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O TDAH é subtratado no Brasil

CARTA AOS EDITORES

O TDAH é subtratado no Brasil

Paulo MattosI; Luis Augusto RohdeII; Guilherme V. PolanczykIII

IProfessor Adjunto de Psiquiatria, UFRJ

IIProfessor de Psiquiatria, UFRGS

IIIProfessor Adjunto de Psiquiatria da Criança & Adolescente, USP

Caro Editor,

A crescente conscientização acerca do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), seja relacionada às campanhas financiadas por associações médicas, grupos de autoajuda ou empresas farmacêuticas, está associada a um desejável aumento progressivo no número de pacientes diagnosticados e tratados. Há, entretanto, preocupações acerca do tratamento excessivo, particularmente em crianças e adolescentes. Essas preocupações são muitas vezes conduzidas pela mídia, de maneira alarmante.

Os estimulantes são a primeira linha de tratamento para o TDAH em crianças em idade escolar, adolescentes e adultos. O aumento recente nas vendas desses fármacos no Brasil atraiu a atenção da comunidade para a possibilidade de tratamento excessivo. Para verificarmos se o número total de estimulantes vendidos no Brasil em 2009 e 2010 corresponde a um número maior que o esperado de pacientes com TDAH em tratamento, realizamos uma análise dos dados disponíveis de duas empresas farmacêuticas no país que estavam comercializando estimulantes durante esse período. Estimamos o número de indivíduos que estariam sob tratamento contínuo, considerando que um paciente tomaria apenas um comprimido por dia, (mesmo para metilfenidato 10 mg, de liberação imediata, que deve ser administrado duas ou três vezes ao dia) por 22 dias por mês, durante 10 meses por ano. É importante observar que consideramos o número mínimo de dias de uso para um tratamento adequado, ou seja, que todos os pacientes interromperiam o uso de medicamentos também durante o verão e aos fins de semana. Em 2009, 1.413.460 caixas de metilfenidato foram vendidas no Brasil, o que representa 32.986.110 comprimidos. Em 2010, 1.674.372 caixas de metilfenidato foram vendidas no Brasil, o que representa 40.585.870 pílulas (dados fornecidos pela IMS/ Health Care Measurement). Usando uma definição nossa bastante liberal de tratamento contínuo (1 comprimido por dia, 22 dias por mês, durante 10 meses por ano), de acordo com as normas de tratamento, calculamos que de 149.937 a 184.481 indivíduos poderiam estar sob tratamento contínuo em 2009 e 2010, respectivamente.

Em seguida, calculamos o número esperado de indivíduos com TDAH no Brasil, levando em conta os dados mais atuais sobre a população oficial, fornecidos pelo IBGE (2010). Desta vez, para fazermos uma análise extremamente conservadora, considerou-se a estimativa de prevalência mais baixa detectada em um estudo epidemiológico brasileiro (0,9%) (Goodman et al.1), apesar de recente meta-análises feitas mundialmente com taxas de TDAH de aproximadamente 5,3% para jovens e 2,5% para adultos (Polanczyk et al. 2; Simon et al.3). Segundo estas estimativas bastante conservadoras para o TDAH na população, pelo menos 924.732 pessoas são afetadas pelo TDAH no Brasil (tabela 1).

Assim, calcula-se que somente 16,2 a 19,9% dos indivíduos afetados pelo TDAH no Brasil recebiam tratamento de primeira linha para o transtorno em 2009-2010, mesmo através desse número calculado de forma conservadora, que superestimou o número de pessoas recebendo tratamento contínuo e subestimou o número de indivíduos com TDAH. Na verdade, o número real é provavelmente ainda menor, pois estes estimulantes também têm outras indicações, menos frequentes. É importante observar, no entanto, que aproximadamente 30% dos pacientes com TDAH não reagem aos estimulantes, e devem ser tratados com outros medicamentos; além disso, nem todos os pacientes com TDAH precisam de intervenções farmacológicas. Contudo, nossas análises extremamente conservadoras com certeza contrabalanceiam quaisquer consequências desses dois aspectos. As preocupações de que um número excessivo de indivíduos seria tratado com estimulantes para o TDAH em nosso país carecem de qualquer base científica. Mais campanhas educativas são necessárias para identificar a proporção significativa dos indivíduos com TDAH não tratados no Brasil.

Referências

  • 1. Goodman R, Neves dos Santos D, Robatto Nunes AP, Pereira de Miranda D, Fleitlich-Bilyk B, Almeida Filho N. The Ilha de Maré study: a survey of child mental health problems in a predominantly African-Brazilian rural community. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2005;40(1):11-7.
  • 2. Polanczyk G, de Lima MS, Horta BL, Biederman J, Rohde LA. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164(6):942-8.
  • 3. Simon V, Czobor P, Bálint S, Mészáros A, Bitter I. Prevalence and correlates of adult attention-deficit hyperactivity disorder: meta-analysis. Br J Psychiatry. 2009;194(3):204-11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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