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O controle dos medicamentos anoréticos: mais um conto para as calendas gregas?

The control of anorectic drugs: another tale for the Greek calends?

EDITORIAL

O controle dos medicamentos anoréticos: mais um conto para as calendas gregas?

The control of anorectic drugs: another tale for the Greek calends?

Em 1993, uma comissão designada através de portaria do Ministro da Saúde e composta por representantes da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos, Associação Médica Brasileira, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Associação Brasileira de Estudos da Obesidade e Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental concluiu, entre outras coisas, que:

"I.1 – O Ministério da Saúde não mais deve permitir a existência no mercado de produtos acabados à base de substâncias tipo-anfetamina (dietilpropiona ou anfepramona, mazindol, d-l-fenfluramina, d-fenfluramina e outros) quando associadas às substâncias benzodiazepínicas. O registro dos atualmente existentes deve, portanto, ser cancelado."

Mas nada aconteceu em seguida!

Em 1994, o Conselho Federal de Medicina (Resolução 1404/1994) condenava os anoréticos, com os seguintes dizeres:

"Considerando que o uso de anfetaminas, isoladamente ou em associação com... finalidade exclusiva de tratamento de obesidade ou de emagrecimento, tem causado graves riscos à saúde humana (...)".

Idêntica providência foi tomada pelo Conselho Federal de Farmácia (Resolução nº 262 de 16 de setembro de 1994).

Nada Aconteceu!

Desde a década de 1980, o International Narcotics Control Board (INCB), órgão ligado à ONU, apontava o Brasil como utilizando em excesso as substâncias anoréticas anfepramona, fenproporex e mazindol. Fomos apontados como país com uso irracional das mesmas, estando entre os primeiros do mundo em consumo através de prescrições, devido a uma legislação permissiva1.

Nada aconteceu!

No início do segundo milênio, a Associação Médica Brasileira, Associação Brasileira de Psiquiatria, Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos, Sociedade Brasileira de Endocrinologia, Conselho Federal de Farmácia, Conselho Federal de Medicina e a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária voltam à carga e distribuem um cartaz educativo descrevendo o uso dos medicamentos anoréticos como um erro técnico, sem justificativa, podendo mesmo causar sérios danos à saúde.

Nada aconteceu!

O uso de anfetaminas anoréticas para fins estéticos (perda de peso) já foi objeto de fortes críticas em países como Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e vários países latino-americanos2. Além disso, trabalhos científicos de autores brasileiros de várias cidades – Pelotas (RS), São Paulo (SP), São Caetano do Sul (SP), Diadema (SP), Ribeirão Preto (SP), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), Fortaleza (CE), São Luiz (MA) e Belém (PA) - também criticam o uso irracional destes agentes anoréticos (para referências completas destes trabalhos, ver Nappo et al., 2010).

E nada foi feito!

Em 2008, foi criado na ANVISA o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), um programa de amplitude nacional exigindo o envio semanal de dados às autoridades de vigilância sanitária.

Ao que parece, aconteceu algo: segundo o SNGPC, o número de prescrições de anfepramona, fenproporex e mazindol caiu de maneira acentuada.

Mas também outro fato ocorreu: aumentaram tremendamente as prescrições de fluoxetina3, muito possivelmente com a mesma finalidade estética (e não necessidade médica), apesar das reações adversas causadas por este antidepressivo.

As reações adversas produzidas pela anfepramona, fenproporex e mazindol já foram há muito descritas4 e, além disso, as três só podem ser vendidas com embalagem contendo faixa preta, recomendação da ONU para produtos indutores de dependência.

É marcante que, devido a estas sérias conseqüências, o governo português, em 1999 - há mais de 10 anos, portanto - proibiu a venda de tais substâncias, declarando que:

"(...) notificações de reações adversas graves em pacientes medicados com preparações magistrais para o tratamento de obesidade; (...) substâncias cujo perfil de segurança não está suficientemente documentado em termos científicos (...) fica proibida a prescrição e preparação de medicamentos (...) contendo anfepramona [e/ou] fenproporex (...)".

Infelizmente, esta decisão do Ministério da Saúde de Portugal passou em brancas nuvens no Brasil.

E nada aconteceu!

A sibutramina é a quarta droga anorética, a mais recente no mercado e também muito prescrita no Brasil. Foram publicados, recentemente, os resultados do estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular OUTcomes), patrocinado pelo laboratório Abbott, que comercializa a substância, mostrando um aumento em 16% da possibilidade de ocorrência de sérios eventos cardiovasculares adversos ("ataque cardíaco, derrame, parada cardíaca com ressuscitação ou morte") em comparação com pacientes recebendo placebo. Além disso, a perda de peso conseguida foi muito pequena, não justificando o uso da sibutramina.

Devido aos dados do estudo SCOUT, as agências de vigilância sanitária dos Estados Unidos (FDA), comunidade européia (EMEA), Canadá (Health Canada), Austrália (TGA) e Arábia Saudita decidiram pela retirada da sibutramina do mercado5.

Em 2011, no último capítulo desta calenda, a ANVISA propõe, através de duas consultas públicas, a retirada do mercado das quatro substâncias anoréticas. Após estas duas consultas, a situação continua indefinida. Alegam aqueles que defendem a permanência no mercado das quatro substâncias que os pacientes com obesidade mórbida (IMC acima de 40) ficarão sem nenhum recurso terapêutico, e para eles a obesidade é um sério fator de risco cardíaco.

Mas é importante que sejam levados em consideração dois fatos relacionados a este ponto:

A imensa maioria das prescrições de agentes anoréticos dá-se por fatores estéticos (perder peso sem finalidade médica);

É, no mínimo, questionável a utilização de agentes terapêuticos com reconhecido efeito tóxico cardiovascular para pacientes que já apresentam este risco devido à obesidade excessiva.

Em síntese, é sobejamente conhecido o forte lobby visando a manutenção de tais substâncias no mercado. Por outro lado, desde há tempos a comunidade científica mundial e sociedades médicas e farmacêuticas brasileiras posicionam-se contra estes status quo cientificamente inaceitável. Esperamos que desta vez a verdade científica prevaleça.

E. A. Carlini

CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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  • 1. INCB International Narcotics Control Board. Stimulants in schedule IV of the 1971 Convention used as anorectics. Report INCB. Vienna; 2005. p.26.
  • 2. Nappo AS, Carlini EA, Araujo MF, Moreira LF. Prescription of anorectic and benzodiazepine drugs through notification B prescription in Natal, RG Norte. Brazil. Braz J Pharm Sci. 2010;46:297-303.
  • 3. Carlini EA, Noto AR, Nappo SA, Sanchez ZV, Franco VL, Silva LC, Santos VE, Alves DC. Fluoxetina: indícios do uso inadequado. J Bras Psiquiatr. 2009;58;97-100.
  • 4. Nappo SA. Consumo de anorexigenos tipo-anfetamina (dietilpropiona, fenproporex, mazindol) e fenfluramina no Brasil: prejuízo ou benefício para a saúde? J Bras Psiquiatr.  1992;41:417-21.
  • 5. WHO World Health Organization - Regulatory matters. Sibutramine: suspension of marketing authorizations recommended in the European Union e Market withdrawal due to risk of serious cardiovascular events. WHO Pharmaceuticals Newsletter. 2009/2010;6: pg 9-10, 2010;n6: pg 4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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