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Influência da gestação no transtorno obsessivo-compulsivo em homens

Influence of pregnancy in obsessive-compulsive disorder in men

CARTAS AOS EDITORES

Influência da gestação no transtorno obsessivo-compulsivo em homens

Influence of pregnancy in obsessive-compulsive disorder in men

Caro Editor,

Gravidez e puerpério são períodos vulneráveis para a ocorrência de transtornos psiquiátricos, entretanto, os transtornos de ansiedade são pouco diagnosticados. Com relação ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), há farta literatura referente a mulheres, embora existam relatos de início ou exacerbação dos sintomas em homens durante a gravidez ou puerpério de suas companheiras.1-4

Descrevemos o caso de um paciente masculino que apresentou recorrência de TOC durante a gravidez de sua esposa.

LR, 29 anos, professor, casado, sem filhos, procurou atendimento no Serviço de TOC do Hospital Universitário Osvaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, em 2007, com história de início dos sintomas aos oito anos de idade e curso com piora progressiva. Apresentava sintomas em todas as dimensões da Dimensional Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale (DY-BOCS), com predomínio dos conteúdos de agressão/violência (obsessões de ferir ou ser ferido, ser responsabilizado por acontecimentos terríveis e verificação para se certificar de não ter realizado as obsessões) e sexual/religioso (obsessões de blasfêmias, compulsões envolvendo obrigações religiosas, perguntar ou confessar). Na avaliação através da Structured Clinical Interview for DSM-IV (SCID-IV), apresentava também tiques motores, fobia específica, dermatotilexomania e transtorno de ansiedade generalizada. Fazia uso de paroxetina (40 mg/dia) e já havia utilizado fluoxetina (40 mg/dia) sem resposta satisfatória.

Foi submetido a 12 sessões de terapia cognitivo-comportamental em grupo (TCCG), com remissão dos sintomas de TOC (DY-BOCS inicial = 29 e final = 4) e melhora das comorbidades. Seis meses após o término da TCCG, suspendeu-se a medicação, permanecendo o paciente assintomático por um ano e meio.

Durante as primeiras semanas da gravidez da esposa, o paciente apresentou novamente sintomas de TOC, com agravamento quase incapacitante em 15 dias. Apresentava obsessões relacionadas à possibilidade de morrer e deixar a responsabilidade do filho para a esposa e de a criança apresentar graves malformações, além de imagens intrusivas de violência (esmagar o feto ao abraçar a esposa, retirar do útero com uma faca e desmembrá-lo). A paroxetina (20 mg/dia) foi reintroduzida e três sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC) foram realizadas para revisar as técnicas cognitivo-comportamentais. O paciente manteve-se assintomático durante o restante da gravidez e encontra-se estável há dois anos.

Advoga-se que a rápida alteração dos níveis de estradiol, progesterona e ocitocina alteram a neurotransmissão serotoninérgica, podendo explicar o TOC no período gestacional e puerperal.5 O aparecimento ou agravamento do TOC em homens por ocasião da gestação de suas parceiras sinaliza para a necessidade de se investigar outros fatores relacionados. Em mulheres, o TOC durante esta fase caracteriza-se pela predominância de sintomas de agressão, obsessões relacionadas ao bebê e rápido início e evolução.4 No caso apresentado, houve progressão dos sintomas em 15 dias, com pensamentos de ferir o bebê e a esposa.

Embora transtornos psiquiátricos no pós-parto possam comprometer emocionalmente a família e o desenvolvimento cognitivo da criança, outros membros da família, especialmente os pais, são raramente investigados. Portanto, torna-se necessário conhecer os fatores de risco relacionados ao TOC no ciclo gravídico-puerperal, a fim de que se possa diagnosticar e tratar adequadamente os afetados. Pesquisas na área devem olhar para além das teorias biológicas e considerar os fatores ambientais e psicodinâmicos envolvidos.4,5

Kátia Petribú

Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (CTOC)

Faculdade de Ciências Médicas/ Hospital Universitário Osvaldo Cruz / Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil

Rackel Eleutério

Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (CTOC)

Faculdade de Ciências Médicas/ Hospital Universitário Osvaldo Cruz / Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil

Elenita Domingues

Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (CTOC)

Faculdade de Ciências Médicas/ Hospital Universitário Osvaldo Cruz / Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil

Luiz Evandro de Lima Filho

Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (CTOC)

Faculdade de Ciências Médicas/ Hospital Universitário Osvaldo Cruz / Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil

Ygor Ferrão

Consórcio Brasileiro de Pesquisa dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (CTOC)

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil

Serviço de Psiquiatria, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Porto Alegre, Brasil

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  • 1- Vulink NC, Denys D, Bus L, Westenberg HG. Female hormones affect symptom severity in obsessive-compulsive disorder. Int Clin Psychopharmacol 2006;21(3):171-5.
  • 2- Fairbrother N, Abramowitz JS. New parenthood as a risk factor for the development of obsessional problems. Behav  Res  Ther. 2007;45(9): 21552163.
  • 3- Abramowitz JS, Moore K, Carmin C, Wiegartz PS, Purdon C.  Acute Onset of Obsessive-Compulsive Disorder in Males Following Childbirth. Psychosomatics. 2001; 42:42931.
  • 4- Abramowitz JS, Schwartz SA, Moore KM, Luenzmann KR. Obsessive-compulsive symptoms in pregnancy and the puerperium: A review of the literature. J Anxiety Disord.. 2003;17(4):461478.
  • 5- Grisham JR,  Anderson TM, Sachdev PS. Genetic and environmental influences on obsessive-compulsive disorder. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci.. 2008;258(2):107116.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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