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Contraste oculto: violência, psicopatologia e cultura

LIVROS

Contraste oculto: violência, psicopatologia e cultura

Paulo Clemente Sallet

Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil

José Paulo Fiks e Andres Santos Júnior. Ed. Casa Leitura Médica; 2009.

José Paulo Fiks e Andres Santos Júnior, ambos psiquiatras com formação psicanalítica, de fato realizaram um trabalho de singular oportunidade. Trata-se de uma compilação com nove capítulos nos quais os autores, tendo como fio condutor os temas da violência e da barbárie analisados em uma perspectiva psicopatológica, exploram com notória familiaridade diversos ícones da cultura clássica, moderna e contemporânea em seu significado estético frente às vicissitudes históricas e contingências do coletivo.

A obra se oferece como um sugestivo roteiro para aqueles que queiram perscrutar as diversas maneiras pelas quais diferentes formas de arte expressam o tema da violência como elemento intrínseco à condição humana ao longo da história da arte e da cultura pop. Os autores perscrutam o ímpeto destrutivo inerente à condição humana desde a mitologia grega até as produções dramatúrgicas mais recentes (destaque para o cinema), estabelecendo distinções conceituais, discorrendo sobre possíveis articulações causais de seus elementos e encadeando tópicos de neurociência e de cultura com uma fluência agradável e instigante. Não que a expressão artística dessas nuances sirva para delimitar conceitos psicopatológicos propriamente ditos - os próprios autores são enfáticos em nos dissuadir da tentação -, mas o texto expõe uma coletânea de construtos estéticos que, nas diferentes expressões artísticas, do pop ao clássico, da música à literatura, revelam e ilustram o imaginário coletivo em dimensões relacionadas à representação da violência e de suas consequências traumáticas, tanto em vítimas como em agressores. O próprio contraste entre estas condições é relativizado com base no testemunho da arte e em evidências neurobiológicas recentes. Claro que a composição desse mosaico não poderia deixar de ser provocativa. Embora não constitua análise sistemática e tampouco a profundidade seja pretensão dos autores, os capítulos constituem um feliz encadeamento de colagens no qual os próprios autores assumem que escreveram o livro "para descontentes, encrenqueiros e insatisfeitos".

Em que pese a sugestão, algumas provocações podem ser retribuídas. Embora esta seja uma crítica algo pedante, o texto desafia um problema de natureza epistemológica posto desde os textos metapsicológicos e sociais de Freud, ou seja, o problema de transpor temas relativos à subjetividade individual para o entendimento de manifestações históricas ou de âmbito coletivo (e vice-versa). A título de exemplo, é possível que o caráter imiscível dessas concepções tenha representado uma das principais limitações da hermenêutica freudo-marxista de Frankfurt (leia-se Adorno, Horkheimer, o primeiro Habermas etc.). Outra crítica, essa absolutamente pertinente: afinal de contas, por que cargas d'água não foram dedicadas pelo menos algumas linhas ao genioso Anibal "canibal" Lecter?

De resto, leitura agradável, ricamente ilustrada, destemida e instigante. Dá vontade de rever o já visto ou de correr atrás do não visto ou escutado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
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