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Brazilian Journal of Psychiatry
Print version ISSN 1516-4446On-line version ISSN 1809-452X
Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26 no.4 São Paulo Dec. 2004
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000400009
ARTIGOS ORIGINAIS
Avaliação de sintomas de ansiedade e depressão em mães de neonatos pré-termo durante e após hospitalização em UTI-Neonatal
Flávia Helena Pereira PadovaniI; Maria Beatriz Martins LinharesII; Ana Emília Vita CarvalhoIII, I; Geraldo DuarteIV; Francisco Eulógio MartinezV
IPrograma de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP)
IIDepartamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Setor de Psicologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP)
IIIFundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo (FAEPA)
IVDepartamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
VDepartamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e Setor de Neonatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP)
RESUMO
OBJETIVO: Identificar sintomas em nível clínico de ansiedade, disforia e depressão em mães de neonatos pré-termo, comparando dois momentos, durante e após a hospitalização do bebê em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).
MÉTODOS: 43 mães de neonatos pré-termo de muito baixo peso, sem antecedentes psiquiátricos, foram avaliadas através dos Inventários de Ansiedade Traço-Estado e de Depressão de Beck. Foram realizadas duas avaliações, uma durante a hospitalização do bebê e outra após a alta hospitalar.
RESULTADOS: Na primeira avaliação, 44% das mães apresentaram sintomas clínicos de ansiedade, disforia e/ou depressão. Após a alta hospitalar do bebê, houve redução significativa do número de mães (26%) com esses sintomas clínicos em relação à primeira avaliação (p<0,008). Os níveis de ansiedade-estado diminuíram significativamente da primeira para a segunda avaliação (de 35% para 12%; p<0,006). Não foi detectada diferença significativa entre as duas avaliações quanto aos demais sintomas clínicos.
CONCLUSÃO: As mães de bebês pré-termo apresentaram ansiedade situacional e necessitam de suporte psicológico para enfrentar a internação do bebê.
Descritores: Ansiedade; Depressão; Transtornos do humor; Recém-nascido prematuro; Unidades de terapia intensiva neonatal.
Introdução
O nascimento prematuro de um bebê configura-se em um evento estressante para a família, a qual se depara com uma situação imprevisível e ansiogênica. Devido às condições de instabilidade orgânica do bebê e à necessidade de cuidados médicos especializados oferecidos em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), a família passa a experenciar a separação do bebê prematuro e a incerteza sobre sua evolução clínica e sobrevivência.1-2 Acrescenta-se a essas dificuldades a distorção da "imagem ideal" do bebê, criada pela família, em contraposição à imagem real do bebê prematuro; a família deve reorganizar seu quadro imaginário a fim de ajustá-lo à imagem de um bebê muito pequenino e frágil.3
Neste contexto, níveis de ansiedade e sentimentos de tristeza e melancolia podem ser exacerbados diante dessa situação de conflito e estresse. Em um estudo realizado com pais de bebês hospitalizados na UTIN foram observados altos níveis de ansiedade, depressão e hostilidade, revelando problemas de ajustamento psicossocial por parte dos pais.4 Segundo Pinelli,2 o ajustamento familiar ou habilidade para realizar mudanças no sistema familiar a partir de um evento estressor, a fim de manter seu equilíbrio e funcionamento, está relacionado aos recursos internos e sociais da família e às estratégias familiares de enfrentamento da situação durante a fase de internação do bebê na UTIN. As mães, por sua vez, apresentam níveis mais elevados de ansiedade e depressão do que os pais.2,4-5
Os níveis de ansiedade tendem a diminuir após a alta hospitalar do bebê.5 Entretanto, podem ser verificados efeitos, em médio prazo, dos níveis elevados de ansiedade e depressão experimentados pelas mães durante a hospitalização do bebê sobre a qualidade da futura interação da mãe com a criança.6-7
O presente estudo teve por objetivo identificar a presença de sintomas de ansiedade, disforia e depressão em nível clínico em um grupo de mães de neonatos pré-termo de muito baixo peso e compará-los em dois momentos distintos: durante a hospitalização do bebê em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) e após a sua alta hospitalar.
Método
1. Participantes
A amostra inicial foi constituída por 90 mães de recém-nascidos pré-termos de muito baixo peso (£1.500 g) internados na UTIN e no Berçário de Alto Risco dos Setores de Neonatologia e Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, no período de março de 2001 a junho de 2002. Desta amostra, 32 mães foram excluídas, devido a ter antecedentes psiquiátricos,6 ser analfabeta, ser portadora do vírus HIV, ter complicações clínicas no pós-parto ou ter bebês que foram a óbito. Das 58 mães restantes, 15 não aceitaram ou desistiram de participar do estudo. A amostra final foi constituída por 43 mães.
Com relação às principais características da amostra, as mães tinham idade mediana de 23 anos, sendo que 65% delas eram primigestas, 49% completaram o Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) e 51% não exerciam qualquer tipo de trabalho remunerado fora do lar. Os bebês, por sua vez, apresentaram idade gestacional média de 28 semanas e escore médio de Apgar no 5º minuto de 9 pontos. O tempo médio de permanência na UTIN foi de 26 dias (Tabela 1).
2. Instrumentos e medidas
Foram utilizados os seguintes materiais: 1) SCID/Não Paciente - Entrevista Clínica Estruturada para DSMIII - R;9 2) IDATE - Inventário de Ansiedade Traço-Estado10 incluindo as duas subescalas: Ansiedade-Estado e Ansiedade-Traço. Na subescala de ansiedade-estado, foi solicitado às mães que pensassem na situação do nascimento prematuro do(a) filho(a) na primeira avaliação e na situação após a alta hospitalar do bebê durante a segunda avaliação; 3) BDI - Inventário de Depressão de Beck.11
3. Procedimento
Após a aprovação do Comitê de Ética e o consentimento dos participantes, foi aplicada a SCID/Não Paciente por uma única pesquisadora (3ª autora), a fim de excluir as mães com antecedentes psiquiátricos. Em seguida, foi realizada a primeira avaliação dos sintomas de ansiedade e depressão, durante o período de internação do bebê, através do IDATE e BDI. Após a alta hospitalar do bebê, foi realizada a reavaliação das mães. Os testes foram aplicados de forma alternada nas respectivas avaliações. As avaliações foram realizadas pela primeira autora. A fim de avaliar as características da amostra foram realizadas consultas aos prontuários médicos.
Os instrumentos de avaliação foram corrigidos de acordo com as normas dos testes e procedeu-se à identificação de escores relativos a sintomas clínicos de ansiedade, disforia e depressão. No IDATE, utilizou-se o critério de corte de escore igual ou acima do percentil 75. No BDI, por sua vez, foram utilizados os critérios sugeridos para pacientes não-diagnosticados, ou seja, disforia >15 e depressão >20.12
Primeiramente, verificou-se a distribuição das mães de acordo com escores indicativos de sintomas clínicos de ansiedade, disforia e depressão, quantificando-se o número de mães que apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos em uma ou mais escalas de avaliação. Em seguida, verificou-se a distribuição das mães quanto aos escores indicativos de sintomas clínicos considerando-se especificamente cada escala específica (Ansiedade-estado, Ansiedade-traço e Disforia/Depressão). Os resultados obtidos nas duas avaliações (durante a internação do bebê na UTIN e após a sua alta hospitalar) foram comparados através do teste Mc Nemar para amostras pareadas.
Foram calculadas correlações de Spearman entre as pontuações obtidas no IDATE e no BDI, respectivamente, e as variáveis maternas (idade, escolaridade e número de filhos) e variáveis do bebê (idade gestacional, tempo de internação na UTI Neonatal e escore de Apgar do 5º minuto).
Para o tratamento estatístico dos dados utilizou-se o SPSS 10.1 e estabeleceu-se o nível de significância de 0,05 (=5%).
Resultados
Na primeira avaliação, 44% das mães apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos no que se refere à ansiedade, disforia ou depressão; sendo que 23% das mães apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos em apenas uma das escalas e 21% em mais de uma escala.
Na segunda avaliação, após a alta hospitalar do bebê, houve redução significativa do número de mães que apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos em pelo menos uma das escalas aplicadas, em comparação com a primeira avaliação realizada no período de internação do bebê (de 44% para 26%; p £ 0,008).
A Tabela 2 apresenta a distribuição das mães quanto aos escores indicativos de sintomas clínicos apresentados nas escalas específicas de ansiedade-estado, ansiedade-traço e disforia/depressão, encontrados nos dois momentos de avaliação.
Verificou-se uma redução significativa do número de mães que apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos de ansiedade-estado da primeira para a segunda avaliação, realizada após a alta hospitalar do bebê. No entanto, não houve diferença significativa entre as duas avaliações quanto aos escores nas escalas de ansiedade-traço e de disforia/depressão.
A fim de verificar possíveis influências de variáveis intervenientes nos resultados, foram realizadas correlações entre as pontuações nas duas subescalas do IDATE e no BDI e as variáveis maternas (idade, escolaridade e número de filhos) e variáveis do bebê (idade gestacional, tempo de internação na UTI Neonatal e Apgar do 5º minuto), respectivamente. Não foram detectadas correlações significativas entre os escores de ansiedade e depressão e as diferentes variáveis analisadas.
Discussão
Durante a internação do bebê na UTIN, 44% das mães apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos de ansiedade, disforia e/ou depressão, sugestivos de problemas emocionais que demandam cuidados dispensados a essa clientela na área de Saúde Mental. Esse dado é similar ao encontrado na literatura.4-5 Os escores indicativos de sintomas clínicos ocorreram tanto de forma isolada (escore indicativo de sintomas clínicos em apenas uma das escalas), em 23% das mães, quanto de forma combinada (escores indicativos de sintomas clínicos em mais de uma escala), em 21% das mães. O escore indicativo de ansiedade do tipo estado em nível clínico foi predominante nas mães entre aqueles avaliados durante o período de internação do bebê na UTIN.
Após a alta hospitalar dos bebês, houve uma redução significativa do número de mães que apresentaram escores indicativos de sintomas clínicos de ansiedade, disforia e/ou depressão. Considerando-se os escores maternos indicativos de sintomas clínicos em cada uma das escalas especificamente, houve uma redução significativa da ansiedade-estado da primeira para segunda avaliação. Em um estudo5 realizado com pais de bebês prematuros com broncodisplasia foi observado que os níveis de ansiedade do tipo estado diminuíram significativamente após a alta hospitalar do bebê, o que corrobora os achados do presente estudo.
Não foram encontradas correlações significativas entre os escores nas escalas de ansiedade e depressão e variáveis maternas do tipo idade, nível de escolaridade e número de filhos e variáveis dos bebês do tipo idade gestacional, tempo de internação na UTIN e Apgar do 5º minuto. Nesse sentido, a diminuição significativa do número de mães que apresentaram escores indicativos de ansiedade-estado em nível clínico após a alta hospitalar, parece estar mais relacionada com a diminuição da preocupação relativa à sobrevivência do bebê do que com características da mãe e do bebê ou do contexto de internação. A ansiedade do tipo estado experimentada pelas mães do presente estudo parece estar, portanto, vinculada a um estado emocional transitório marcado por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão reativos à situação de internação do bebê na UTIN.
Ao mesmo tempo, verificou-se que não houve diferença significativa no número de mães que apresentaram escores indicativos de ansiedade do tipo traço em nível clínico, da primeira para a segunda avaliação. Os sintomas de ansiedade do tipo traço dizem respeito a diferenças individuais, traços relativamente estáveis da personalidade, na tendência a reagir com elevação no estado de ansiedade diante de situações percebidas pelo indivíduo como ameaçadoras.10 Considerando-se, portanto, o construto de ansiedade-traço, era esperado que os escores na subescala Ansiedade-Traço não sofressem alterações significativas ao longo do tempo. Porém, não se pode descartar o fato de que essas mães constituem-se em um grupo de risco, na medida em que apresentam maior propensão a reagir de maneira ansiosa frente às situações estressantes, tal como a representada pela internação do bebê.
Não houve diferença significativa do número de mães que apresentaram escores indicativos de disforia ou depressão em nível clínico da primeira para a segunda avaliação. A melhora clínica do bebê e sua conseqüente alta hospitalar parecem não ter proporcionado um alívio desses sintomas clínicos em 21% das mães. Estas necessitam de suporte psicológico para o enfrentamento adaptativo da situação de internação do bebê na UTIN, assim como para prevenir problemas futuros na interação mãe e criança, como apontado por Feldman et al.7
Conclusão
Os achados do presente estudo reforçam a importância de se avaliar e fornecer suporte aos sentimentos maternos, no percurso entre o nascimento do bebê pré-termo e a alta hospitalar. A avaliação clínica possibilita a identificação de mães com maior dificuldade no enfrentamento adaptativo da situação de estresse psicológico, possibilitando assim o planejamento e execução de adequada intervenção psicológica preventiva.
Investigações futuras podem ser orientadas para atender a algumas questões de pesquisa, como, por exemplo, verificar a influência do apoio psicológico recebido pelas mães na UTIN, comparar os achados de mães de prematuros com os de mães de bebês a termo e avaliar os efeitos dos sintomas clínicos de ansiedade, disforia e depressão, em médio prazo, na trajetória de desenvolvimento do bebê prematuro.
Referências
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Endereço para correspondência
Maria Beatriz Martins Linhares
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo - Avenida 9 de Julho, 980
14.025-000 Ribeirão Preto, SP
Tel.: (16) 625-0309 / 625-0490
Fax: (16) 625-0309 / 635-0713
E-mail: linhares@fmrp.usp.br
Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (Processo nº 02/14188-7) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 3506557/91-2 nr. / Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP-USP (FAEPA-HCFMRP).
Recebido em 02.04.2003
Aceito em 23.12.2003
Original version accepted in English