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Dirigir embriagado no Brasil: leis mais severas são um primeiro passo, mas outros desafios permanecem

EDITORIAL

Dirigir embriagado no Brasil: leis mais severas são um primeiro passo, mas outros desafios permanecem

Aruna Chandran, MD, MPHI; Ricardo Pérez-Núñez, MD, PhDII

IInternational Injury Research Unit, Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, Baltimore, EUA

IIInstituto Nacional de Salud Pública, Cuernavaca, México

A associação entre o risco de um acidente de tráfego e o consumo de álcool já está bem documentada na literatura: uma metanálise recente1 mostrou que a chance de um acidente com veículos a motor aumenta em 1,24 (IC 95%: 1,18; 1,31) a cada 10 g de álcool puro no sangue. O Brasil assumiu uma postura jurídica agressiva para impedir os indivíduos de dirigir embriagados (DE); em junho de 2008 foi promulgada no Brasil a "Lei Seca" modificando a concentração aceita de álcool no sangue (CAS) dos motoristas de 0,6 g/dL para zero. Um estudo recente examinando os efeitos da lei sobre lesões/mortes por acidentes de tráfego mensais na cidade de São Paulo sugeriu um efeito positivo dessa lei, com uma redução de 7,2% nas mortes e uma redução de 1,8% nas lesões (p < 0,05) de 2001 a 2010.2

Todavia, dirigir embriagado ainda é um problema significativo no Brasil. Esse número da Revista Brasileira de Psiquiatria apresenta uma série de artigos abordando a importante questão do DE no Brasil. São apresentados achados selecionados de uma série de estudos realizados pelo Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Hospital das Clinicas de Porto Alegre.

Em Diferenças Regionais Associadas aos Fatores de Beber e Dirigir no Brasil, de Boni et al.3 exploraram os fatores associados a DE nas diferentes regiões do Brasil. As 5 regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul) variam significativamente quanto ao nível de urbanização, ao produto interno bruto e à distribuição dos tipos de veículo a motor; há diferenças mensuráveis nas estatísticas de tráfego em estradas por região.4 Poder-se-ia sugerir que intervenções usadas em uma região poderiam não ser apropriadas ou eficazes em outra região. Embora esses autores notassem algumas diferenças regionais interessantes, de maneira geral, a prevalência e os fatores de risco do DE foram relativamente semelhantes em todo o país, sugerindo que uma legislação de âmbito nacional e campanhas gerais de aplicação da lei e nos meios sociais seriam eficazes no Brasil.

Em Transtornos Psiquiátricos em Indivíduos que Dirigem Tendo Feito Uso Recente de Álcool e Drogas, Faller et al5. encontraram uma correlação notavelmente alta entre sintomas sugestivos de um transtorno psiquiátrico e dirigir sob a influência de álcool/drogas. A associação entre o uso excessivo de drogas e distúrbios psicológicos já foi bem documentada na literatura.6-7 Acrescentar o dirigir ao contexto dessas co-morbidades apresenta o desafio adicional de que aqueles predispostos a usar e/ou exceder no uso de álcool/ drogas poder ter também maior tendência a apresentar comportamentos de correr riscos quando em uma estrada; as influências agudas das substâncias podem desinibir ainda mais o motorista.8-9 O estabelecimento de evidências dessa correlação no Brasil sugere que a avaliação de triagem de saúde mental pode ser útil e importante em brasileiros detidos ou presos por DE.

Em Fatores Preditivos de uma CAS Positiva numa Amostra de Motoristas Brasileiros, Pechansky et al.10 examinaram os fatores que se associaram ao um teste de bafômetro positivo em motoristas nas estradas de 27 capitais brasileiras. Eles encontraram uma prevalência elevada (4,8%) de níveis positivos de CAS, um número que se elevava para 7,4% ao se combinar a CAS ao autorrelato. É de interesse, e talvez surpreendente, que eles também notaram que indivíduos com idade acima de 30 anos tiveram uma chance 2,6 vezes maior de uma CAS positiva que motoristas mais jovens. Isso pode parecer um contrassenso, devido à grande quantidade de informações relativas à associação entre motoristas mais jovens e a influência do álcool.11-12 Esse estudo ressalta, portanto, a importância de se usar evidências de estudos como esse para se direcionar os programas de intervenção, em vez de se confiar no que se poderia considerar como sendo "do conhecimento de todos."

Andrade et al.13 relataram altos níveis de uso de drogas por estudantes do ciclo colegial, o que parece ser mais comum em comparação aos seus pares não frequentando escolas. Como foi relatado em contextos semelhantes,14 o nível de instrução de um indivíduo se correlaciona frequentemente a sua renda e seu modo de transporte; quanto mais alta a instrução, maior vai ser a probabilidade das pessoas possuírem e usarem um automóvel próprio. Se o uso de drogas, especialmente o álcool, for normalizado e aceito mais comumente no futuro entre aqueles que dirigem, é igualmente possível que vá haver uma frequência maior de transgressores por DE. Isso destaca a interligação entre agendas de prevenção de dependência a drogas e de lesões e ressalta a necessidade de que as duas áreas trabalhem concomitantemente. Os resultados apresentados por Andrade et al. enfatizam a importância de se usar uma abordagem em sinergismo de duas áreas importantes e tradicionalmente independentes da saúde pública.

O Brasil deu um passo importante e inovador ao criar uma lei de tolerância zero por DE; entretanto, o país ainda enfrenta muitos desafios na quantificação da prevalência do DE e na colocação em prática de suas leis rígidas.15 Estudos como esses apresentados nessa série representam um passo importante no sentido de definir e compreender o problema do DE no Brasil, assim como de sugerir subpopulações às quais as intervenções possam ser dirigidas. Espera-se que esses trabalhos venham a ser usados como uma base de apoio para uma coleta sistemática e melhorada de dados em âmbito nacional sobre DE e outros comportamentos de risco, assim como para o teste e a aplicação consistentes da legislação sobre DE.

References

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  • 1. Taylor B, Irving HM, Kanteres F, Room R, Borges G, Cherpitel C, Greenfield T, Rehm J. The more you drink, the harder you fall: a systematic review and meta-analysis of how acute alcohol consumption and injury or collision risk increase together. Drug Alcohol Depend, 2010;110(1-2):108-16.
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  • 9. Zuckerman M, Kuhlman DM. Personality and risk-taking: common biosocial factors. J Pers, 2000;68(6):999-1029.
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  • 11. Birdsall WC, Reed BG, Huq SS, Wheeler L, Rush S. Alcoholimpaired driving: average quantity consumed and frequency of drinking do matter. Traffic Inj Prev, 2012;13(1):24-30.
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  • 15. Pechansky F, Chandran A. Why don't northern American solutions to drinking and driving work in southern America? Addiction, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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