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Uso de gabapentina nos transtornos da personalidade do grupo B - DSM- IV

CARTAS AOS EDITORES

Uso de gabapentina nos transtornos da personalidade do grupo B – DSM- IV

Hilda C P MoranaI; Maria Laura Ramalho OliviII; Claudiane Salles DaltioIII

IInstituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIServiço Público de Saúde de São Paulo - SUS-SP

IIIInstituto Psiquiátrico da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo IPq-HC FMUSP

Sr. Editor,

Muitos profissionais são céticos quanto ao tratamento dos Transtornos de Personalidade (TP), por considerá-lo prolongado e insatisfatório.1

A refratariedade terapêutica dos TP não pode ser deduzida do rótulo diagnóstico em si, mas da avaliação do conjunto dos fatores da personalidade e do funcionamento global do indivíduo. A identificação de aspectos psicopatológicos relacionados com a excitabilidade, o padrão do humor, a labilidade emocional e a tolerância às frustrações são importantes na questão do tratamento, podendo ser acessíveis à abordagem medicamentosa, psicoterapêutica e à reabilitação psicossocial. O adequado desenvolvimento dos sentimentos sociais, como capacidade de considerar o outro e consciência ética, são fatores decisivos para tal. O ambulatório especializado em TP no Instituto de Psiquiatria HC-FMUSP (IPq) teve início em 1999, com o objetivo de tentar intervir precocemente sobre estes pacientes, buscando a prevenção do comportamento infrator, comum na história de vida de tais sujeitos. No período de junho de 2002 a junho de 2003, foram contabilizados 137 pacientes portadores de TP atendidos nos ambulatórios do IPq. Deste total de pacientes, 40 (29,19%) foram atendidos no ambulatório especializado em TP.

Observou-se que muitos deles tinham uma longa história de atendimentos e internações psiquiátricas, sem melhora do comportamento, além de representarem ônus à família e à sociedade.

As principais queixas referiam-se à agressividade, hostilidade, impulsividade, imediatismo, irresponsabilidade, sugestionabilidade, falta de prospecção, instabilidade afetiva e laborativa, tendência a mentir com freqüência, uso de drogas (sem dependência), comportamento voluntarioso e insensibilidade ao outro. Alguns já haviam praticado crimes contra pessoas, como tentativa de homicídio, roubo, estupro e lesão corporal, raramente com conseqüências legais, por não terem sido delatados.

Vários estudos em neuropsicofarmacologia sugerem um substrato biológico para o TP, o que poderia ser amenizado por uma intervenção psicofarmacológica.2 Fez-se opção pela gabapentina, devido ao seu provável efeito inibitório na neurotransmissão cerebral,3 reduzindo a hiper-excitabilidade psíquica, distinta daquela vista no Transtorno do Humor.

O objetivo deste estudo observacional foi avaliar a melhora do comportamento em pacientes com TP do grupo B (DSM-IV) através do uso de gabapentina.

O diagnóstico foi firmado através dos critérios internacionais (CID-10; DSM-IV) e, em alguns casos, utilizando-se de instrumentos de avaliação da personalidade (Prova de Rorschach e PCL-R).4,5 A intervenção foi psicoterapêutica e medicamentosa.

Foram tratados 29 pacientes (8 com TP anti-social; 13 tipo impulsivo; 7 tipo histriônica e 1 tipo narcisista), na dose máxima de 1.200 mg/dia de gabapentina, isoladamente ou em concomitância com outras drogas (neurolépticos, estabilizadores do humor e benzodiazepínicos). Em 23 (79,9%) constatou-se, através de relatos dos próprios pacientes e de seus responsáveis, melhora do quadro inicial após 6 semanas de tratamento, com diminuição da agressividade, da impulsividade, do comportamento anti-social e do abuso de drogas. Houve, também, melhora da capacidade de concentração e prospecção, e maior interesse por atividades produtivas. Nenhum outro medicamento utilizado neste serviço trouxe resultados satisfatórios neste número de pacientes e duração de tratamento.

São necessários estudos com casuística mais ampla e bem controlada, no futuro, para verificar o achado positivo relatado.

Referências

1. Cawthra R, Gibb R. Severe personality disorder – whose responsibility? Br J Psychiatry v. 173; 1998. p. 8-10.

2. Bloom FE, David MD, Kupfer J. Psychopharmacology: the fourth generation of progress. Am Coll Neuropsychopharmacol v.30. p. 2002. Available at: http://www.acnp.org/g4/GN401000152/Default.htm. Access in May 2003.

3. Herranz JL. Gabapentin: its mechanisms of action in the year 2003. 2003;(12);1159-65.

4. Silveira A. Prova de Rorschach: elaboração do psicograma. São Paulo: Edbras; 1985.

5. Morana H. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de dois subtipos da personalidade; transtorno global e parcial. Doctorate thesis submitted to the University of São Paulo. São Paulo, SP; 2004. Available at www.teses.usp.br.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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