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Cirurgia plástica e transtornos alimentares

Plastic surgery and eating disorders

CARTAS AOS EDITORES

Cirurgia plástica e transtornos alimentares

Plastic surgery and eating disorders

Sr. Editor,

A busca por cirurgia plástica e tratamentos médicos cosméticos cresceu nas últimas décadas. Em 2002, 6,6 milhões de americanos buscaram procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não, um aumento de 1.600% em uma década. Aumento da mama e rinoplastia cresceram mais de 700% e lipoaspiração 600%, no mesmo período.1

Contrastando com a importância clínica e estatística, poucos estudos psiquiátricos existem sobre essa população. Napoleon, investigando alterações psiquiátricas em uma população de 133 candidatos à cirurgia plástica, encontrou em cerca de 20% com critérios para diagnósticos do eixo 1 e 70% para eixo 2.2 Ao menos um diagnóstico psiquiátrico foi encontrado em 48% dos 415 pacientes japoneses submetidos à cirurgia plástica.3

Esses e outros estudos sugerem que indivíduos que buscam cirurgias plásticas apresentam elevada prevalência de psicopatologia, embora a falta de grupo controle torne os dados pouco conclusivos. A importância do peso e aparência para mulheres permite predizer que uma insatisfação corporal terá influência sobre a auto-estima e conseqüente busca de cirurgias cosméticas.4 Igualmente, evidencia-se uma estreita correlação entre auto-estima, peso e preocupações com a aparência, com hábitos e transtornos alimentares (TA).

Apesar dessas superposições teóricas, pouca atenção é dada sobre a procura de procedimentos estéticos cirúrgicos por pacientes com TA. A seguir, relatamos um caso de paciente onde esta questão mostrou-se relevante.

Paciente do sexo feminino, 19 anos, trazida por familiares em função de seu comportamento alimentar restritivo e baixo peso há cerca de três anos (1,74 m e 52 quilos, IMC = 17,2). Refere a paciente que conta as calorias de todos os alimentos e, por achar-se obesa, se pesa várias vezes ao dia e faz freqüentes consultas ao espelho. Amenorréia há dois anos. Queixa-se da intromissão familiar e irrita-se afirmando que não poderia iniciar tratamento, pois se prepara para uma cirurgia plástica. Submeteu-se a duas lipoaspirações no ano anterior, sendo que na última retirou cerca de 1 litro da região abdominal, pernas e quadril.

Familiares acreditavam que a realização das cirurgias oferecesse o benefício de satisfazer a paciente em relação à sua forma corporal, opinião corroborada pelo cirurgião plástico, apesar do evidente baixo-peso da paciente. A paciente recebeu o diagnóstico de anorexia nervosa e iniciou tratamento multidisciplinar.

Relatos clínicos sugerem que mulheres que buscam cirurgias cosméticas por insatisfação com sua aparência podem apresentar uma melhoria na avaliação da imagem corporal, sintomas depressivos e ansiosos no pós-operatório.5 A paciente descrita, porém, mostrava-se insatisfeita com as cirurgias prévias e preparava-se para uma nova lipoaspiração, com a intenção de reduzir o volume abdominal e dos quadris.

Aspecto relevante encontrado é o apoio dos familiares, imaginando que a queixa estética da paciente fosse o real problema e que sua correção cirúrgica levasse à resolução da queixa.

Igualmente curioso que a questão ligada à busca de procedimentos estéticos por pacientes com TA não tenha sido ainda explorada no sentido de diagnosticar o quadro psiquiátrico e evitar cirurgias abusivas, não obstante TA e cirurgias estéticas compartilhem pelo menos dois aspectos - predomínio de mulheres e preocupação com a imagem corporal.

Táki Athanássios Cordás

Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares

(AMBULIM), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas,

Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP),

São Paulo (SP), Brasil

Referências

1. American Society for Aesthetic Plastic Surgeons. Cosmetic surgery national data bank - 2002 statistic. New York, NY; 2003.

2. Napoleon A. The presentation of personalities in plastic surgery. Ann Plast Surg. 1993;31(3):193-208.

3. Ishigooka J, Iwao M, Suzuki M, Fukuyama Y, Murasaki M, Miura S. Demografic features of patients seeking cosmetic surgery. Psychiatry Clin Neurosci.1998;52(3):283-7.

4. Tiggemann M. Body dissatisfaction and adolescent self-esteem: prospective findings. Body Image. 2005;(2):129-35.

5. Sarwer DB, Crerand CE. Body image and cosmetical medical treatment. Body Image. 2004;1(1):99-111.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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