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Uso de fluoxetina no transtorno delirante - subtipo somático

CARTAS AOS EDITORES

Uso de fluoxetina no transtorno delirante – subtipo somático

Lucas de Castro QuarantiniI; Maria Conceição do Rosário-CamposI; Susana Carolina Batista-NevesI; Ângela Miranda-ScippaI; Aline Santos SampaioII

IServiço de Psiquiatria do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia

IIDepartamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Sr. Editor,

Os transtornos delirantes caracterizam-se pela presença de uma idéia inabalável, circunscrita de conteúdo não bizarro e sem deterioração da personalidade. Os delírios são monotemáticos e possíveis de ocorrer na vida cotidiana como traição ou estar infectado. O período mínimo do quadro deve ser de um mês.1

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela ocorrência de obsessões e/ou compulsões. As obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, intrusivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios e que causam ansiedade. Compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos que o indivíduo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão para reduzir a ansiedade ou prevenir algum evento determinado.1

A correlação entre transtorno delirante – subtipo somático (TDSS) e TOC é pouco conhecida, mas que chama a atenção pelas diversas semelhanças entre os mesmos.2

IMS, 65 anos, doméstica, negra, católica, ensino primário incompleto. Queixava-se, no ano de 2001, de prurido generalizado, que atribuía à presença de pequenos insetos na sua pele, há um ano. Foi encaminha pelo serviço de dermatologia, após serem excluídas causas físicas para as queixas. Cuidava intensamente da limpeza da casa, temendo que sua neta e seu filho se infestassem e ainda evitava tocá-los. A paciente apresentava pensamento delirante, monotemático, referente à infestação pelos insetos. Sensopercepção com indícios de alucinações cenestésicas. Não apresentava crítica da doença psíquica. Sem outras alterações psicopatológicas ou déficits cognitivos. Exame neurológico e tomografia de crânio normais.

Foi formulado diagnóstico de TDSS e iniciado tratamento. Utilizou-se pimozide 8 mg diários por sete meses, trifluoperazina 10 mg por seis meses, haloperidol 10 mg por cinco meses. A elevação da dose das medicações foi limitada pela ocorrência de efeitos extra-piramidais. Utilizou-se ainda risperidona 3 mg, que descontinuou após 15 dias por não adesão. Não cursou com melhora. Passou a apresentar novas ritualizações para certificar-se do estado de sua pele, o que diminuía sua ansiedade. Foi decidido iniciar tratamento com fluoxetina 40 mg ao dia, devido aos sucessivos fracassos com antipsicóticos e baseando-se em algumas experiências relatadas na literatura.2 Após dois meses de tratamento, a paciente encontrava-se praticamente assintomática, com crítica quanto a estar infestada e não se preocupando com a transmissão para familiares.

A aproximação entre TDSS e TOC deve-se a semelhanças clínicas como ocorrência de pensamentos intrusivos e recorrentes, não deterioração da personalidade e comportamentos de verificação e limpeza corporal. Alguns autores propuseram que pacientes portadores de TOC com crítica prejudicada pertenceriam a um subtipo diferente, dentro de um espectro esquizo-obsessivo, enquanto outros incluíram o TDSS entre as condições psiquiátricas relacionadas ao TOC.3

O tratamento do TDSS baseava-se, até a década de 1980, no uso de antipsicóticos, com preferência ao pimozide, que além de antagonista dopaminérgico tem ação antagonista opióide.4 Após esse período, foram relatados casos que evoluíram com melhora em uso de antidepressivos tricíclicos e, em especial, clomipramina e inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS).3 Apesar do presente caso adicionar evidências da associação entre o TDSS e o TOC, são necessários estudos com um número maior de pacientes para compreendermos melhor esta associação.

Referências

1. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual Of Mental Disorders, DSM-IV, 4th Edition, Washington DC, American Psychiatric Press; 1994. p. 886.

2. Torres AR. Hipocondria e Transtorno Delirante Somático. In: Miguel EC, editor. Transtornos do espectro obsessivo-compulsivo: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. p. 138-49.

3. Torres A. Diagnóstico diferencial do transtorno obsessivo-compulsivo. Rev Bras Psiquiatr 2001;23:21-3.

4. Reilly TM. Delusional infestation. Brit J Psychiatry 1988;153:44-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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