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Kraepelin's anxious or depressive mania: a case report

A mania ansiosa ou depressiva de Kraepelin: relato de um caso

CARTAS AOS EDITORES

A mania ansiosa ou depressiva de Kraepelin: relato de um caso

Kraepelin's anxious or depressive mania: a case report

Caro editor,

Kraepelin descreveu oito formas diferentes de estados mistos.1 No entanto, o estudo ou a descrição de cada uma delas, individualmente, tem recebido pouca atenção na literatura científica. Este é o caso, por exemplo, da mania ansiosa ou depressiva. Em dezembro de 2010, utilizando-se como termos de busca na base de dados PubMed/Medline as expressões "anxious or depressive mania" e "anxious mania", nenhuma referência foi encontrada; enquanto uma busca com a expressão "depressive mania" forneceu apenas 11 resultados.

Recentemente, atendemos uma mulher de 54 anos. Ela apresentava intensa ansiedade, inquietação psicomotora, diminuição do apetite, perda significativa de peso, ideias de culpa, pessimismo, baixa auto-estima e insônia. Referia que sua doença começara havia dez anos. Durante a última década, relatou ela, tinha ficado quase todo o tempo "deprimida", apresentando, além dos sintomas acima, tristeza e prostração. Tinha tentado o suicídio uma vez, cinco anos antes, ingerindo medicamentos, mas nunca havia sido internada em um hospital psiquiátrico. Consideramos que a inquietação psicomotora estava relacionada à ansiedade e formulamos o diagnóstico de depressão (unipolar) ansiosa. Foram prescritos mirtazapina e clonazepam.

Três semanas após o início do tratamento, a paciente não havia melhorado dos sintomas depressivos nem da ansiedade. Na consulta, ela disse não acreditar que estivesse deprimida, pois, diferentemente de outras vezes, não se sentia triste, prostrada ou com diminuição do interesse. Pelo contrário, ela referia aumento da energia, além de aceleração do curso do pensamento. Contou que já estava assim antes mesmo de iniciar o uso do antidepressivo. Levantamos, então, a hipótese de um estado misto. De fato, seu quadro clínico era idêntico à descrição de Kraepelin da mania ansiosa ou depressiva: atividade excessiva e fuga de ideias com ansiedade. O que corroborou essa possibilidade foram os indícios de que a paciente sofria, na verdade, de transtorno bipolar. Com seu filho, obtivemos a informação de que a paciente, alguns anos antes, costumava apresentar a cada mês, entre um e outro episódio depressivo, períodos de dois a sete dias em que ficava "eufórica", isto é, excessivamente alegre, mais falante e com a atividade aumentada. Além desses prováveis episódios hipomaníacos, apontou para a mesma direção o fato de a mãe da paciente, durante um tratamento para depressão com sertralina, ter apresentado um episódio de intensa irritabilidade.

Medicada com lítio e levomepromazina, a paciente, dez dias depois, passou a apresentar um episódio depressivo puro, com tristeza, prostração e inibição do pensamento. Após quatro semanas sem melhora do quadro depressivo, a mirtazapina foi reintroduzida, desta vez associada à olanzapina, com manutenção do lítio. Em apenas duas semanas, ficou assintomática.

Utilizando-se o briefTEMPS-Rio de Janeiro, um questionário de auto-avaliação sobre o temperamento traduzido para o português e adaptado para o Brasil,2 verificou-se que a paciente apresentava um temperamento prévio ciclotímico. Segundo Akiskal, os estados mistos se desenvolvem como resultado da influência do temperamento sobre o episódio afetivo.3 Nesse sentido, o caso clínico aqui apresentado parece corresponder ao tipo B-II na classificação dos estados mistos de Akiskal, o qual resulta da interação entre um temperamento ciclotímico e um episódio depressivo.

É interessante observar que a paciente, durante o episódio de mania ansiosa ou depressiva, não preenchia os critérios do DSM-IV ou da CID-10 para mania ou depressão, visto que estavam ausentes tanto euforia ou irritabilidade, como tristeza ou perda do interesse. Naquele momento, ansiedade era a alteração do humor (ou afeto) mais proeminente. Isto parece coerente com as visões, defendidas por alguns autores, de que a distinção entre mania e depressão não deveria ser estabelecida pela qualidade do humor (ou afeto) – alegre, triste, irritado ou ansioso -, mas sim pela intensidade da expressão afetiva4 ou da atividade motora.5 Por outro lado, chama a atenção a carência de estudos específicos sobre a mania ansiosa ou depressiva, especialmente se considerarmos a grande frequência com que a ansiedade é observada nos estados mistos.6

Elie Cheniaux

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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  • 1. Kraepelin E. Manic-depressive insanity and paranoia Edinburgh: E. & S. Livingstone; 1921.
  • 2. Woodroof E, Genaro LT, Landeira-Fernandez J , Cheniaux E, Laks J, Jean-Louis G, Nardi AE, Versiani M, Akiskal HS, Mendlowicz MV. Validation of the Brazilian brief version of the temperament auto-questionnaire TEMPS-A: the briefTEMPS-Rio de Janeiro. J Affect Disord. In press 2011.
  • 3. Akiskal HS. The distinctive mixed states of bipolar I, II, and III. Clin Neuropharmacol 1992;15(Suppl 1 Pt A):632A-3A.
  • 4. Henry C, Swendsen J, Van den BD, Sorbara F, Demotes-Mainard J, Leboyer M. Emotional hyper-reactivity as a fundamental mood characteristic of manic and mixed states. Eur Psychiatry. 2003;18(3):124-8.
  • 5. Benazzi F. Is overactivity the core feature of hypomania in bipolar II disorder? Psychopathology. 2007;40(1):54-60.
  • 6. Cassidy F, Yatham LN, Berk M, Grof P. Pure and mixed manic subtypes: a review of diagnostic classification and validation. Bipolar Disord. 2008;10(1Pt2):131-43.

Publication Dates

  • Publication in this collection
    01 Aug 2011
  • Date of issue
    June 2011
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