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Autopercepção da comunicação oral no tratamento de adolescentes usuários de drogas

Oral communication self-perception in drugs users adolescents

CARTA AOS EDITORES

Autopercepção da comunicação oral no tratamento de adolescentes usuários de drogas

Oral communication self-perception in drugs users adolescents

Sr. Editor,

É por meio da comunicação, independente de sua modalidade, que o ser humano expressa conhecimentos, emoções, intenções, desejos e insatisfações. A comunicação oral, a mais utilizada nas relações pessoais, é efetiva quando uma série de habilidades é estabelecida entre locutor e interlocutor: saber ouvir, compartilhar um mesmo código lingüístico e ter discernimento sobre o que, onde e como falar, entre outros.

Apesar de o uso de drogas alterar a comunicação oral e a relação do usuário com o seu meio, raros são os estudos que enfocam essa questão.1-3 O usuário parece não processar o que ouve e tampouco tem consciência de como e o que fala, talvez porque seus interesses centram-se na droga. As intenções implicadas em sua comunicação passam a ter caráter duvidoso e as vontades são, na maioria das vezes, ignoradas. O usuário, por viver em um círculo social restrito, passa a se comunicar de forma peculiar, similar à de outros usuários e essa comunicação é relativamente efetiva, apenas e somente nesse meio.

Com o intuito de pesquisar como se processa a comunicação oral de adolescentes usuários de drogas e os diversos sentidos da mesma, 31 adolescentes de ambos os sexos, do Ambulatório de Adolescentes e Drogas do Serviço de Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq 636/03) foram encaminhados por seus psiquiatras ao fonoaudiólogo, que solicitou aos mesmos que tentassem narrar fatos ocorridos na infância e os mais recentes relacionados do cotidiano. As narrativas foram gravadas e imediatamente ouvidas pelos adolescentes para que julgassem sobre sua própria comunicação.

Este procedimento permitiu verificar que grande parte dos adolescentes estranhou a forma pela qual estavam se comunicando. Esta descoberta propiciou a abertura de um espaço de comunicação que, para alguns, se expandiu para novas conversas e que, por não terem caráter obrigatório de consulta, permitiriam que o adolescente entrasse em contato com a própria comunicação e iniciasse um processo de conscientização sobre o sentido e a forma da mesma.

Nas conversas, a relação do adolescente com a droga foi um dos temas e, como conseqüência, o fonoaudiólogo propôs tentativas de abstinência da mesma, que poderia ou não ter resultados. Essa solicitação foi possível porque se estabeleceu um canal efetivo de comunicação iniciado pelo próprio adolescente, que se sentiu seguro para falar sobre o uso e, muitas vezes, sobre a implicação deste em sua vida, com um profissional voltado para a comunicação humana.

Para melhor análise do procedimento utilizado, foram consultados prontuários de 31 pacientes com semelhantes diagnósticos de uso de drogas, mas que ingressaram no tratamento psiquiátrico antes do início da abordagem fonoaudiológica, permitindo obter informações sobre o comportamento de ambos os grupos quanto ao tratamento psiquiátrico.

Comparando-se os dois grupos, os resultados indicaram que os adolescentes que haviam sido consultados pelo fonoaudiólogo permaneceram 30 semanas em tratamento psiquiátrico, enquanto aqueles que não foram atendidos por esse profissional permaneceram 13 semanas (t-student, p = 0,023). Outro dado importante mostrou que os adolescentes usuários de maconha que tiveram contato com o fonoaudiólogo permaneceram 17 semanas abstinentes, enquanto os que não foram atendidos por este profissional, 6 semanas (p = 0,01).

Este estudo mostrou que a autopercepção ou o processo de consciência da comunicação dos adolescentes usuários de drogas, assim como o espaço individual e aberto com o fonoaudiólogo propiciou, ao menos, a busca pelo autoconhecimento e a reflexão sobre o próprio comportamento, resultando em maior tempo de abstinência. Isto se deu na relação ouvir-falar-interagir, que contribuiu para uma mudança no padrão do uso de drogas.

Christian César Cândido de Oliveira

Ambulatório de Adolescentes e Drogas, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Claudia Ines Scheuer

Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Sandra Scivoletto

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Ambulatório de Adolescentes e Drogas, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Referências

1. Oliveira CCC, Scivoletto S. Percepción de los efectos del alcohol y otras drogas en el habla y el lenguaje en consumidores habituales en edad adulta. Revista de Logopedia, Foniatria y Audiologia. 2004;24(3):126-31.

2. Solowij N, Stephens RS, Roffman RA, Babor T, Kadden R, Miller M, Christiansen K, Mcree B, Vendetti J. Marijuana Treatment Project Research Group. Cognitive functioning of long heavy cannabis users seeking treatment. JAMA. 2002;287(9):1123-31.

3. Messinis L, Kyprianidou A, Malefaki S, Papathanasopoulos P. Neuropsychological deficits in long-term frequent cannabis users. Neurology. 2006;66(5):737-9.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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