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Uso de lítio durante o primeiro trimestre da gravidez, seguido de suspensão, acompanhamento próximo e terapia focada na escuta e no apoio

CARTA AOS EDITORES

Uso de lítio durante o primeiro trimestre da gravidez, seguido de suspensão, acompanhamento próximo e terapia focada na escuta e no apoio

Débora BassittI; Walter SoaresI; Michel HaddadI; Mariana AlbertiI; Marcela BezerraII

IInstituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo, Psiquiatra

IIInstituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo, Psicóloga

Prezado Editor,

As mulheres portadoras de transtornos bipolares (TB) encontram dificuldade no tratamento quando engravidam,1 por não haver um tratamento claramente estabelecido. Depois de uma suspensão da farmacoterapia o risco de recorrência/ cronicidade aumenta significativamente,1-3 seja na gravidez ou no período pós-parto, o qual tem um risco mais alto.1 Além disso, ao se conduzir o tratamento nessa fase, é importante ter em mente a importância desse período na vida das mulheres.

I.M.S., 41 anos, portadora de TB desde 2007, teve dois episódios maníacos com sintomas psicóticos: um deles foi tratado durante uma admissão hospitalar e em ambos ela foi medicada com lítio e olanzapina.

Em 2010, estava utilizando carbonato de lítio, 900 mg, como tratamento de manutenção e teve uma gravidez detectada, começando então a reduzir a medicação por própria conta. Durante o acompanhamento ela expressou o desejo de continuar o tratamento sem medicação, apesar de lhe serem explicados os riscos envolvidos. Iniciamos então sessões de acompanhamento regular de 30 a 40 minutos por semana com foco em ouvir e dar apoio. A primeira ultrassonografia (USG) foi realizada na 16ª semana de gestação e não demonstrou nenhuma alteração.

Na 22ª semana ela se queixou de insônia, irritabilidade, labilidade emocional e de se sentir solitária quando o marido estava viajando. Como ela piorou, aumentou-se a frequência do monitoramento, mantendo uma abordagem terapêutica, e acrescentando medidas de higiene de sono. No mesmo período, foram evidenciadas, em USG morfológica, dilatação pielocalicial moderada e inserção baixa da placenta.

Ela permaneceu estável no sexto mês, apesar de um período de tristeza ocasionado por importantes problemas familiares. No sétimo mês, foi internada na enfermaria obstétrica para investigação de placenta prévia, ameaça de parto pré-termo, polidrâmnio e hidronefrose. A possibilidade de síndrome de Down foi sugerida devido a uma imagem sugestiva de hipoplasia do osso nasal à USG, mas decidiu-se aguardar o parto e o ecocardiograma Doppler fetal demonstrou ausência de malformações cardíacas. Apesar desses problemas, ela não apresentou sintomas depressivos.

A cesárea foi indicada e transcorreu sem complicações. Não foi detectada nenhuma anormalidade ao exame físico do bebê. No período puerperal, I.M.S. expressou o desejo de amamentar o filho o quanto fosse possível. A estabilidade durante a gravidez e a boa evolução contribuíram para a decisão de se manter a paciente com acompanhamento atento e sem medicação. O aleitamento materno foi suspenso depois de seis meses, seguido pela reintrodução dom lítio.

Apesar do risco de recorrência e dos baixos efeitos teratogênicos do lítio,1-4 I.M.S. optou por não usar lítio durante a gravidez. Devido à solicitação da paciente, nós recomendamos a redução gradual do lítio em alguns dias e o acompanhamento mais próximo para reduzir ao máximo a possibilidade de recorrências.1,3 Diante da exposição ao lítio, USG morfológicas e um ecocardiograma com doppler foram realizados como avaliação de triagem logo após o 1º trimestre.1-4 Esse caso reafirma que mulheres grávidas portadoras de TB que permaneçam bem durante a gravidez têm um risco menor de recidiva no período pós-parto,1 mesmo sem medicação. Independente disso, a orientação psicológica e um monitoramento clínico atento são essenciais em mulheres bipolares grávidas.5

Conforme relatamos, a terapêutica baseada no apoio e na escuta podem ser eficazes como estratégias para o tratamento do TB durante a gravidez e o período pós-parto. Outro aspecto importante é a relação entre a equipe médica, a paciente e a família, proporcionando apoio e respeitando as decisões tomadas em conjunto.

References

  • 1. Vigueira AC, Cohen LC, Baldessarini RJ, Nonacs R. Managing bipolar disorder during pregnancy: weighing the risks and benefits. Can J Psychiatry. 2002;47(5):426-36.
  • 2. Miguel EC, Gentil V, Gattaz WF, editors. Clínica Psiquiátrica. 1Ş ed. Barueri: Manole; 2011.
  • 3. Freeman MP, Gelenberg AJ. Bipolar disorder in women: reproductive events and treatment considerations. Acta Psychiatr Scand. 2005;112:88-96.
  • 4. Yacobi S, Ornoy A. Is Lithiuma Real Teratogen? What Can We Conclude from the Prospective Versus Retrospective Studies? A Review. Isr J Psychiatry Relat Sci. 2008;45(2):95-106.
  • 5. Meyer TD, Hautzinger M. Cognitive behaviour therapy and supportive therapy for bipolar disorders: relapse rates for treatment period and 2-year follow-up [internet]. Psychological Medicine: Cambridge Journals Online; 2011 Nov 21 [cited 2012 Mar 10]. Available at: [http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8439491]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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