Acessibilidade / Reportar erro

Os programas de pesquisa de Lakatos: uma leitura para o entendimento da construção do conhecimento em sala de aula em situações de contradição e controvérsia

Resumos

Este trabalho faz uma analogia entre os programas de pesquisa de Lakatos e a dinâmica das idéias dos estudantes em situações de sala de aula. Esta analogia revelou-se uma maneira produtiva de análise do desenvolvimento das concepções dos estudantes durante um processo de discussão. Com as condições de inteligibilidade, plausibilidade e frutibilidade de Posner et alii (1982), pudemos enriquecer a análise baseada previamente nos programas. Mostramos com um exemplo videogravado durante uma aula que a nossa abordagem pode ser efetivamente usada como um instrumento analítico para ajudar o professor a entender e melhorar os processos de ensino e de aprendizagem.

Construção do conhecimento; concepções alternativas; conflito cognitivo; mudança conceitual; programas de pesquisa; Lakatos; sala de aula


It is shown in this work an analogy between Lakatos' research programmes and the dynamics of students ideas in classroom situations. This analogy revealed itself a productive manner to analyse the development of students' concepcions during a discussion process. With the conditions of intelligibility, plausibility and fruitfulness of Posner et alii. (1982) the analysis previously based in programmes could be enriched. We show with an example video-recorded during a class that our approach can be used as an effective analytical instrument to help teachers understanding and improving the processes of teaching and learning.

Knowledge construction; alternative concepcions; cognitive conflict; research programmes; Lakatos; classroom


ARTIGOS

Os programas de pesquisa de Lakatos: uma leitura para o entendimento da construção do conhecimento em sala de aula em situações de contradição e controvérsia

Carlos Eduardo LaburúI; Sérgio de Mello ArrudaII; Roberto NardiIII

IProfessor Associado, Departamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina (e-mail: laburu@npd.uel.br)

IIProfessor Adjunto, Departamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina (e-mail: arrudas@npd.uel.br)

IIIProfessor Assistente Doutor, Departamento de Educação, Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Bauru (e-mail: nardi@fc.unesp.br)

RESUMO

Este trabalho faz uma analogia entre os programas de pesquisa de Lakatos e a dinâmica das idéias dos estudantes em situações de sala de aula. Esta analogia revelou-se uma maneira produtiva de análise do desenvolvimento das concepções dos estudantes durante um processo de discussão. Com as condições de inteligibilidade, plausibilidade e frutibilidade de Posner et alii (1982), pudemos enriquecer a análise baseada previamente nos programas. Mostramos com um exemplo videogravado durante uma aula que a nossa abordagem pode ser efetivamente usada como um instrumento analítico para ajudar o professor a entender e melhorar os processos de ensino e de aprendizagem.

Unitermos: Construção do conhecimento, concepções alternativas, conflito cognitivo, mudança conceitual, programas de pesquisa, Lakatos, sala de aula.

ABSTRACT

It is shown in this work an analogy between Lakatos' research programmes and the dynamics of students ideas in classroom situations. This analogy revealed itself a productive manner to analyse the development of students' concepcions during a discussion process. With the conditions of intelligibility, plausibility and fruitfulness of Posner et alii. (1982) the analysis previously based in programmes could be enriched. We show with an example video-recorded during a class that our approach can be used as an effective analytical instrument to help teachers understanding and improving the processes of teaching and learning.

Keywords: Knowledge construction, alternative concepcions, cognitive conflict, research programmes, Lakatos, classroom.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

1 A zona de desenvolvimento proximal é a diferença entre o nível de dificuldade envolvida na resolução de um problema que a criança poderia, independentemente de outrem, dar conta e o nível de dificuldade em que ela, somente acompanhada com a ajuda de um adulto, poderia conseguir resolver (Vygotsky, 1978).

2 A crítica, em conjunto com o processo de debate e discussão, é por nós vista, por um lado, como um importante elemento do processo de pensamento - no que diz respeito a um melhoramento ou crescimento cognitivo (Murray, 1977; Johnson & Johnson, 1979) - e, por outro lado, como um dos principais elementos motivacionais da aprendizagem, condição que parece ser indispensável a qualquer processo de ensino-aprendizagem (Villani, 1992; Strike & Posner, 1992).

3 A heurística negativa especifica o "núcleo" do programa, que é irrefutável por decisão metodológica dos seus protagonistas (Lakatos e Musgrave, 1979).

4 A heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de sugestões e palpites sobre como mudar e desenvolver as "variantes refutáveis" do programa e sobre como modificar e sofisticar o cinto de proteção "refutável" (Lakatos e Musgrave, 1979).

5 A forca heurística caracteriza a capacidade de um programa de pesquisa em antecipar teoricamente fatos novos em seu crescimento (Lakatos e Musgrave, 1979).

6 Matthews (1994, p.149), criticando essa perspectiva, nega que o conhecimento é apropriado ordenando a realidade. (...) "Os conceitos teóricos não são levantados da experiência imediata, nem ao menos referem-se diretamente a tal experiência" (ibid., p.156).

7 Inteligibilidade: condição na qual o indivíduo compreende a sintaxe, o modo de expressão, o significado, o sentido, os termos e os símbolos utilizados pela nova concepção. Requer, também, construir e identificar representações, imagens e proposições coerentes, internamente consistentes e inter-relacionadas, sem, contudo, acreditar necessariamente que elas sejam verdadeiras. Plausibilidade: condição na qual os novos conceitos adotados são, pelo menos, capazes de resolver os problemas gerados pela concepção predecessora. Desta condição resulta, ainda, a relação de consistência dos conceitos aceitos para com outros conhecimentos (ecologia conceitual) correlatos, assumidos pelo sujeito. O indivíduo, conseqüentemente, acredita que os novos conceitos são verdadeiros. A plausibilidade de uma idéia pode ser identificada por expressões como as do tipo: é difícil de imaginar... é difícil de pensar... eu poderia imaginar... eu entendo... aquilo faz sentido para mim...aquilo não poderia estar certo...etc. (Hewon & Thorley, 1989). Frutificação: condição que abre a possibilidade de que novos conceitos sejam estendidos a outros domínios, revelando novas áreas de questionamento.

8 É preciso salientar que o caráter geral aqui mencionado estava condicionado às seguintes condições mínimas: 1) O professor era um profissional competente no que se refere ao conteúdo. 2) O professor possibilitava a abertura de espaço para que os alunos levantassem as suas próprias idéias, debatessem-nas e as criticassem, logo, condições compatíveis e coerentes com as determinações assumidas na introdução deste trabalho.

9 Ao considerarmos que o programa alternativo contém como núcleo a concepção "temperatura mede a quantidade de calor" estamos realizando uma análise parcial do entendimento dos alunos do problema térmico. Como se pode ver nos trabalhos referidos sobre calor e temperatura, os alunos apresentam um variado conjunto de outras concepções sobre calor e temperatura (por exemplo, calor e temperatura são grandezas indiferenciadas; a temperatura é considerada grandeza extensiva etc.), que poderiam fazer parte do núcleo deste programa.

10 Essa não é a única concepção que os alunos trazem para a sala de aula, como vimos. Ver nota anterior

  • BREWER, W.F., SAMARAPUNGAVAN, A. Childrens' theories vs. scientific theories: Differences in reasoning or differences in knowledge? In: R.R. Hoffman, D.S. Palermo (Eds.), Cognition and symbolic process: Applied and ecological perspectives (pp. 209-232). Hillsdale, NJ: Erlbaum. 1991.
  • CAREY, S. Conceptual change in childhood. Cambridge : MA. MIT.
  • CLEMENT, J. Student's preconceptions in introductory physics. American Journal of Physics, v.50, n.66-71, 1982.
  • CHI, M.T.H. Conceptual change within and across ontological categories: examples from learning and discovery in science. In: Giere, R. (Ed.). Cognitive models of science. Minnesota : University of Minnesota. 1991.
  • CHINN, C.A., BREWER, W.F. The role of anomalous data in knowledge acquisition: a theoretical framework and implications for science instruction. Review of Educational Research, v.63, n.1, p.1-49. 1993.
  • DISESSA, A. Knowledge in pieces. In: Forman, G., Pufall, P.B. (Eds.), Constructivism in the computer age Hillsdale : Lawrence Erlbaum, 1988. p.49-70.
  • DRIVER, R. Students conceptions and the learning of science. Int. J. Sci. Educ., v.7, p.481-490, 1989.
  • DRIVER, R. et al. Constructing scientific knowledge in the classroom. Educational Researcher, v.23, n.7, p.5-12, 1994.
  • DRIVER, R., GUESNE, E., TIBERGHIEN, A. Children's ideas in science Open University, 1985.
  • DUIT, R., KESIDOU, S. Students conceptions of basic ideas of the second law of thermodynamics In: ANNUAL NARST MEETING, 1990, Atlanta. Paper... Atlanta, 1990.
  • DYKSTRA, D.I. Studying conceptual change: constructing new understandings In: Research in Physics Learning: Theoretical Issues and Empirical Studies. Proceedings of an International Workshop Held at the University of Bremen, march 4-8, 1991, p.40- 58.
  • EDWARDS, D., MERCER, N. Common knowledge : the development of understanding in the classroom. London/New York : Routledge, 1987. 193p.
  • ERICKSON, G. L. (1980). Children's viewpoint of heat: a second look. Science Education N.Y. 64: 323-338.
  • GEDDIS, A. N. Improving the quality of science classroom discourse on controversial issues. Science Education, v.75, n.2, p.169-183, 1991.
  • HEWON, P.W., THORLEY, N.R. The conditions of conceptual change in the classroom. International Journal of Science Education V.7, p.541-553, 1989.
  • HOWE, A.C. Development of science concepts within a Vygotskyan framework. Science Education, v.80, n.1, p.35-51, 1996.
  • JOHNSON, D., JOHNSON, R.T. Conflict in the classroom: controversy and learning. Review of Educ. Research, v.49, n.1, p.51-70, 1979.
  • LABURÚ, C.E. La crítica en la enseñanza de las ciencias: constructivismo y contradiccion. Ensenãnza de las Ciencias, v.14 n.1, p.93-101, 1996.
  • LABURÚ, C.E., CARVALHO, A.M.P. Uma descrição da forma do pensamento dos alunos em sala de aula. Revista Brasileira de Ensino de Física, v.17, n.3, p.243-254, 1995.
  • LAKATOS, I. The methodology of scientific research programmes. Philosophical Papers v.1. Cambridge : Cambridge University, 1978. 250p.
  • LAKATOS, I., MUSGRAVE, A. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento São Paulo : Cultrix, 1979. p.343.
  • LAWSON, A.E. The acquisition of biological knowledge during childhood: cognitive conflict or tabula rasa? Journal of Research in Science Teaching, v.25, p.185-199, 1988.
  • McCLOSKEY, M., CARAMAZZA, A., GREEN, B. Curvilinear motion in the absence of external forces: naive beliefs about the motion of objects. Science, v.210, p.1139-1141, 1980.
  • MATTHEWS, M. R. Constructivism and empiricism: an incomplete divorce. Research in Science Education, v.22, p.299-307, 1992.
  • MATTHEWS, M.R. Science teaching. The Role of history and philosophy of science. Philosophy of Education Research Library. Routledge. Cortez Editor. New York, 1994.
  • MORTIMER, F. E. Conceptual change or conceptual profile? Science & Education v.4, n.3, p.267-285, 1994.
  • MURRAY, F.B. et al. Acquisition of conservation through cognitive dissonance. Journal of Educ. Psychology, v.69, n. 519-527, 1977.
  • NUSSBAUM, J., NOVICK, S. Alternative frameworks, conceptual conflict and accommodation: toward a principled teaching strategy. Instructional Science, v.11, p.183-200, 1982.
  • PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento : equilibração das estruturas cognitivas Lisboa : Dom Quixote, 1977. 228p.
  • POSNER, G. J., et al. Accommodation of scientific conception: Toward a theory of conceptual change. Science Education, New York, v.66, n.2, p.221-227, 1982.
  • ROWELL, J.A., DAWSON, C.J. Laboratory counter examples and the growth of understanding in science. European Journal of Science Education, p.5, n.2, p.203-215, 1983.
  • ROWELL, J.A., DAWSON, C.J. Equilibration, conflict and instruction: A new class-oriented perspective. European Journal of Science Education, v.4, n.4, p.331-344, 1985.
  • SCOTT, P.H., ASOKO, H.M., DRIVER, R.H. (1992). Teaching for conceptual change: a review of strategies In: Research in Physics Learning: Theoretical Issues and Empirical Studies. Proceedings of an International Workshop Held at the University of Bremen, march 4-8, 1991. p.310- 329.
  • SOLOMON, J. The rise and fall of constructivism. Studies in Science Education, v.23, p.1-49, 1944.
  • STAVY, R., BERKOVITZ, B. Cognitive conflict as basis for teaching quantitative aspects of the concept of temperature. Science Education, v.64, p.679-692, 1980.
  • STRIKE, K.A., POSNER, G.J. A revisionist theory of conceptual change In: Duschl, R. and Halmilton, R. (eds). Philosophy of science and educational theory and practice. Albany : SONY, 1992. p.147-176.
  • VIENNOT, L. Spontaneous reasoning in elementary dynamics. European Journal of Science Education, v.1, p.205-221, 1979.
  • VILLANI, A. Conceptual change in science and science education. Science Education, v.76, n.2, p.233-237, 1992.
  • VILLANI, A., et al. Filosofia da ciência e psicanálise: analogias para o ensino de ciências. Cadernos Catarinense de Ensino de Física, v.14, n.1, p.37-55, 1997.
  • VOSNIADOU, S. BREWER, W.F. Mental models of earth: a study of conceptual change in childhood. Cognitive Psychology, v.24, p. 535-585, 1992.
  • VYGOTSKY, L.S. Mind in society: the development of higher psychological processes London : Harvard University, 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2012
  • Data do Fascículo
    1998
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
E-mail: revista@fc.unesp.br