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Aripiprazol e síndrome de Tourette

CARTA AOS EDITORES

Aripiprazol e síndrome de Tourette

Ana Hounie; Alice De Mathis; Aline Santos Sampaio; Marcos Tomanik Mercadante

PROTOC – Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo, Departamento de Psiquiatria da USP

Sr. Editor,

A Síndrome de Tourette (ST) é caracterizada por tiques motores e vocais crônicos. Desde a década de 60, os neurolépticos vêm sendo usados na ST, estabelecendo-se como os medicamentos mais eficazes. Os neurolépticos mais utilizados e para os quais há estudos controlados ou relatos de séries de casos são o haloperidol, pimozide, sulpiride, risperidona, olanzapina e ziprazidona.1 Atualmente, neurolépticos típicos têm sido cada vez menos prescritos, dados seus efeitos colaterais. Apresentaremos um caso de ST resistente ao tratamento, que teve resposta ao aripiprazol, o qual apresenta mecanismo de ação diferente tanto dos anti-psicóticos típicos como dos atípicos.2 Até o presente momento não existem publicações sobre o aripiprazol na ST.

P., 20 anos, masculino, solteiro, estudante, natural e procedente do interior de São Paulo, apresenta, desde seus cinco anos, tiques motores e vocais múltiplos. Esses tiques apresentaram piora progressiva causando muito sofrimento ao paciente e sua família. Adicionalmente, o paciente apresentava sintomas obsessivo-compulsivos, além de episódio depressivo maior, ansiedade de separação e pânico com agorafobia. Submeteu-se a todos os tratamentos convencionais (haloperidol, pimozide, trifluoperazina, sulpiride, olanzapina, quetiapina, ziprazidona, clonidina, toxina botulínica) e alternativos (pergolida, nicotina, clonazepan, reserpina) para os tiques sem sucesso. Foi adicionado aripiprazol (15 mg/dia) ao esquema anterior (sertralina + olanzapina, esta última gradualmente retirada) com melhora dos tiques, observada a partir da segunda semana do uso da medicação e persistente após três meses de uso contínuo (15 mg/dia).

A natureza flutuante dos tiques dificulta avaliar se a melhora ocorreu devido ao medicamento ou a uma fase de remissão própria da doença. No entanto, os tiques vocais, sempre extremamente resistentes aos tratamentos farmacológicos, diminuíram significativamente, juntamente com os tiques motores, quando se introduziu o aripiprazol.

Nos modelos atuais sobre a patogênese da ST envolvendo os circuitos cortico-subcorticais, acredita-se que o aumento da estimulação dopaminérgica na região estriatal implica maior liberação de glutamato nas projeções talâmico-corticais, levando à liberação de movimentos.3-4

O aripiprazol tem sido descrito como estabilizador do sistema dopamina/serotonina. Seu mecanismo de ação – agonismo parcial em receptores D2 – é sugerido por ligar-se mais a receptores D2 acoplados à proteína G do que aos não acoplados.2 A afinidade pelo D2 é de 4 a 20 vezes menor do que o haloperidol, clorpromazina ou outros antipsicóticos típicos.5 Além disso, apresenta atividade agonista parcial nos receptores 5HT1A e antagonismo em receptores 5HT2A. A maioria dos receptores 5HT1A no neocórtex localiza-se em neurônios piramidais glutamatérgicos. Esses receptores possuem ação inibitória, o que reduziria a ação glutamatérgica excitatória. Acredita-se que parte do controle dos tiques poderia ser devido a esse controle nas vias de projeção glutamatérgicas.

O aripiprazol – com perfil de efeitos colaterais caracterizado por menor ganho de peso, menor sedação, ausência de elevação de prolactina e de alargamento do espaço QT do eletrocardiograma quando comparado a outros antipsicóticos – torna-se uma opção para os casos de ST que não responderam a terapias clássicas. Entretanto, seu custo elevado exige apoio governamental para que a população menos favorecida possa utilizá-lo. Evidentemente, são necessários estudos controlados comparando o aripiprazol a terapêuticas já consagradas na ST.

Referências

1. Sandor P. Pharmacological management of tics in patients with TS. Journal of Psychossomatoc Research. 2003;55:41-8.

2. Burris KD, Molski TF, Xu C, et al. Aripiprazole, a novel antipsychotic, is a high-affinity partial agonist at human dopamine D2 receptors. J Pharmacol Exp Ther. 2002;302(1):381-9.

3. Alexander GE, De Long MR, Strick PL. Parallel organization of functionally segregated circuits linking basal ganglia and cortex. Annu Rev Neurosci. 1986;9:357-81.

4. Singer HS. Neurobiology of Tourette Syndrome. Neurol Clin.1997;15:357-79.

5. Lawer CP, Prioleau C, Lewis MM, et al. Intercations of the novel antipsychotic aripiprazole (OPC-14597) with dopamine and serotonin receptor subtypes. Neuropsychopharmacol. 1999;20(6):612-27.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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