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Agranulocitose reversível induzida por clozapina

Reversible clozapine-induced agranulocytosis

CARTAS AOS EDITORES

Agranulocitose reversível induzida por clozapina

Reversible clozapine-induced agranulocytosis

Sr. Editor,

Apesar da superioridade da clozapina em relação aos antipsicóticos clássicos, o seu uso permanece limitado, devido ao risco de agranulocitose (neutrófilos + eosinófilos + basófilos < 500/mm3). Atualmente, sua indicação restringe-se aos pacientes refratários ou que não toleram o tratamento com antipsicóticos clássicos.1 A incidência de agranulocitose induzida por clozapina foi estimada, inicialmente, em 1 a 2%.2 Em 1998, um estudo com 99.502 pacientes em uso da mesma mostrou uma incidência de 0,38% de agranulocitose e 0,012% de mortes secundárias a esta.3

O protocolo do laboratório responsável recomenda que, caso os valores de leucócitos sejam inferiores a 3.000/mm3 e/ou neutrófilos inferiores a 1.500/mm3 e/ou plaquetas inferiores a 100.000/mm3, o tratamento seja interrompido definitivamente e o paciente monitorizado, pois, em geral, o reaparecimento da agranulocitose é mais precoce e mais grave que o primeiro.3-4 Durante o tratamento, o controle hematológico deve ser realizado semanalmente até a 18ª semana e, posteriormente, uma vez por mês até o final do tratamento.4

D.F.R., 64 anos, caucasiana, portadora de transtorno esquizoafetivo, segundo o DSM-IV-TR,5 com 47 anos de evolução de doença e cinco internações psiquiátricas prévias. Em setembro de 2003, foi hospitalizada na Enfermaria de Psiquiatria do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia para início de tratamento com clozapina, devido à refratariedade aos antipsicóticos. Naquele período, apresentava apragmatismo, descuido com a higiene, agitação, alucinações auditivas, delírios persecutórios, insônia, inapetência e emagrecimento. No início da titulação, realizou hemogramas semanais com valores de leucócitos e neutrófilos variando de 5.600 a 5.900/mm3 e 3.800 a 4.000/mm3, respectivamente.

Em outubro de 2003, após atingir a dose de manutenção de 400 mg/dia, a paciente foi re-encaminhada ao seu médico assistente, apresentando remissão total dos sintomas descritos. Entre novembro de 2003 e janeiro de 2004, a paciente ausentou-se, voluntariamente, das consultas, mantendo a clozapina e realizando os hemogramas semanais, porém sem a supervisão do seu médico assistente. Retornando ao ambulatório, observou-se queda e posterior melhora espontânea do número de leucócitos e neutrófilos, sem qualquer repercussão clínica (Figura 1).


Devido ao retorno aos padrões hematológicos adequados, a paciente manteve o uso da clozapina e assim permanece sem qualquer evento adverso relacionado ao uso da mesma, mantendo-se em remissão e com controle hematológico adequado.

De acordo com o protocolo recomendado, a clozapina deve ser suspensa e não mais re-introduzida caso leucócitos sejam 3.000/mm3 ou neutrófilos 1.500/mm3. Esta conduta parece segura, porém, pode deixar de beneficiar pacientes refratários que possam ter uma capacidade de adaptação melhor quanto à baixa inicial de leucócitos. Além disso, este relato induz o questionamento sobre a não re-introdução da clozapina após a ocorrência de agranulocitose em situações específicas, lembrando sempre da importância do controle hematológico rigoroso durante o uso desta droga, apesar de uma boa evolução clínica.

Apesar do protocolo em relação à monitorização hematológica e dos critérios para suspensão definitiva da clozapina serem bem definidos e unânimes, permanece a dúvida de qual conduta deve ser adotada em casos como o acima relatado, tendo em vista o fato de a paciente ter se recuperado espontaneamente das faixas de risco e estar clinicamente compensada.

Fabiana Nery-Fernandes, Victor Pablo Silveira, Lucas C Quarantini, Domingos Macedo Coutinho, Ângela Marisa de Aquino Miranda Scippa

Departamento de Neuropsiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador (BA), Brasil

Referências

1. Lieberman JA, Kane JM, Johns CA. Clozapine: guidelines for clinical management. J Clin Psychiatry. 1989;50(9):329-38.

2. Alvir JM, Lieberman JA. Agranulocytosis: incidence and risk factors. J Clin Psychiatry. 1994;55(B):137-8.

3. Honigfeld G, Arellano F, Sethi J, Bianchini A, Schein J. Reducing clozapine related morbidity and mortality: 5 years of experience with Clozaril National Registry. J Clin Psychiatry. 1998;59(Suppl3):3-7.

4. [No authors listed]. Informações científicas sobre Leponex. Disponível em: http://www.novartis.com.

5. DSM-IV-TR.. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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