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Por que o Brasil está perdendo a corrida contra o suicídio de jovens?

EDITORIAL

Por que o Brasil está perdendo a corrida contra o suicídio de jovens?

José Manoel Bertolote, MD

Professor, Australian Institute for Suicide Research and Prevention. Griffith University, Brisbane, Austrália, Professor Voluntário. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Federal de São Paulo. Botucatu, Brasil

A mortalidade por suicídio no Brasil cobra um tributo pesado: cerca de 10.000 vidas são perdidas a cada ano por suicídio, quase o mesmo número de pessoas morrendo de AIDS. Três artigos nesse número da Revista Brasileira de Psiquiatria abordam o suicídio por perspectivas diferentes, em diferentes estados brasileiros com uma sólida metodologia epidemiológica. Este é um sinal positivo do interesse dos pesquisadores e dos editores por esta questão complexa.

O artigo de Macente et al.1 utiliza uma abordagem de geoposicionamento para identificar áreas com alto risco de mortalidade por suicídio no estado do Espírito Santo. Elas confirmaram o valor limitado das taxas agregadas, destacando as grandes diferenças na mortalidade por suicídio em áreas vizinhas.

O artigo de Bando et al.2 destaca uma questão mais preocupante, o recente aumento desproporcional na mortalidade por suicídio em pessoas jovens em São Paulo, a maior cidade do Brasil. Usando a análise de regressão pontual conjunta, eles identificaram um aumento anual de 8,6% entre 2002 e 2009 para homens entre 24 e 44 anos, período durante o qual a mortalidade diminuiu para todos os outros grupos etários masculinos, assim como para todos os grupos etários femininos.

Os migrantes também foram identificados como um grupo de alto risco. Ainda outro grupo de alto risco foi estudado por Tavares et al.3 e Pelotas, RS. Mulheres no período pós-parto foram analisadas não quanto à mortalidade por suicídio, mas, sim, quanto a seu risco de comportamento suicida. Os transtornos mentais, especialmente o transtorno bipolar, emergiram como tendo o maior impacto sobre o risco de suicídio.

Podem ser tiradas desses artigos algumas lições úteis para clínicos, pesquisadores e planejadores de saúde e autoridades:

1. O planejamento de intervenções no âmbito local com base em frequências de outros locais pode ocasionar erros graves. Isso foi confirmado por um estudo numa micro-região do interior do estado de São Paulo (Botucatu e Avaré): em comparação a uma média nacional de mortalidade global por suicídio no mesmo período no Brasil de 4 a 5,6 mortes por 100.000 e na cidade de São Paulo de 5,9 a 6,7 mortes por 100.000 habitantes, as taxas correspondentes foram de 17/100.000 em Botucatu (2009) e de 17,8/100.000 e de 22,9/100.000 em Avaré (2020 e 2011, respectivamente) (Bertolote et al.4).

2. Apesar do amplo reconhecimento dos transtornos mentais como o fator de risco mais alto de comportamento suicida, o anúncio em 2006 de uma estratégia nacional para a prevenção do suicídio por parte do Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2006)5 nunca se transformou em ações concretas. Todavia, um acesso mais amplo à identificação e ao tratamento de transtornos mentais graves é fundamental para a redução dos comportamentos suicidas. Não se pode deixar de pensar que a atual situação insatisfatória do cuidado de saúde mental no Brasil está contribuindo para o problema e não para sua solução.

A publicação recente Guia OMS para Intervenções nos transtornos mentais,6 com um capítulo específico sobre Autoagressão/Suicídio, já traduzido para o português e a ser lançado em breve, pode ser uma contribuição de peso à redução dos comportamentos suicidas, especialmente em contextos com recursos humanos especializados limitados, ou seja, o nível de cuidados de saúde primários, incluindo a Política de Saúde da Família (PSF).

A bola está agora com as autoridades: providências imediatas e apropriadas devem ser tomadas aos níveis nacional, estadual e local para que o suicídio não se mantenha a uma frequência não desejada ou, o que é ainda pior, continue a aumentar em grupos vulneráveis (Bertolote et al.7).

References

1. Macente L, Zandonade E. Spatial distribution of suicide incidence rates in municipalities in the state of Espírito Santo (Brazil), 2003-2007: spatial analysis to identify risk areas. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:[ePub ahead of print].

2. Bando D, Brunoni A, Fernandes T, Bensenor I, Lotufo P. Suicide rates and trends in São Paulo, Brazil according to gender, age and demographic aspects: a joinpoint regression analysis. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:[ePub ahead of print].

3. Tavares D, Quevedo L, Jansen K, Souza L, Pinheiro R, Silva R. Prevalence of suicide risk and comorbidities in postpartum women in Pelotas. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:[ePub ahead of print].

4. Bertolote JM, Pinheiro Machado M, Ribeiro M. Determinants of suicide in a countryside region of São Paulo State, Brazil [submitted to Rev Bras Psiquiatr].

5. Ministério da Saúde (2006). Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio (Portaria 1.876/06). Diário Oficial da União, Seção 1, 15.08.2006: pp. 65.

6. World Health Organization (2010). mhGAP Intervention Guide for mental, neurological and substance use disorders in non-specialized health settings. Geneva, World Health Organization.

7. Bertolote JM, Botega N, De Leo D. Inequities in suicide prevention in Brazil. Lancet, 2011;378(9797):1137.

4. Bertolote JM, Pinheiro Machado M, Ribeiro M. Determinants of suicide in a countryside region of São Paulo State, Brazil [submitted to Rev Bras Psiquiatr] .

5. Ministério da Saúde (2006). Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio (Portaria 1.876/06). Diário Oficial da União, Seção 1, 15.08.2006: pp. 65.

6. World Health Organization (2010). mhGAP Intervention Guide for mental, neurological and substance use disorders in non-specialized health settings. Geneva, World Health Organization.

7. Bertolote JM, Botega N, De Leo D. Inequities in suicide prevention in Brazil. Lancet, 2011;378(9797):1137.

  • 4. Bertolote JM, Pinheiro Machado M, Ribeiro M. Determinants of suicide in a countryside region of São Paulo State, Brazil [submitted to Rev Bras Psiquiatr]
  • 5. Ministério da Saúde (2006). Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio (Portaria 1.876/06). Diário Oficial da União, Seção 1, 15.08.2006: pp. 65.
  • 6. World Health Organization (2010). mhGAP Intervention Guide for mental, neurological and substance use disorders in non-specialized health settings. Geneva, World Health Organization.
  • 7. Bertolote JM, Botega N, De Leo D. Inequities in suicide prevention in Brazil. Lancet, 2011;378(9797):1137.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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