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Saúde mental da mulher: o que não sabemos?

EDITORIAL

Saúde mental da mulher: o que não sabemos?

Uma recente edição da revista Science, marcando seus 125 anos, foi dedicada a 125 questões "O que não sabemos?". Uma das perguntas inquiria sobre a relevância da variação genética na saúde pessoal, reconhecendo que a análise genética de doenças como câncer, asma e doença cardíaca está crescendo exponencialmente, ao passo que o progresso em outras doenças, como a depressão, é muito lento.

Avaliando os impactos físicos, sociais e mentais da doença, a depressão foi a quarta causa mais importante da lista Global Burden of Illness em 1990 e se prevê que será a causa mais importante em 2020. A morbidade associada à depressão nas mulheres é ainda maior. Não somente o dobro de mulheres sofre desse transtorno em comparação aos homens, mas elas possuem também um índice mais alto de condições comórbidas, tanto físicas como mentais.

A partir da idade da menarca até bem após a menopausa, as mulheres também sofrem de transtornos de humor específicos, incluindo disforia pré-menstrual, depressão perinatal e perimenopáusica, assim como transtornos de humor e de ansiedade associados à infertilidade e a gestações abortadas. As mulheres sofrem mais de transtornos alimentares, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e doenças auto-imunes. As mulheres são também menos tolerantes ao uso de álcool e possuem uma maior prevalência de transtornos de dor. São influenciadas em maior grau pela sazonalidade, sofrem mais de problemas advindos da mudança de fuso horário nas viagens e do trabalho em turnos rotativos e, por último, mas não em importância, metabolizam as drogas de forma diferente dos homens.

A maior parte dessas informações muito valiosas somente foi coletada nos últimos 30 anos, mas muito mais precisa ser conhecido.

Algumas das perguntas mais importantes a serem respondidas são óbvias: por que as mulheres são mais vulneráveis e correm mais riscos de desenvolverem tais transtornos? O que causa as discrepâncias de sexo/gênero? Como podemos identificar melhor as mulheres que estão sob risco? Que medidas preventivas podem ser adotadas? E por último, mas não menos importante: como podemos desenhar melhores intervenções/tratamentos específicos para as mulheres?

Além disso, a questão, ainda muito discutida, sobre a origem biológica x criação (nature versus nurture) parece ser ainda mais relevante para a maior prevalência de transtornos do humor e de ansiedade entre as mulheres. A perspectiva evolucionista sugere que possíveis assimetrias entre homens e mulheres na preferência por certos tipos de relações, no investimento diferenciado na reprodução e no cuidado das crianças, bem como nas opções sociais (ou a falta delas), contribuem em conjunto para que as mulheres sejam mais vulneráveis a transtornos do humor (depressão maior e distimia) bem como de ansiedade (especialmente TAG e TEPT).

As mulheres estão mais expostas a estressores incontroláveis, tanto psicológicos como físicos, incluindo violência, abuso e estupro, a partir de uma idade precoce, muito mais freqüentemente do que os homens.

Ainda que esses eventos estressantes da vida possam influenciar o início e o curso da depressão - TAG e/ou TEPT -, nem todas as mulheres que se deparam com situações estressantes desenvolvem esses transtornos. Sugere-se que a resposta de um indivíduo às agressões ambientais é moderada pela sua constituição genética.1 Desta forma, transtornos psiquiátricos complexos provavelmente não são provocados somente pelos genes. A hipótese da interação entre os genes e o meio ambiente é muito promissora. Ela "acomoda" polimorfismos/vulnerabilidades genéticas, patógenos ambientais, assim como eventos estressantes da vida. Pode também englobar a questão da resiliência, que às vezes é muito mais interessante. No entanto, o fato de que muitos dos transtornos do humor e de ansiedade específicos da mulher tenham início na idade adulta ou tardio parece indicar que os fatores genéticos desempenham somente um papel pequeno ou parcial em suas patogêneses.

Para complicar ainda mais o assunto, as mulheres, da idade da menarca em diante, são expostas aos efeitos das flutuações nos esteróides gonadais durante seus ciclos menstruais, gravidez, pós-parto, perimenopausa, menopausa e após esta. Essas, por vezes abruptas alterações no eixo hipotálamo-pituitária-gonadal, interagem com a ativação induzida pelo estresse do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal de uma forma que ainda não está completamente compreendida.

Novamente, as flutuações hormonais por si sós não causam transtornos de humor/ansiedade pré-menstruais, perinatais ou perimenopáusicos. Os efeitos dos esteróides reprodutivos no cérebro são altamente dependentes do contexto, mas esses transtornos de humor específicos da mulher fornecem uma oportunidade única para o estudo dos transtornos de humor e de ansiedade relacionados ao sistema endócrino.2

Além disso, é hoje evidente que os cérebros de homens e mulheres são anatômica, química e funcionalmente distintos e que algumas dessas variações ocorrem em várias áreas do cérebro envolvidas na emoção, cognição, memória e comportamento. Futuras descobertas nessa área poderiam apontar o caminho para terapias específicas por gênero, tanto para mulheres como para homens com transtornos mental.3

Espera-se que na próxima década sejamos capazes de identificar marcadores genéticos específicos que possam nos ajudar a compreender melhor como se dá a relação de equilíbrio entre eventos neuroendócrinos reprodutivos, funcionamento neurotransmissor, sensibilidades aos fatores psicossociais, ambientais e fisiológicos e a saúde mental das mulheres.4-5

Ainda está por se ver se a genética psiquiátrica encontrará esses caminhos para a descoberta.

Meir Steiner

McMaster University, Hamilton, ON, Canadá

Referências

1. Caspi A, Sugden K, Moffitt TE, Taylor A, Craig IW, Harrington H, et al. Influence of life stress on depression: moderation by a polymorphism in the 5-HTT gene. Science. 2003;301(5631):386-9.

2. Rubinow DR. Reproductive steroids in context. Arch Women's Ment Health. 2005;8(1):1-5.

3. Cahill L. His brain, her brain. Sci Am. 2005;292(5):40-7.

4. Steiner M, Dunn E, Born L. Hormones and mood: from menarche to menopause and beyond. J Affect Disord. 2003;74(1):67-83.

5. Soares CN, Joffe, H, Steiner M. Menopause and mood. Clin Obst Gynecol. 2004;47(3):576-91.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2005
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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