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Políticas públicas para o consumo de álcool no Brasil: lutar ou cooperar?

Alcohol public policies in Brazil: to fight or to cooperate?

CARTAS AOS EDITORES

Políticas públicas para o consumo de álcool no Brasil: lutar ou cooperar?

Alcohol public policies in Brazil: to fight or to cooperate?

Sr. Editor,

O editorial de Pechansky, Pinsky e Laranjeira, "Era Golias cego ou ignorante? A luta entre a evidência e a paixão nas políticas públicas para o consumo de álcool no Brasil", publicado neste periódico1 tem o apoio da comunidade científica, que pretende ser ouvida e participar tanto do processo de elaboração, quanto da execução das políticas públicas no Brasil.

A principal preocupação dos autores refere-se à resistência do Ministério da Saúde em aceitar as evidências científicas produzidas por entidades de pesquisa nacionais e mundiais.

De fato, não parece que o Ministério da Saúde esteja alheio a algumas dessas evidências, uma vez que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão vinculado ao Ministério, informa que "Nos Estados Unidos da América, (...) para cada anúncio novo por mês, o consumo de bebidas aumentava em 1%."2 Ainda assim, a propaganda de bebidas com teor alcoó-lico inferior a 13 graus Gay Lussac (GL) continua a não sofrer restrições de horário para a veiculação. Ou seja, há a informação, mas não há a atitude.

Na elaboração da Lei 11.343, publicada no Diário Oficial da União de 24/08/2006, lamenta-se a ausência de órgãos governamentais como o Ministério da Educação, que tem um papel fundamental na necessária reformulação curricular dos cursos vinculados à promoção de saúde de indivíduos com problemas relacionados ao uso de álcool, tal como recomendado pela Associação Médica Brasileira e pela Associação Brasileira de Psiquiatria.3 Atualmente, existem cursos de extensão universitária para diversos profissionais interessados em desenvolver trabalhos nessa área, promovidos pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Outras Drogas (UNIAD) do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, entre outros.

No outro extremo da questão, incluem-se os leitos hospitalares, cuja necessidade precisa ser mais bem documentada, uma vez que, segundo o Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) e o seu tratamento,4 o atendimento ambulatorial é seguro e menos dispendioso, tratando 90% dos pacientes dependentes de álcool. Lamentavelmente, os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPS-AD) existentes (130, segundo o Ministério da Saúde) têm uma capacidade máxima de atendimento de 900 pacientes por mês por unidade,5 o que demonstra a insuficiência atual desses recursos.

Ao contrário do que sugere o editorial, entretanto, não será necessária uma guerra entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Psiquiatria. Mantendo-nos no universo bíblico, talvez seja mais oportuno lembrar o exemplo de Moisés. Depois das sete pragas sobre o Egito, de atravessar o Mar Vermelho e o deserto (evidências), o povo judeu resolveu adorar o bezerro de ouro. Mesmo contrariado, Moisés persistiu em orientá-los.

André Malbergier

Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina,

Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas

(GREA), Departamento e Instituto de Psiquiatria, Hospital

das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de

São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Ricardo Abrantes do Amaral

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas

(GREA), Departamento e Instituto de Psiquiatria, Hospital

das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de

São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Referências

1. Pechansky F, Pinsky I, Laranjeira RR. Was Goliath blind or ignorant? The struggle between evidence and passion in alcohol public policies in Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(4):259-60.

2. ANVISA. Audiência pública sobre regras para propaganda de bebidas alcoólicas. [citado 2006 dez 15] Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2006/011206_2.htm

3. Marques AC, Ribeiro M. Abordagem geral do usuário de substâncias com potencial de abuso. [citado 2006 dez 10] Disponível em: htttp://www.projetodiretrizes.org.br/novas_diretrizes/001.pdf.

4. Associação Brasileira de Psiquiatria. Departamento de Dependência Química. Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) e o seu tratamento. [citado 2006 dez 12] Disponível em: www.uniad.org.br

5. Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental 1990 – 2004. 5a Edição Ampliada. Série E. Legislação de Saúde Brasília – DF. 2004. [citado em 2006 nov 20] Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Legislacao.pdf

Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)/ Ministério da Saúde (André Malbergier)

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2007
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