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Emergências psiquiátricas: desafios e vicissitudes

EDITORIAL

Emergências psiquiátricas: desafios e vicissitudes

Cristina Marta Del-BenI; Chei Tung TengII

IDivisão de Psiquiatria, Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de São Paulo, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

Atendimento psiquiátrico em sala de emergência é uma prática relativamente recente em nosso meio. Seu início está intimamente relacionado com o redirecionamento das políticas de atenção à saúde mental, cujas diretrizes básicas norteiam-se, fundamentalmente, pela desospitalização do paciente psiquiátrico e pela substituição dos grandes hospitais psiquiátricos por diferentes modalidades de tratamento, entre eles, serviços de emergência psiquiátrica.

A efetiva integração de um serviço de emergência psiquiátrica com os demais serviços de saúde mental disponíveis na região é um fator decisivo para o bom funcionamento tanto da unidade de emergência como do sistema de atendimento psiquiátrico como um todo. Dentro de uma rede articulada de serviços de saúde mental, o serviço de emergência psiquiátrica tem um papel relevante nas tomadas de decisão quanto à indicação do tratamento necessário para cada caso, desempenhando ao mesmo tempo a função de triador de casos novos, inserindo-os na rede de atendimentos disponíveis, e a função de retaguarda para os demais serviços, no caso de pacientes já incluídos no sistema de atenção à saúde mental. Esta retaguarda pode incluir tratamento e avaliação de alterações agudas no comportamento, avaliação de condições médicas gerais associadas ao quadro psiquiátrico, auxílio na hospitalização, ajuste medicamentoso, cobertura durante os períodos em que os demais serviços não estão disponíveis, seguimento de curto prazo e reencaminhamento para os serviços de origem após o manejo do quadro agudo1.

A demanda excessiva e a alta rotatividade - características inerentes de serviços de emergência - podem tornar a prática assistencial de emergência pouco atrativa para os profissionais de saúde, sendo ainda menos atraente para atividades relacionadas ao ensino e à pesquisa. Por outro lado, a enorme variedade de casos com apresentação clínica, complexidade e evolução tão distintas, também é característica intrínseca de serviços de emergência, oferecendo um material único e precioso para ensino e pesquisa.

O desafio de serviços de emergências psiquiátricas é tentar manejar as suas limitações para atingir seus objetivos de, efetivamente, exercer suas funções dentro de uma rede integrada de serviços de saúde mental, oferecer cuidados baseados em evidências científicas e, ao mesmo tempo, criar condições minimamente adequadas para práticas de ensino e execução de projetos de pesquisa de qualidade que permitam a avaliação de medidas de eficácia e de efetividade de intervenções realizadas em contexto de emergência.

Este suplemento tem a finalidade de produzir artigos voltados para a atualização em práticas de emergências psiquiátricas, em um sentido um pouco mais amplo, como o conceito de psiquiatria de cuidados agudos (acute care psychiatry), que envolve, além do manejo da situação de emergência em si, os cuidados intensivos durante o episódio agudo e reagudização, diagnóstico diferencial e instituição de terapêutica inicial. Existe pouca informação na área baseada em evidências científicas, sendo o mais comum opiniões de especialistas baseadas em experiências individuais. Este suplemento almeja uma integração efetiva entre evidência científica e experiência clínica, que possa oferecer ao leitor da Revista Brasileira de Psiquiatria embasamento científico para nortear a sua prática clínica em situações de emergências psiquiátricas.

Pretende-se demonstrar com esta coletânea de artigos de revisão que é possível exercer atividades de assistência, mantendo-se a qualidade do trabalho pautado por evidências científicas, mesmo em situações aparentemente adversas. A realidade do nosso meio a respeito da integração de serviços de emergências psiquiátricas com a rede de saúde é discutida no artigo "Serviços de emergência psiquiátrica e suas relações com a rede de saúde mental brasileira". O artigo "Diagnóstico diferencial de primeiro episódio de transtorno mental grave: importância da abordagem otimizada nas emergências psiquiátricas" discute a relevância do uso de critérios diagnósticos operacionais e instrumentos de avaliação para a elaboração do diagnóstico em contexto de emergência.

O principal motivo para a procura de atendimento psiquiátrico de emergência - agitação psicomotora/agressividade2 - é amplamente discutido no artigo "Manejo de paciente agitado ou violento". Embora as taxas de suicídio no Brasil sejam baixas em comparação com outros países, os índices nacionais cresceram de maneira significativa nos últimos anos3 e esse importante problema de saúde pública é discutido no artigo "Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica".Tendo-se em vista a alta prevalência de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas4, estas condições são abordadas no artigo "Manejo dos pacientes com transtornos relacionados ao álcool e outras drogas na emergência psiquiátrica". Finalmente, devido ao crescimento do atendimento de crianças e adolescentes em situação de emergências e o parco conhecimento existente a respeito, esse tema é abordado no artigo "Emergências psiquiátricas na infância e na adolescência".

É evidente a necessidade de estabelecimento de diretrizes para o aprimoramento estrutural e técnico das emergências psiquiátricas, baseadas em evidências e que sejam aplicáveis à realidade brasileira. No entanto, a produção científica brasileira no tema ainda é incipiente. Em levantamento feito no Medline no dia 1 de agosto de 2010, usando o termo Mesh "emergency services, psychiatric", sem limites, foram selecionados 1.861 artigos. No entanto, quando a palavra "Brazil" foi incluída na busca, apenas 13 artigos foram selecionados. Portanto, aspira-se também, com esse suplemento, demonstrar o quão profícuo pode ser um serviço de emergências psiquiátricas para a investigação científica pautada por rigor metodológico e que isso venha a estimular a comunidade científica brasileira a produzir conhecimento na área.

"Call me crazy, but I enjoy emergency psychiatry"5.


  • 1. Kates N, Eaman S, Santone J, Didemus C, Steiner M, Craven M. An integrated regional emergency psychiatry service. Gen Hosp Psychiatry 1996;18(4):251-6.
  • 2. Santos ME, do Amor JA, Del-Ben CM, Zuardi AW. Psychiatric emergency service in a university general hospital: a prospective study. Rev Saude Publica 2000;34(5):468-74.
  • 3. Lovisi GM, Santos SA, Legay L, Abelha L, Valencia E. Epidemiological analysis of suicide in Brazil from 1980 to 2006. Rev Bras Psiquiatr 2009;31(Suppl 2):S86-94.
  • 4. Barros RE, Marques JM, Carlotti IP, Zuardi AW, Del-Ben CM. Short admission in an emergency psychiatry unit can prevent prolonged lengths of stay in a psychiatric institution. Rev Bras Psiquiatr 2010;32(2):6.
  • 5. Strauss GD. Emergency psychiatry and its vicissitudes. Psychiatr Serv 2003;54(8):1099-100.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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