência de internações prévias, maior frequência de episódios prévios de mania, padrão evolutivo de depressão-mania-eutimia, múltiplas exposições a antidepressivos e dependência ou abuso de substância psicoativa. Embora estes dados ainda precisem ser confirmados através de novos estudos, sugere-se evitar o uso de antidepressivo nos pacientes que tenham estas características.

Em função dos riscos apresentados, as recomendações no tratamento das depressões bipolares leves e moderadas têm enfatizado a importância do uso inicial de um estabilizador de humor. Em depressões graves, nas quais o uso de antidepressivo seja indispensável, sugere-se a prescrição de paroxetina, bupropiona, tranilcipromina e lamotrigina, pela segurança e eficácia. Nos casos mais graves e refratários, recomenda-se IMAO ou venlafaxina.

O tratamento da mania ou hipomania induzida por antidepressivo é similar ao do quadro espontâneo; a diferença principal é o passo inicial. Nos quadros leves ou moderados, a redução gradual do antidepressivo muitas vezes pode ser suficiente para a remissão dos sintomas, enquanto os quadros mais graves requerem interrupção do antidepressivo, otimização do estabilizador de humor em uso e associação de antipsicóticos e/ou benzodiazepínicos até remissão completa dos sintomas.39,40

A mania induzida por antidepressivo e sua abordagem ainda representam um grande desafio para o clínico. Novos estudos prospectivos e controlados são necessários para sua caracterização clínica e validação do quadro dentro do espectro do transtorno bipolar. Além disso, os fatores de risco precisam ser identificados para que este efeito colateral dos antidepressivos seja minimizado e o uso dos psicofármacos seja otimizado nos pacientes bipolares. Neste sentido, dois tipos de estudos podem ser realizados. O primeiro, com o intuito de caracterizar melhor a mania induzida e seu tratamento, comparando pacientes com mania induzida e mania espontânea, em relação às características clínicas dos pacientes, características do episódio e evolução. E o segundo, com o objetivo de conhecer os fatores de risco associados, seguindo prospectivamente pacientes com depressão bipolar e comparando aqueles que apresentam virada para mania pelo uso de antidepressivo com aqueles que não apresentam.

Trabalho financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - Processo n 99/02079-4)

Recebido em 19/11/2001

Aceito em 29/10/2002

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2003

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2001
    • Aceito
      29 Out 2002
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