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Distonia induzida por imipramina em uma criança: relato de caso

CARTA AOS EDITORES

Distonia induzida por imipramina em uma criança: relato de caso

Filipe Augusto Cursino FreitasI; Arthur KummerII; Antônio Lúcio TeixeiraIII

IMédico, Pesquisador Associado,Unidade de Psiquiatria do Hospital Universitário, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

IIMédico, Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

IIIMédico, Doutor, Professor Associado e Diretor da Neuropsiquiatria, Unidade de Neurologia do Hospital Universitário, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Caro Editor,

Sabe-se que algumas classes de drogas neuropsiquiátricas podem causar distúrbios do movimento. A classe de drogas mais associada a esse tipo de efeito colateral é a dos antipsicóticos, mas alguns anticonvulsivantes e antidepressivos, como em particular os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, também são capazes de causar síndromes extrapiramidais.1 Distúrbios do movimento, no entanto, raramente são descritos como sendo efeitos colaterais de antidepressivos tricíclicos.2 O caso que descrevemos neste relato apresenta uma rara consequência do uso de um antidepressivo tricíclico.

Um menino de 8 anos foi atendido em um serviço local de psiquiatria devido a mudanças de comportamento como: irritabilidade, tristeza, falta de interesse em brincar, perturbação de sono e diminuição do apetite. Os sintomas começaram a se manifestar há aproximadamente 4 meses, e até mesmo os professores da escola perceberam a mudança no humor. Os exames clínicos e laboratoriais foram normais. O diagnóstico foi de episódio depressivo grave, e se iniciou o tratamento com 25 mg/dia de imipramina. Optou-se por imipramina, pois esta pertence à classe dos tricíclicos, única classe de antidepressivos disponível no sistema público de saúde brasileiro na época do tratamento. O paciente respondeu positivamente à droga e houve remissão dos sintomas depressivos ao longo das 6 semanas seguintes. Entretanto, após 3 meses, a criança apresentou movimentos involuntários distônicos, com movimentos involuntários do pescoço para as laterais, abertura bucal e contrações da musculatura facial. Os movimentos eram dolorosos e a dor interferia substancialmente nas atividades básicas, como comer e beber. O paciente relatou que os movimentos eram absolutamente involuntários. Não havia histórico de transtornos neuropsiquiátricos na família. Solicitaram-se diversos exames: tomografia computadorizada e exames laboratoriais como hemograma completo, eletrólitos, função renal, hepatograma, função tiroidiana, ceruloplasmina e exame de acantócitos. O resultado dos exames foi negativo. O paciente usou exclusivamente a imipramina, e nenhuma outra medicação durante este período. Ele foi diagnosticado com distonia transitória induzida por drogas e imediatamente foi suspenso o uso de imipramina. A distonia permaneceu por mais 2 dias após a última ingestão. O menino foi acompanhado tanto por um psiquiatra quanto por um neurologista por mais de um ano, e permaneceu sem movimentos anormais e alterações psicopatológicas.

Os sintomas extrapiramidais induzidos por imipramina e outros antidepressivos tricíclicos, particularmente a discinesia tardia, acatisia e parkinsonismo, já foram descritos anteriormente.2 Não há, no entanto, nenhum relato sobre distonia com imipramina. Embora a distonia induzida por droga represente uma reação adversa comum para outras classes de fármacos, incluindo como os antidepressivos, esse efeito colateral é raro com os antidepressivos tricíclicos, possivelmente devido a sua intrínseca ação anticolinérgica. Assim, não é clara a explicação farmacodinâmica para esta reação idiossincrática, mas fatores genéticos desconhecidos provavelmente desempenham um papel importante no caso.3 Uma explicação possível, que foi proposta para descrever outros casos raros de distonia induzida por drogas,4 é a contaminação da droga por outras substâncias durante a fabricação. Tal explicação parece-nos plausível, considerando que os serviços de saúde pública no Brasil compram medicamentos produzidos tanto localmente quanto no exterior, com diferentes níveis de controle de qualidade e práticas de fabricação, sendo possível, portanto, a ocorrência de contaminação.

Os médicos devem desconfiar quando os sintomas psiquiátricos ocorrem em paralelo a distúrbios do movimento e devem excluir outras doenças primárias.5 Além disso, este relato de caso enfatiza a importância de considerarmos os distúrbios do movimento como um possível efeito colateral dos antidepressivos tricíclicos - embora o mecanismo farmacodinâmico desta reação seja ainda desconhecido.

Referências

  • 1. Edwards MJ, Bhatia KP. Drug-induced and tardive dystonia. In: Warner TT, Bressman SB (eds.). Clinical diagnosis and management of dystonia. London: Informa Healthcare, 2007.
  • 2. Vandel P, Bonin B, Leveque E, Sechter D, Bizouard P. Tricyclic antidepressant induced extrapyramidal side effects. Eur Neuropsychopharmacol. 1997;7(3):207-12.
  • 3. Scordo MG, Spina E, Romeo P et al. CYP2D6 genotype and antipsychotic-induced extrapyramidal side effects in schizophrenic patients. Eur J Clin Pharmacol. 2000;56(9-10): 679-83.
  • 4. Fadare JO, Owolabi LF. Carbamazepine-induced dystonia, a case report. Neurol Asia. 2009;14(2):165-6.
  • 5. Vale TC, Caramelli P, Teixeira AL. Long-term mood disorder antedating the diagnosis of Wilson's disease. Rev Bras Psychiatr. 2011;33(1):101-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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