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O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência: um novo paradigma para a Psiquiatria Brasileira tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro

The National Science and Technology Institute in Child and Adolescence Developmental Psychiatry: a new paradigm for Brazilian Psychiatry focused on our children and their future

EDITORIAL

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência: um novo paradigma para a Psiquiatria Brasileira tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro

The National Science and Technology Institute in Child and Adolescence Developmental Psychiatry: a new paradigm for Brazilian Psychiatry focused on our children and their future

"As doenças mentais são doenças crônicas dos jovens"

The WHO World Mental Health Survey Consortium, 2004

Porque um novo Instituto para Crianças e Adolescentes é prioritário para o Brasil?

A proposta de criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência (INPD) vem ao encontro da principal necessidade de saúde da sociedade contemporânea -a promoção da saúde mental. O INPD propõe um conjunto coeso e sólido de iniciativas e projetos de pesquisa (Figura 1) que, integrados, almejam dois grandes objetivos para a área de saúde mental no Brasil: 1) testar ferramentas e métodos para promover o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, preparando-os para a vida adulta; 2) introduzir um novo paradigma para a psiquiatria brasileira - o da Psiquiatria do Desenvolvimento.


No Brasil, existem cerca de 50 milhões de crianças e adolescentes com menos de 18 anos1. Diversas fontes de evidência documentam claramente que a origem dos transtornos mentais está na infância e adolescência e que os mesmos são transtornos do desenvolvimento cerebral. Até o momento, nenhum investimento de porte expressivo foi feito no país na pesquisa sobre a trajetória dos transtornos mentais desde a infância. Muito menos foi investido na avaliação dos recursos disponíveis para acolher crianças e adolescentes com problemas de saúde mental ou na capacitação de profissionais da área de saúde para o acolhimento dessas crianças.

Porque o referencial da Psiquiatria do Desenvolvimento?

Apesar dos avanços nos métodos de tratamento em Psiquiatria, para boa parte dos transtornos mentais o alívio dos sintomas é apenas parcial, sem a esperança de recuperação total. Isto gera a necessidade de novas abordagens mais eficientes. A Psiquiatria do Desenvolvimento aparece como uma alternativa promissora, pois busca desenvolver uma nova metodologia para identificar indivíduos de risco e testar intervenções antes da doença se manifestar, com o objetivo de impedir o seu aparecimento, ou atenuar a sua forma de apresentação. Trata-se, portanto, de um novo paradigma para a psiquiatria, pois se elege como alvo da intervenção a trajetória do desenvolvimento da doença e não apenas a busca de alívio dos sintomas já instalados2.

Esta ênfase no desenvolvimento vai colocar a Psiquiatria no mesmo compasso que outras especialidades médicas. Áreas como a Cardiologia, a Endocrinologia e a Oncologia, por exemplo, evoluíram a partir da identificação dos sinais e sintomas clínicos prodrômicos das doenças relacionadas a cada uma delas, alcançando o conhecimento da sua etiologia, fisiopatologia e fatores risco, possibilitando a intervenção precoce, muitas vezes antes da manifestação da doença.

A aplicação deste modelo à Psiquiatria se traduz na busca de estratégias da promoção da saúde mental e da proteção aos indivíduos vulneráveis, tendo como alvo subgrupos da população geral que preencham critérios de risco, mas que ainda não apresentam manifestações da doença2. Por exemplo, o tratamento da criança com transtorno de ansiedade ou depressão pode ser formulado de modo semelhante ao que é feito no diabetes mellitus tipo I. No diabetes mellitus tipo I, desenvolveu-se um critério de seleção de pródromos para definir crianças de alto risco, de tal forma que tratamentos mais incisivos podem começar antes da expressão sindrômica propriamente dita3. O tratamento dos transtornos de ansiedade ou depressão poderá, no futuro, levar em conta a presença ou não das características genéticas do indivíduo (p.ex., polimorfismos do gene 5-HTT). Os homozigotos SS do da região promotora deste gene parecem ter maior probabilidade de desenvolver depressão quando expostos, durante a infância, a agentes estressores adversos4. Assim, o tratamento desses indivíduos de risco poderá diferir da intervenção proposta a crianças com o polimorfismo LL expostas aos mesmos agentes. Assim, como no diabetes tipo I, os tratamentos em psiquiatria poderão começar a partir da combinação de tratamentos somáticos e psicossociais, antes de a doença se manifestar. Essas enfermidades requerem intervenções complementares baseadas em evidências, as quais funcionam influenciando o seu substrato biológico no sentido do funcionamento normal. Para ambos os transtornos são indicadas medicações; insulina no caso do diabetes e inibidores da recaptura da serotonina no caso dos transtornos ansiosos e depressivos. No diabetes, o tratamento complementar de escolha é dieta e exercício; no caso dos transtornos ansiosos e depressivos, técnicas psicoterápicas de exposição e prevenção de resposta2. É neste contexto que apresentamos o INPD. Nele, uma grande ênfase é dada à formação de recursos humanos. Estamos propondo formar os futuros psiquiatras a partir deste novo paradigma. Além disso, pretendemos desenvolver e testar novas tecnologias para o diagnóstico precoce que sejam acessíveis a professores do ensino fundamental e às equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) e pediatras (vide Figura 1).

Para multiplicar o acesso a esta nova visão, utilizaremos recursos como a telemedicina para viabilizar a distribuição desses conhecimentos aos quatro cantos do país. Apesar da ênfase na detecção e intervenção precoce com o objetivo de atenuar ou mesmo impedir a manifestação da doença mental, não deixaremos de cuidar também daquelas crianças que já estão doentes. Assim, num primeiro momento, faremos um grande estudo epidemiológico para propiciar uma fotografia da saúde mental do escolar no país. Paralelamente, adaptaremos um dos melhores prontuários eletrônicos na área de psiquiatria hoje existentes para a nossa realidade. Este terá o potencial de poder ser absorvido pela rede pública (em serviços de atenção terciária) e, desta forma, permitir não apenas a criação de um grande banco de dados nacional, mas a implementação de diretrizes de tratamento elaboradas a partir das análises dos nossos próprios dados. Essas diretrizes poderão ser facilmente incorporadas e aplicadas pelo atual sistema de saúde (vide Figura 1).

Portanto, se estes projetos forem bem sucedidos, a psiquiatria estará ainda mais voltada para promover a saúde mental e não apenas em combater as doenças mentais. Estas novas bases da psiquiatria favorecerão uma aproximação entre psiquiatras da infância e da adolescência com os de adultos, que compreenderão seus pacientes no desenvolvimento ao longo da vida.

Agradecimentos

Este trabalho foi patrocinado pelo CNPq e FAPESP, a partir do Edital dos Institutos de Ciência e Tecnologia (processo: 08/57896-8). Este projeto recebe apoio da Nestlé.

Euripedes C. Miguel

Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina,

Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Marcos T. Mercadante

Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São

Paulo (Unifesp), São Paulo (SP), Brasil

Sandra Grisi

Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina,

Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

Luiz A. Rohde

Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil

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    1. Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP.[homepage na internet]. Rio de janeiro. Associados. Disponível em: http://www.abpbrasil.org.br\socios
    » link
  • 2. Levitt P, March J. NIMH Council Workgroup on Neurodevelopment: Update on Activities and Workgroup Recommendations. NAMHC Open Policy Session. Bethesda, MD; 2008.
  • 3. Narayan KM, Boyle JP, Thompson TJ, Gregg EW, Williamson DF. Effect of BMI on lifetime risk for diabetes in the U.S. Diabetes Care 2007;30(6):1562-6.
  • 4. Caspi A, Sugden K, Moffitt TE, Taylor A, Craig IW, Harrington H, McClay J, Mill J, Martin J, Braithwaite A, Poulton R. Influence of life stress on depression: moderation by a polymorphism in the 5-HTT gene. Science. 2003;301(5631):386-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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