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Saúde mental na escola: uma abordagem multidisciplinar

LIVROS

Eneida Iankilevich

Especialista em Psiquiatria pela UFRGS Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Saúde mental na escola: uma abordagem multidisciplinar

Ana Margareth S Bassols, Paulo Wanderlei Cristóvão, Miriam de Santis, Suzana Fortes, Paulo Berél Sukiennik. Organizadores. Porto Alegre: Mediação, 2003. 2v.

O trabalho com crianças é um procedimento extremamente complexo e de alta responsabilidade. Abrange um universo que extrapola em muito o contato exclusivo com a criança, envolvendo atenção à família – nesse momento evolutivo influência decisiva enquanto presença real. Assim, o trabalho com esses seres impõe um contato com o meio em que vivem, trazendo para o campo operacional múltiplas variáveis que, certamente, influenciarão o curso dos acontecimentos, desde os socioeconômicos e culturais, até os específicos da estrutura de cada família e da inserção de cada criança em sua própria família. Além de lidarmos com questões objetivas e fantasias de cada pequeno indivíduo com que trabalhamos, somos obrigados a lidar com as questões e fantasias de cada família e de cada instituição para com "sua" criança. Somos exigidos, enquanto profissionais, pelas próprias crianças, pelas famílias e pelas instituições envolvidas. E, talvez especialmente, pelas nossas próprias expectativas, desejos e valores. A complexidade da tarefa diz respeito a serem as crianças seres em desenvolvimento, pessoas que estão em "vir a ser" e a quem devemos acompanhar no processo de se tornarem elas mesmas, indivíduos singulares que possam aproveitar o mais livremente possível seus recursos pessoais.

Essas considerações dizem respeito a todo profissional que trabalha com crianças. A noção de desenvolvimento – sendo uma noção global, de crescimento físico, mental, psicológico e social – explica a razão pela qual os profissionais envolvidos nessa tarefa inevitavelmente precisam aprender uns com os outros, pensar e trabalhar em conjunto, resguardadas as especificidades de cada tarefa. Destaca-se, assim, a oportuna iniciativa dos autores desse livro, profissionais da saúde mental com muitos anos de experiência em consultoria escolar. Propõem-se os autores – e o conseguem, sem dúvida – a oferecer um instrumento de consulta sobre as principais áreas em que problemas de ordem emocional possam interferir no trabalho do educador. Sabemos que, para aprender, o ser humano precisa estar disponível para essa tarefa, o que implica, a princípio, em que suas necessidades básicas estejam razoavelmente atendidas. Necessidades que extrapolam as físicas, como tão bem ilustra esse livro. Nas palavras dos autores (cap. 7, p. 39), "é possível lançar luz à idéia de que mente e corpo são inseparáveis. (...) O processo de desenvolvimento depende de interações repetidas e variadas entre crianças em crescimento e seu ambiente". Sonia Moojen (cap. 19, p. 98) aborda a dificuldade de estabelecer os limites entre a normalidade e a patologia na aprendizagem, examinando os múltiplos fatores que podem interferir nesse delicado processo e possibilidades de tratamento dos problemas, que vão desde medidas específicas até a necessidade de abordagens multidisciplinares.

A leitura do primeiro volume desse livro (o segundo volume trata mais especificamente do trabalho de consultoria escolar propriamente dito) possibilita uma aproximação clara e consistente dos problemas de ordem mental que interferem na aprendizagem. Cada capítulo aborda uma patologia, explicitando, de forma clara, como se pode perceber o transtorno e os recursos indicados para o tratamento desses problemas. Acredito ser esse livro um valioso documento que permite não só aos profissionais da educação, a quem se dirige preferencialmente, mas também a todos nós, envolvidos no atendimento de crianças, uma visão global dos transtornos que podem estar sofrendo as crianças e adolescentes sob nossos cuidados.

David Epelbaum Zimerman, no primeiro capítulo do livro, mostra o quanto o fenômeno "aprendizagem" acontece na interação, como, convém salientar, a própria existência humana. Interação cujas motivações inconscientes possibilitam a abordagem múltipla proposta nesse livro. Aprendemos, lendo Saúde Mental na Escola, primeiro volume, que temos que trocar experiências, enquanto profissionais, para que cada um possa exercer sua função específica o melhor possível, pois a tarefa de tratar e a tarefa de ensinar exigem competências e abordagens técnicas diversas. Esse livro me parece um importante passo nesse sentido. De sua leitura saímos nos sentindo mais capazes de ter uma visão geral do campo de problemas que podem interferir no desenvolvimento da criança e do adolescente, além das possibilidades de atendimento desses problemas desde um ponto de vista interdisciplinar, talvez o que melhor atenda às necessidades desses seres em desenvolvimento que nos fascinam e ensinam tanto. E a quem desejamos oportunizar que se tornem os melhores adultos que puderem ser.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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