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O valor de publicar-se resultados negativos de ensaios clínicos randomizados: o estudo de Rosenheck

CARTAS AOS EDITORES

O valor de publicar-se resultados negativos de ensaios clínicos randomizados: o estudo de Rosenheck

Maurício Silva de LimaI; Bernardo Garcia de Oliveira SoaresII

IUniversidade Federal de Pelotas e Universidade Católica de Pelotas, Brasil; Institute of Psychiatry, Londres, Reino Unido; e Eli Lilly Brasil

IICentro Cochrane do Brasil e Universidade Federal de São Paulo, Brasil

Sr. Editor

Nos últimos anos tem sido dada atenção ao problema do viés de publicação. Está bem estabelecido que artigos com resultados negativos (quando a hipótese nula não é excluída) têm menor probabilidade de serem publicados do que estudos que favorecem uma determinada intervenção.

Um artigo de Rosenheck et al.,2 publicado em 23 de Novembro de 2003 no Journal of The American Medical Association (JAMA), relatou resultados negativos (sem diferenças) em desfechos clínicos randomizados ao comparar olanzapina com haloperidol, associados a benzitropina, no tratamento da esquizofrenia. Esses achados, no entanto, não estão de acordo com a Revisão Sistemática Cochrane que incluiu 20 ensaios clínicos randomizados (ECRs).3 Nessa Revisão, a olanzapina apresentou vantagens em comparação aos antipsicóticos de primeira geração em termos de melhora dos sintomas negativos.

No estudo de Rosenheck, de um total de 4.386 indivíduos avaliados, 2.141 foram elegíveis para inclusão e apenas 309 foram randomizados. Esse processo de inclusão restritivo limita a generalização dos resultados e resultou em uma amostra de pacientes com doença de maior tempo de duração e com média de idade de 45 anos (em estudos com olanzapina a média está em torno de 35 anos). Numa população mais crônica com esquizofrenia, esperam-se diferenças menores entre os dois tratamentos.3 Portanto, a falta de poder estatístico poderia ser uma explicação para os resultados negativos desse estudo.

Contudo, a principal crítica a essa publicação é um princípio simples que não foi mencionado pelos autores: espera-se que, somente devido ao acaso, alguns estudos não encontrem diferenças significativas em uma ou mais medidas de desfechos. De acordo com o Teorema do Limite Central,4 espera-se que 5% do conjunto dos estudos apresentem resultados extremos (mais de dois desvios-padrão da média) ou que 32% deles fiquem além de um desvio-padrão acima da média real.

É essencial que revistas de alto impacto, como o JAMA, publiquem estudos com resultados negativos para que os leitores possam ter uma noção real de como diferentes amostras de pacientes (em ECRs) produzem resultados diferentes. Se uma companhia farmacêutica financia o estudo, isso é realmente crucial.

As regras gerais das estatísticas médicas, tais como estimativas de amostras, heterogeneidade de populações e seu processo de seleção, devem sempre ser consideradas. Para a melhor atenção aos pacientes individuais, ao avaliar a informação científica, os resultados negativos são mais do que bem-vindos tanto pelas revistas médicas como pelos seus leitores, mas suas conclusões têm que ser consideradas sob uma ótica mais abrangente, no contexto de outros estudos similares.

Referências

1. Sutton AJ, Duval SJ, Tweedie RL, Abrams KR, Jones DR. Empirical assessment of effect of publication bias on meta-analyses. British Medical Journal 2000;320(7249):1574-7.

2. Rosenheck R, Perlick D, Bingham S, Liu-Mares W, Collins J, Warren S, et al. Effectiveness and cost of Olanzapine and Haloperidol in the treatment of schizophrenia. A randomized controlled trial. JAMA 2003;290:2693-702.

3. Breier A, Schreiber JL, Dyer J, Pickar D. National Institute of Mental Health longitudinal study of chronic schizophrenia. Prognosis and predictors of outcome. Arch Gen Psychiatry 1991;48(3):239-46.

4. Kirkwood B. Confidence interval for a mean. In: Kirkwood B. Essential of Medical Statistics. London: Blackwell Scientific Publications; 1988.

Conflito de interesses: Maurício Silva de Lima é Gerente Médico de Neurociências do Laboratório Eli Lilly do Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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