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Uso da combinação venlafaxina-mirtazapina no tratamento de depressão maior associada à distimia: "depressão dupla"

Combining venlafaxine and mirtazapine for the treatment of major depression with dysthymia: "double depression"

CARTA AOS EDITORES

Uso da combinação venlafaxina-mirtazapina no tratamento de depressão maior associada à distimia - "depressão dupla"

Combining venlafaxine and mirtazapine for the treatment of major depression with dysthymia - "double depression"

Sr. Editor,

Embora as evidências que justifiquem a combinação de antidepressivos sejam limitadas, essa prática tem se tornado bastante difundida na prática clínica. Postula-se, por exemplo, que esta estratégia possa ser eficaz na terapêutica da depressão refratária, acelerando o início da resposta clínica.1 Nesse sentido, combinações de antidepressivos têm sido incluídas em várias diretrizes para o tratamento da depressão.2 Embora tais combinações sejam em grande medida empíricas, procura-se combinar drogas com diferentes mecanismos de ação.3

Relatamos o caso de uma paciente que apresentava quadro crônico de depressão, compatível com o quadro de distimia, associado a exacerbações de depressão maior - "depressão dupla",4 com resposta significativa à combinação de venlafaxina-mirtazapina.

Relato de caso

Uma mulher de 30 anos, casada, compareceu ao nosso serviço com quadro depressivo, em uso de venlafaxina há um ano. Encontrava-se em uso de 225 mg/dia há cerca de 10 meses. Relatava agravamento recente da apatia, do humor deprimido, da insônia, de sintomas ansiosos, presença de emagrecimento e ideação de ruína não-delirante. Obteve 27 pontos (em 50) na Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton de 17 itens (HAM-D-17). A paciente iniciou tratamento psiquiátrico há cinco anos, dois anos após o início dos sintomas depressivos. Relatava intolerância à fluoxetina e à nortriptilina, e de uso regular de imipramina (200 mg/dia-3 meses) e de sertralina (150 mg/dia, por 10 meses), isoladamente, sem melhora significativa dos sintomas clínicos. Não apresentava antecedentes de problemas clínicos, nem histórico familiar para transtornos psiquiátricos. A avaliação clínica da paciente, incluindo sua pontuação na HAM-D-17, e sua história pregressa sugeriram a hipótese diagnóstica de episódio depressivo maior associado a sintomas crônicos compatíveis com distimia, depressão dupla. Optou-se por associar mirtazapina 30 mg/dia ao esquema com venlafaxina. Após duas semanas, a paciente relatava melhora marcante dos sintomas e boa aceitação do tratamento. Dois meses depois, apresentava escore de oito na escala HAM-D-17 e, após quatro meses, um escore de três, mantendo-se estável e recuperada por um período de seguimento clínico de um ano. Neste período, foi acompanhada também em psicoterapia semanal.

Discussão

A sinergia da combinação venlafaxina-mirtazapina é baseada na inibição da recaptação serotoninérgica, noradrenérgica e dopaminérgica, além do bloqueio de adrenoreceptores alfa-2 e de receptores 5-HT2A.3 Recentemente, um estudo comparou a tranilcipramina com a combinação venlafaxina-mirtazapina em pacientes com depressão refratária e não demonstrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que diz respeito à remissão, porém foi favorável à combinação dos antidepressivos pela melhor tolerabilidade.5

No presente caso, é possível que esta combinação tenha sido eficaz por tratar sintomas depressivos residuais, que aparecem sob a forma de distimia e que merecem atenção, pois podem agravar a evolução do quadro depressivo ou mesmo predispor à recorrência de novos episódios de depressão maior.4 Sendo assim, esta combinação, além de agir sobre a depressão resistente, poderia agir em quadros de depressão dupla. Apesar do nosso relato de caso bem sucedido com o uso desta combinação, outros estudos são necessários para confirmar seus benefícios no tratamento da depressão dupla.

Rodolfo Braga Ladeira, Fernando Toledo Cunha

Instituto Raul Soares, Fundação Hospitalar do Estado de

Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte (MG), Brasil

João Vinícius Salgado

Instituto Raul Soares, Fundação Hospitalar do Estado de

Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte (MG), Brasil

Universidade FUMEC, Belo Horizonte (MG), Brasil

Antônio Lúcio Teixeira

Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina,

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Rodrigo Nicolato

Instituto Raul Soares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas

Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte (MG), Brasil

Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Financiamento e conflito de interesses

  • 1. de la Gándara J, Agüera L, Rojo JE, Ros S, de Pedro JM. Use of antidepressant combinations: which, when and why? Results of a Spanish survey. Acta Psychiatr Scand Suppl 2005;428:32-6.
  • 2. Fleck MP, Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, Juruena MF; Associação Médica Brasileira. Guidelines of the Brazilian Medical Association for the treatment of depression (complete version). Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):114-22.
  • 3. de la Gándara J, Rojo JE, Ros S, Agüera L, de Pedro JM. Neuropharmacological basis of combining antidepressants. Acta Psychiatr Scand Suppl 2005;(428):11-3, 36.
  • 4. Klein DN, Shankman SA, Rose S. Ten-year prospective study of the naturalistic course of dysthymic disorder and double depression. Am J Psychiatry 2006;163(5):872-80.
  • 5. McGrath PJ, Stewart JW, Fava M, Trivedi MH, Wisniewski SR, Nierenberg AA, Thase ME, Davis L, Biggs MM, Shores-Wilson K, Luther JF, Niederehe G, Warden D, Rush AJ. Tranylcypromine versus venlafaxine plus mirtazapine following three failed antidepressant medication trials for depression: a STAR*D Report. Am J Psychiatry. 2006;163(9):1531-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008
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