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Análise do vínculo entre grupo e professora numa aula de ciências do Ensino Fundamental

Analysis of the bond between group and teacher in a basic science lesson

Resumos

O objetivo deste trabalho consiste em investigar a dinâmica de um grupo de aprendizagem numa aula de ciências. O grupo selecionado para a pesquisa constituiu-se de quatro alunos do II Ciclo (3ª e 4ª séries) do Ensino Fundamental. Os dados foram coletados no 1º semestre de 2004, mediante gravação das aulas em vídeo, numa escola pública do município de Londrina-Paraná. O referencial teórico utilizado para análise e interpretação dos dados é de orientação psicanalítica, particularmente a Teoria do Vínculo de Pichon-Rivière. Entre os principais resultados encontrados, destacamos o vínculo estabelecido entre o grupo e a professora, o qual contribuiu para uma organização mais estável entre os membros, inclusive, com a aceitação de um aluno que se sentia excluído. Concluímos discutindo alguns aspectos relevantes a serem levados em consideração na promoção e sustentação da aprendizagem em grupo em sala de aula.

Psicanálise e educação; Ensino de ciências; Grupo de aprendizagem


The objective of this work consists in investigating the dynamics of group of learning in a science workshop. The group selected for the research consisted of four students. The data had been collected in 1º semester of 2004 through video recording of the lesson in a public school of the city of Londrina/PR. The theoretical basis for the analysis and interpretation of the data is psychoanalytical, particularly the Theory of Pichon-Rivière. From the results we identify the group-professor relationship bond established by the group as it evolved. We conclude by arguing that some aspects should be taken in consideration in the promotion and support of the learning in groups in classrooms.

Psychoanalysis and education; Science education; Learning group


Análise do vínculo entre grupo e professora numa aula de ciências do Ensino Fundamental* * Elaborado com base em trabalho apresentado na forma de comunicação oral no V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Bauru/SP, entre 28/11 e 03/12/05.

Analysis of the bond between group and teacher in a basic science lesson

Marcelo Alves BarrosI,1 1 Universidade Estadual de Maringá, Campus Universitário, Departamento de Física, Av. Colombo, 5790, Maringá, PR, 87.020–900 ; Carlos Eduardo LaburúII; Zenaide F. D. C. RochaIII

IDoutor em Educação; professor adjunto, Departamento de Física, Universidade Estadual de Maringá. Maringá, PR. <mbarros@dfi.uem.br>. Com apoio do CNPq

IIDoutor em Educação; professor associado, Departamento de Física, Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR. <laburú@uel.br>. Com apoio do CNPq e Fundação Araucária

IIIMestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática; discente; Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR. <zenaidedante@bol.com.br>

RESUMO

O objetivo deste trabalho consiste em investigar a dinâmica de um grupo de aprendizagem numa aula de ciências. O grupo selecionado para a pesquisa constituiu–se de quatro alunos do II Ciclo (3ª e 4ª séries) do Ensino Fundamental. Os dados foram coletados no 1º semestre de 2004, mediante gravação das aulas em vídeo, numa escola pública do município de Londrina–Paraná. O referencial teórico utilizado para análise e interpretação dos dados é de orientação psicanalítica, particularmente a Teoria do Vínculo de Pichon–Rivière. Entre os principais resultados encontrados, destacamos o vínculo estabelecido entre o grupo e a professora, o qual contribuiu para uma organização mais estável entre os membros, inclusive, com a aceitação de um aluno que se sentia excluído. Concluímos discutindo alguns aspectos relevantes a serem levados em consideração na promoção e sustentação da aprendizagem em grupo em sala de aula.

Palavras–chave: Psicanálise e educação. Ensino de ciências. Grupo de aprendizagem.

ABSTRACT

The objective of this work consists in investigating the dynamics of group of learning in a science workshop. The group selected for the research consisted of four students. The data had been collected in 1º semester of 2004 through video recording of the lesson in a public school of the city of Londrina/PR. The theoretical basis for the analysis and interpretation of the data is psychoanalytical, particularly the Theory of Pichon–Rivière. From the results we identify the group–professor relationship bond established by the group as it evolved. We conclude by arguing that some aspects should be taken in consideration in the promotion and support of the learning in groups in classrooms.

Key words: Psychoanalysis and education. Science education. Learning group.

Introdução

Pressupostos de ensino–aprendizagem contemporâneos reconhecem a superioridade do trabalho cooperativo em prover uma oportunidade de endossar e encorajar pensamentos de alto nível e processos de raciocínio, devido à interação social (TRUMPER, 2003). A imbricação existente entre essas duas habilidades é defendida por essa concepção contemporânea, dada a enorme potencialidade de construção de novos procedimentos e a possibilidade de considerar e mudar pontos de vista diferentes, contraditórios, por meio de mecanismos de conflito sociocognitivos (LABORDE, 1996), que procura avançar na tradicional idéia de conflito cognitivo individual. Assim, por ocasião da interação coletiva, se é capaz de garantir a ocorrência da conscientização mútua das diferenças e das oposições entre ações individuais, pela reflexão e pela consideração e utilização do ponto de vista expresso pelo parceiro.

Apoiando–se na cooperação, os aprendizes passam da organização das suas ações em comum para a solução prática de problemas. Por conseguinte, as formas coletivas de organização da atividade da aprendizagem contribuem para a aquisição do conteúdo teórico dos conceitos físicos (RUBTSOV apudLABURÚ, 2005). Enfim, o desenvolvimento cognitivo não pode ser concebido fora do campo social, em que ações próprias se misturam com interações sociais, num jogo recíproco e interdependente (GARNIER, BEDNARZ e ULANOVSKAYA, 1996).

Outras pesquisas (BARROS et al., 2005; BARROS e VILLANI, 2004; BAROLLI, 1998; DUSCHL, 1995; GIL–PÉREZ, 1993; KIRSCHNER, 1992; WHEATLEY, 1991; BROWN, COLLINS e DUGUID, 1989) ressaltam a importância da aprendizagem em grupo como um momento privilegiado para o desenvolvimento e a prática de habilidades intelectuais, bem como para promover a conceituação e o aprofundamento da compreensão dos alunos, potencializando os "insights" e as soluções que não seriam possíveis durante a aprendizagem individual, permitindo aos alunos assumirem diferentes papéis, confrontando seus conhecimentos prévios e a inadequação de suas estratégias de raciocínio; ajudando, portanto, a desenvolver habilidades necessárias para o trabalho cooperativo, que é a maneira pela qual a maioria das pessoas aprende e trabalha.

Para esses pesquisadores, o trabalho em grupo coloca–se como elemento fundamental das metodologias baseadas em modelos de ensino que pretendem aproximar as situações de aprendizagem das atividades dos cientistas. Essas metodologias buscam explorar as dimensões do trabalho em grupo, organizando equipes de trabalho e facilitando a interação e a comunicação entre elas. No grupo são criadas oportunidades de discussão e argumentação, além de se vivenciar o conflito entre conhecimentos prévios e novos, e estimular a percepção da inadequação de estratégias de raciocínio. Pequenos grupos proporcionam oportunidades para os alunos explicarem e justificarem seus pontos de vista, processo que estimula a aprendizagem, pois a habilidade de argumentação é uma das realizações mais importantes da educação científica. No processo de contar aos outros como pensam sobre um problema, os alunos elaboram e refinam seus pensamentos, aprofundando a sua compreensão.

Os aspectos destacados sobre o trabalho em grupo mostram sua importância no processo de ensino e aprendizagem, tornando necessário promover um exame mais minucioso das pesquisas sobre sua dinâmica de funcionamento. Nosso trabalho pretende contribuir nessa direção, à medida que procura desvelar relações de diferentes naturezas que se estabelecem nos grupos em situações de ensino e, ao mesmo tempo, compreender a maneira como se estruturam para a realização de suas tarefas. Buscamos, assim, trazer subsídios para o professor planejar sua intervenção, no sentido de favorecer a operatividade2 2 Segundo Pichon–Rivière (1994): um grupo que funciona de acordo com uma dinâmica operativa é aquele que atende a objetivos e finalidades comuns, em que todos os membros trabalham como uma equipe centrada em torno de uma tarefa. A atividade está centrada na mobilização de estruturas estereotipadas, dificuldades de aprendizagem e comunicação, devidas à acumulação da ansiedade que desperta toda mudança. Uma das leis básicas dos grupos operativos pode ser traduzida da seguinte forma: "à maior heterogeneidade dos membros do grupo e à maior homogeneidade da tarefa corresponde maior produtividade" (p. 36). do grupo.

Nosso objetivo consiste em investigar a dinâmica de funcionamento de um grupo de aprendizagem em uma aula de ciências do Ensino Fundamental. Em particular, nos interessa analisar o vínculo grupo–professora estabelecido durante a realização da atividade de ensino proposta. Buscamos responder à seguinte pergunta: Como o grupo e a professora investem esforços na cooperação e superação dos impasses existentes na dinâmica grupal? Para isso, buscamos focalizar as dificuldades que desviaram os alunos do trabalho coletivo e os desafios que os impulsionaram na evolução como um grupo de aprendizagem. Também investigamos os papéis que eles assumiram no grupo, as tarefas que atribuíram a cada um dos membros e a relação que estabeleceram com a professora.

Focalizamos o grupo enquanto um local de produção de subjetividades próprias, o que pode contribuir para a proposição, por parte do professor, de intervenções em direção à evolução dos níveis de socialização e potencialização das capacidades dos seus alunos para trabalharem orientados por uma tarefa.

Referencial teórico

Para a realização de nossa pesquisa, utilizamos um referencial teórico de orientação psicanalítica, fundamentado na psicanálise de grupos, particularmente, na Teoria do Vínculo de Pichon–Rivière.

Pichon–Rivière (1994) caracteriza grupo, e no caso grupo operativo, como um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõem–se, de forma explícita ou implícita, a uma tarefa que constitui sua finalidade. Dentro deste processo, o indivíduo é visto como um resultante dinâmico no interjogo estabelecido entre o sujeito e os objetos, e sua interação dialética por meio de uma estrutura dinâmica denominada vínculo. O vínculo é definido como uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua inter–relação com processos de comunicação e aprendizagem.

O autor concebe o vínculo como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que engloba tanto o sujeito como o objeto. O vínculo se expressa em dois campos psicológicos: interno e externo. É o interno que condiciona muito dos aspectos externos e visíveis da conduta do sujeito. O processo de aprendizagem da realidade externa é determinado pelos aspectos ou características obtidas da realidade interna, a qual se dá entre o sujeito e seus objetos internos.

É relevante considerar que o vínculo é estabelecido pela totalidade da pessoa, que Pichòn–Rivière interpreta como uma gestalt, em constante processo de evolução.

Outro conceito–chave da obra de Pichon–Rivière é o de papel, empregado pelo autor na teoria do vínculo. Segundo ele, as nossas relações com os outros estão fundamentadas na assunção e adjudicação (atribuição) de papéis, que são atitudes assumidas consciente ou inconscientemente em um dado contexto social. A respeito dos conceitos de papel e vínculo, Pichon–Rivière afirma que esses conceitos se entrecruzam e, por isso, uma terapia centrada nesse sentido deve abordar tanto a estrutura do vínculo, como os diversos papéis, os quais terapeuta e paciente se atribuem.

Logo, o papel se inclui na situação do vínculo. Ele se caracteriza por ser transitório e possuir uma função determinada, a qual pode aparecer em uma determinada situação e em cada pessoa de forma particular. Assim, a forma como lidamos com determinadas situações influenciará a nossa conduta, e a isso Pichon–Rivière atribui a denominação de papéis. Entre os principais tipos de papéis, num grupo, destacam–se: o porta–voz, o bode expiatório, o sabotador e o líder.

O porta–voz é aquela pessoa que denuncia, por exemplo, aspectos relativos às dificuldades para a realização da tarefa. Esses aspectos são expressos porque a pessoa os percebe e se incomoda com eles. Como se incomoda, ela os percebe como sendo dela e não se dá conta do que está sentindo. Ela os menciona porque, nesse momento, é porta–voz das dificuldades grupais, mas as expressa como sendo apenas suas. Se o grupo encara os conteúdos falados e passa a enfrentar e a resolver as dificuldades grupais, o porta–voz se torna líder da tarefa, o conteúdo que ele trouxe é ouvido e com base nele o grupo busca soluções para os dilemas criados, com a finalidade de evitar uma visão global sobre o que impede as pessoas de agirem em conjunto. O grupo passa a se comportar em uma intensa cooperatividade.

Mas se o grupo não quer ouvir o porta–voz, deixando–o acreditar que a dificuldade é só dele, o grupo passa a hostilizá–lo de modo sutil ou agressivo e, aos poucos, transforma–o em bode expiatório da dificuldade negada. Afirmam que a dificuldade é dele e expressam que sua insistência incomoda o trabalho do grupo. O bode expiatório expressa o conteúdo que é negado pelo grupo e direcionado a uma pessoa. O conteúdo trazido pelo porta–voz é drasticamente negado e o grupo diz que não tem a ver com ele, mas com a pessoa que falou. Diz que o conteúdo falado é opinião do porta–voz, e não de todo o grupo.

A pessoa que procura desviar o grupo da tarefa e dos objetivos comuns a serem alcançados por todos assumiu o papel de sabotador, criando outras necessidades como sendo as mais importantes para o grupo nesse momento.

O papel de líder pode se destacar em quatro tipos mais característicos: o autocrático, o laissez–faire, o demagógico e o democrático ou progressista. No estudo dos papéis e vínculos, diferentes estilos de liderança se destacam, podendo apresentar desde características mais carismáticas até outras mais autoritárias, variando em função do objeto introjetado, ou seja, do tipo de conteúdo depositado no indivíduo que assume, ou não, esse papel, dependendo dos vínculos que estabelece em determinada situação. O papel se desenvolve, em geral, com base em um processo de identificação3 3 Segundo a psicanálise Kleiniana, a identificação consiste em um mecanismo de defesa. Trata–se de uma relação na qual o objeto, enquanto tal, desaparece para dar lugar a um objeto que é o prolongamento do ego. Nesse sentido, consiste numa relação narcisista de objeto, ou seja, o ego se relaciona com uma parte que parece estar fora, no "objeto", mas, na verdade, inconscientemente, é uma parte de si mesmo (SIMON, 1996). , que tem sempre um equivalente representacional para a liderança ou para outro tipo de papel em assunção e adjudicação pelo grupo. Por exemplo, o grupo demonstra dependência em relação ao papel de líder para lutar, fugir ou assumir posições conciliatórias. Obviamente, o líder reúne características pessoais para manifestar essa conduta, no entanto, o próprio grupo assume o papel de dependente. Ambas as posições devem ser consideradas na análise do processo, e não uma como causa da outra. A liderança, por si só, é considerada um fenômeno complexo, que mereceria estudos à parte para melhor compreendê–la.

Para Pichon–Rivière, existe uma relação íntima entre o conceito de papéis e os conceitos de depositante, depositário e depositado. O depositante é o grupo ou sujeito que realiza a projeção. O depositário é o objeto externo sobre o qual se situa a projeção. E o depositado é o conteúdo transferido. Esse significado, no vínculo, tanto permite a construção de imagens, que as pessoas internalizam como experiências vividas, como se constitui em compromissos conjuntos para a realização de determinada tarefa. Os processos de projeção e introjeção4 4 Assim como a identificação, a projeção, juntamente com a introjeção, é uma das condutas defensivas. Enquanto a projeção é o fato de atribuir a objetos externos características, intenções ou motivações que o sujeito ou grupo desconhece em si mesmo; a introjeção é a incorporação ou assimilação, por parte de um sujeito ou grupo, de características ou qualidades que provêm de um objeto externo, do mundo exterior (BLEGER, 1989a). de conteúdos depositados podem caracterizar vínculos entre o depositante e o depositário desses conteúdos. Os conteúdos podem, ainda, ser construtores de papéis cristalizados ou não, dependendo do que é atribuído ao indivíduo ou grupo, e de como estes respondem à ação de depósito, assumindo–a ou negando–a.

Neste enfoque, Pichon–Rivière coloca que, a partir de uma situação caracterizada pela estereotipia dos papéis, e por meio da tarefa, chega–se a configurar outra situação com lideranças funcionais, o que se expressa pela alternância de papéis. Na medida em que os sujeitos adquirem maior elasticidade, podem assumir o papel de interpretadores, percebendo–se, então, um autocontrole, uma auto–alimentação e uma autocondução do grupo.

O esquema a seguir ilustra a relação teórica entre os vínculos e os papéis na teoria de Pichon–Rivière (ROCHA, 2005).


Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa tem natureza qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 1994) e trata–se de um estudo de caso sobre a dinâmica de um grupo de aprendizagem em ciências no Ensino Fundamental.

O presente trabalho foi realizado em uma Escola Municipal de Londrina, no estado do Paraná, com alunos que participaram de uma Oficina de Ciências, inserida no Projeto Oficinas Pedagógicas5 5 O projeto Oficinas Pedagógicas faz parte de um projeto implantado pela rede Municipal de Educação de Londrina–PR. Seu objetivo é atender o 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental, com oficinas alternativas, em período inverso à escolaridade, com a intenção de atender a demanda de alunos que necessitam de apoio pedagógico, na tentativa de fornecer subsídios para a melhoria do desempenho no processo de ensino e aprendizagem .

A Oficina de Ciências foi proposta para 12 alunos do II Ciclo (3ª e 4ª séries) do Ensino Fundamental. A dinâmica de trabalho consistiu na formação de três grupos fixos de quatro alunos. Tomamos, como objeto de estudo, apenas um grupo formado espontaneamente por dois alunos da 3ª série (CA, JE) e dois da 4ª série (PE e JA), com idade entre 9–10 anos.

As atividades propostas consistiram em fazer os alunos resolverem um problema de forma ativa, isto é, agindo sobre um objeto e discutindo as causas das relações que estabeleciam entre suas ações e os efeitos correspondentes. A metodologia empregada procurou enfatizar a iniciativa do aluno e criar oportunidades para que ele elaborasse argumentos para defender suas idéias e aprendesse a respeitar as idéias dos colegas (CARVALHO et al., 1998); simultaneamente, pretendia oferecer a possibilidade de formar grupos de trabalho que favorecessem a aprendizagem.

Durante a tomada de dados, utilizamos gravações em vídeo, as aulas foram transcritas logo após sua realização e acompanhadas de um relato de investigação feito pela professora, que era a própria pesquisadora.

O curso oferecido na Oficina de Ciências aconteceu em quatro meses, totalizando 15 aulas com 1h30min de duração cada uma.

Análise dos dados

Neste trabalho, destacamos uma atividade de ensino proposta na sexta aula, que tinha como objetivo discutir a existência do ar e do espaço ocupado por ele. O desafio consistia em colocar uma folha de papel dentro de um copo e afundar o mesmo dentro de uma vasilha com água, sem molhar o papel (CARVALHO et al., 1998).

Em aulas anteriores, um dos membros do grupo (JE) mantinha, com maior freqüência, um papel menos privilegiado no grupo, era o último a fazer as tentativas para a resolução do desafio, não se integrava com os demais membros e apresentava mais dificuldades para compreender as formas de resolução dos desafios lançados pela professora ao grupo. Os colegas o ignoravam e ele percebia isso. No início da sexta aula, a dinâmica do grupo parecia semelhante à das aulas anteriores, JA liderava em parceria com CA: estabeleciam as regras para organizar as tentativas e chamavam os outros membros (PE e JE) ao trabalho, sendo que JE ficava sempre em último lugar para fazer suas tentativas. Nos episódios apresentados a seguir, destacamos o momento em que o grupo começou a trabalhar de forma mais cooperativa, apoiado nas dificuldades de seus membros e compartilhando objetivos comuns, mediante a superação do impasse sobre a exclusão do aluno JE do trabalho coletivo, e seu respectivo avanço na construção de significados na aprendizagem em ciências.

O convite inicial

Inicialmente, a professora lançou um convite para que o grupo funcionasse cooperativamente na resolução da atividade, explicitando seu desejo de fazê–lo aceitar as contribuições de quem estava sendo excluído.

Profa.: "Nesta aula de hoje, nós vamos tentar resolver um desafio. Nós temos um pote com água e vocês vão receber este copo de plástico. Podem pegar e observar o tipo do copo. O desafio é o seguinte: como será que a gente faz para colocar este papel dentro do copo e afundar o copo dentro da bacia com água, sem molhar o papel? Podem fazer do jeito que quiserem, conversem entre vocês, discutam as regras e pensem alguma forma para resolver este desafio. Mas não é só você ou ele, o grupo todo deve conversar e explicar o fato".

Desde a primeira aula, a professora vislumbrava despertar o interesse e a participação dos alunos, embora ela não explicitasse essas finalidades para o grupo. Nessa aula, ao contrário, a professora declarou para o grupo quanto, para ela, a colaboração grupal favorecia a qualidade do trabalho obtido.

Denunciando um pacto implícito

Desde a primeira aula, os alunos JA, CA e PE constituíram um subgrupo; por sua vez, JE ficou excluído da discussão. JA se tornou a primeira liderança do grupo capaz de estabelecer uma identificação entre seus membros no sentido de se constituir num bom grupo para a professora. Ao mesmo tempo, houve também o estabelecimento de um pacto implícito do grupo em não deixar que as agressividades individuais perturbassem o trabalho conjunto. Porém, nessa sexta aula, o aluno JE denunciou este pacto com a explicitação do impasse de sua exclusão.

JA: "Vamos amassar o papel! Você concorda JE? Você concorda PE? Você concorda CA?"

CA: "Vamos decidir as regras primeiro. Calma aí!". "Primeiro." (referindo–se ao aluno JA). "Segundo." (referindo–se ao aluno PE). "Terceira." (apontando para ela mesma) "e quarto." (referindo–se ao aluno JE).

JE: "É, eu já sou o último mesmo!"

Ao perceber a colocação de JE e sua insatisfação em relação aos demais membros do grupo, a professora se aproximou e perguntou para JE.

Profa.: "Você teve algum problema hoje?"

JE: "Não!"

Profa: "É aqui no grupo?"

JE: "Sim".

Profa.: "O que foi?"

JA: "Mas foi com a gente? Com todo mundo?"

JE confirmou que era com o grupo todo, acenando com a cabeça.

Profa.: "Então, peçam desculpas a ele!"

JA: "Mas do quê?"

Após a intervenção da professora, os alunos CA e JA dialogaram com JE, enquanto PE resistiu à decisão do grupo, e, com olhar desconfiado, não se manifestou verbalmente, mas expressou em gestos não concordar com a atenção oferecida a JE pelos demais.

CA: "O que foi?"

JA: "O que aconteceu?"

JE: "Desde o começo!"

Profa.: "O que foi que aconteceu?"

JE: "O JA fica falando que não quer que eu vá no grupo deles."

JA: "Hoje eu não falei, professora. Faz tempo já."

JE: "O dia que eu entrei no grupo ele disse assim, que não queria que eu entrasse no grupo deles."

JA: "Não, professora, mas sabe por que eu falei isso? É porque ele ficava brigando com todo mundo, a gente ficava falando pra ele pára e ele não parava, e daí uma hora eu cansei, professora e falei, mas isso faz tempo. (...) eu só fiquei com raiva quando ele ficava atrapalhando o grupo, atrapalhando todo mundo... daí eu falei."

A construção de um novo contrato

Após JE manifestar sua insatisfação com o grupo, mediante ajuda da professora, o problema foi enfrentado por todos e o grupo superou o impasse, avançando em torno de uma produção conjunta. Os alunos refletiram o descontentamento do subgrupo em relação às atitudes de JE e, de forma recíproca, por este membro. A exclusão de JE foi superada e os alunos comprometeram–se com a construção de novas regras, impuseram condições e compromissos para mudanças na tentativa de promover esta sustentação ao aluno JE.

PE: "Se ele não fizer mais, não 'ficá' brigando, eu .... tudo bem."

JA: "Aquele dia que a gente falou com ele, ele melhorou. Só que, depois, continuou fazendo a mesma coisa, e também já faz tempo que eu falei isso, e por que ele tá assim só hoje?"

CA: "Mas será que foi quando a gente decidiu quem ia 'começá' a resolver o desafio?"

Esta aluna lembrou do início da atividade, quando definiram a ordem para realizarem as tentativas. JE permaneceu em silêncio por alguns instantes, de cabeça baixa, enquanto eles conversavam e, em seguida, quando CA reforçava a fala de PE, ele levantou os olhos observando atentamente a proposta que parecia ser compartilhada por JA e PE.

CA: "Se ele fizer a atividade e não brigar... A gente podia deixar ele tentar mais uma vez."

Esta aluna referia–se ao fato de oportunizar mais uma tentativa ao membro JE na resolução do desafio. E, virando–se para JE, ela perguntou:

CA: "Você aceita JE?"

JE acenou com a cabeça que aceitava. Então, o aluno JA chamou o grupo ao trabalho, novamente valorizando as tentativas e experiências de JE.

JA: "Mas, então, eu quero ver o jeito que ele queria falar àquela hora na experiência."

Quando começaram a dialogar, as causas do problema apareceram e, por meio das intervenções da professora, a situação foi se estabilizando aos poucos. Mas JE ainda sentia dificuldade para se expor, então, a professora percebendo seu medo e fragilidade, sugeriu:

Profa.: "Tente, mesmo que não dê certo. É só para a gente ver como seria sua sugestão, como você mesmo disse: não importa se vai entrar água, mas que vocês mesmo estão tentando e aprendendo com isso, não é mesmo? Porque mesmo que entre água, nós podemos comparar o porquê entra água e por que de outra forma não entra."

Logo em seguida, JA convocou o grupo na tentativa de acolher solidariamente JE.

JA: "Vamos fazer assim... Depois que ele tentar do jeito dele, a gente começa a falar: Eu falo dum jeito, depois quem tiver uma idéia fala?!"

Com o apoio do grupo e da professora, JE, confiante, voltou a realizar a tarefa ativamente, explicando suas ações e demonstrando tentativas diferentes.

CA: "Melhor você não dobrar assim."

JE: "É que se não dobrar não cabe no copo. Pode ser que desse jeito dê certo!"

Conforme mencionamos anteriormente, o aluno JE não arriscava expor suas estratégias de trabalho para os outros membros do grupo, mas depois da reelaboração do impasse entre eles, este aluno começou a avançar no processo de aprendizagem em ciências: justificava suas ações, analisava melhor os resultados obtidos e, paulatinamente, conquistava seu espaço no grupo. Por meio da provocação do diálogo, conduzida pela professora com intenções de formar um grupo, as mudanças consideradas necessárias à implantação de um novo clima de trabalho mais solidário e harmônico ocorreram diante do impasse instalado. Nessa aula, foi preciso uma desestabilização grupal para que o grupo sentisse a necessidade de refletir sobre a reação apresentada por JE. Foi necessário que JE paralisasse e, de certa forma, confrontasse o grupo para que houvesse mudanças. Nesse sentido, o dilema vivenciado por seus membros foi oportuno naquela situação na qual o grupo se encontrava, pois contribuiu para o seu desenvolvimento, um aspecto que favoreceu sua evolução em termos operativos. Por sua vez, a professora "deu voz" ao grupo, manteve o equilíbrio como coordenadora, fornecendo suporte para superação dos problemas, mas sem gerar dependência no sentido de poupar o grupo de assumir suas responsabilidades.

No final da aula, o grupo estava mais centrado na resolução do desafio e pôde avançar na aprendizagem do conteúdo. Vejamos, a seguir, a nova configuração grupal em torno da resolução do problema proposto.

Profa.: "Mas por que não está molhando?"

JE: "–Porque a gente põe devagar e depois rápido."

PE: "Não, professora, o copinho já tá com ar e quando coloca lá dentro, não tem ar e o ar fica lá ocupando o espaço."

JA: "Será que não tá molhando...? Oh, o ar não tá dentro do copo. Quando a gente coloca, não dá pra ele sair, daí, quando a gente tá afundando, como que a água vai entrar se o ar tá lá!? O ar não vai conseguir sair de lá!"

Todos observam enquanto este aluno fala e demonstra com o experimento.

JA: "A gente não pode tentar outro jeito agora?"

JE: "Pode!"

JA: "Oh, deixa eu tentar! Eu acho que vai molhar, mais... mesmo assim eu tiro minhas dúvidas, porque eu tô achando que assim pode dar certo."

Enquanto coloca o copo virado para cima e, vagarosamente, mergulha na vasilha, os demais ficam observando. O copo enche de água e ele sorri. Os outros dizem: "–Molhou."

Profa.: "Por que molhou desta forma?"

JE: "Porque se pôr assim ó entra água." (demonstra novamente com o copo virado para o lado)

JA: "Eu sei porque. Porque ele colocou uma metade e daí a água foi entrando e o ar foi saindo pra água entrar."

PE: "O ar é mais fraco do que a água."

JA: "Olha aqui ó! Não dá prá gente fazer desse jeito (tapa com a mão a boca do copo) para o ar não sair."

PE: "Pode, professora, fazer desse jeito?"

Profa.: "Como é o desafio? Leiam no quadro..."

Eles lêem e PE diz: "Então pode, pode qualquer jeito!"

A professora se afasta e o grupo inicia novas tentativas para resolver o problema. Em seguida, aproxima–se novamente e pergunta:

Profa.: "E daí, terminaram?"

JE: "Não!"

PE: "Aí professora, entrou água!"

Profa.: "Por quê?"

PE: "Porque sai bolhas de ar!"

JA: "É, aquela hora não entrou, e agora entrou água porque o ar saiu."

Profa.: "Eu gostaria que vocês quatro conversassem, porque estou achando que vocês não estão pensando as mesmas coisas."

JA: "O que você acha JE?"

JE fica a observar com atenção a aluna CA que, nesse momento, coloca metade do papel dentro do copo, bem amassado e preso, e a outra metade em cima do copo. Tapando a boca do copo, mergulha–o na vasilha com água, segurando a parte de cima que é vedada com o papel. O papel que está por dentro não molha, então, eles comunicam o sucesso na resolução do desafio para a professora, e fazem várias vezes dessa mesma forma. A professora questiona: "E por que a água não entra?"

PE: "É porque tem ar lá dentro, professora, e quando coloca o negócio aqui (mostra o copo), não sai."

Profa.: "E quando o ar sai?"

Alunos: "Daí a água entra!"

Podemos constatar que o trabalho em grupo possibilitou a aprendizagem dos conteúdos curriculares envolvidos no "problema do copo", ou seja, que o ar existe e ocupa lugar no espaço. Ademais, o que gostaríamos de chamar atenção diz respeito ao fato de que a forma de propor o problema e a dinâmica de trabalho adotada pela professora, partindo de uma situação–problema, aparentemente sem solução para os alunos, e não simplesmente propondo uma atividade para demonstrar conceitos introduzidos previamente em classe, contribuiu para favorecer a elaboração conceitual pelos próprios alunos – apoiados, por um lado, pelo trabalho em grupo e, por outro, pelas intervenções da professora que atuou como um "andaime" para a aprendizagem conceitual.

Comentários finais

Nosso objetivo consistiu em investigar o vínculo grupo–professora numa atividade de ensino de ciências para alunos do II Ciclo do Ensino Fundamental, que participaram de uma Oficina de Ciências. Auxiliados pelo referencial teórico psicanalítico de Pichon–Rivière, acreditamos que nossos resultados apontam para alguns elementos que permitem entender melhor o funcionamento dos grupos de aprendizagem, e forneçam sugestões para sua organização em sala de aula, no sentido de viabilizar a melhoria do ensino de ciências pelo viés da subjetividade.

No início, o grupo manifestou vínculos negativos, de modo a rejeitar um dos membros. Agindo com desprezo em relação às ações de JE, os membros do subgrupo deixaram–no de fora em um primeiro instante e, mais tarde, explicitaram a exclusão desse aluno de forma verbal.

É importante ressaltar que, no momento em que a professora mudou sua forma de intervenção, convidando o grupo para um trabalho mais colaborativo, o grupo também mudou. O conteúdo depositado, por ela, no grupo empreendeu uma comunicação mais efetiva. A partir desse momento, ela coordenou o grupo e propôs uma ação reflexiva, possibilitando que este manifestasse suas ansiedades, explicitasse seus problemas cognitivos e afetivos, fornecendo aos alunos espaço para trabalharem em conjunto na tentativa de solucionarem seus conflitos, no sentido de viabilizar a comunicação e, conseqüentemente, a melhoria da aprendizagem em ciências.

No decorrer da atividade, a professora fez intervenções na tentativa de promover maior interação grupal, buscou uma aprendizagem cooperativa e, em alguns momentos, preferiu deixar os alunos do grupo mais à vontade para conversarem juntos e resolverem seus problemas sem sua interferência excessiva. Em certo ponto, JE apresentou o problema: a sua exclusão, ou seja, o conteúdo implícito e núcleo do impasse da formação grupal. Diante dessa situação, a professora teve sensibilidade para introduzir informações, aclarar o quadro que se configurou naquele contexto, e tomou decisões adequadas sem tomar partido de nenhum dos envolvidos. Todavia, o primeiro passo a ser contemplado nessa situação foi a verificação da situação, depois, a leitura dos acontecimentos e, por fim, o questionamento intencional lançado ao grupo.

Ao verificar a situação, a professora usou o questionamento que investia na "escuta" de cada um dos envolvidos. Buscou compreender o contexto da situação que os envolvia, assim como as causas e efeitos da relação conflituosa gerada devido às circunstâncias apresentadas. Enquanto relatavam os acontecimentos, os membros do grupo expressavam o que pensavam, facilitando a elaboração de suas ansiedades e resistências.

O papel atribuído à professora foi duplo. De um lado, inspirava confiança, não tanto por saber todas as respostas, mas por saber conduzir um processo de resolução de problemas cognitivos, afetivos ou emocionais, fornecendo certa estabilidade ao grupo, e, de outro, ao decidir sobre a tarefa realizada e reconhecer a competência do grupo. Os membros eram colaboradores no processo, mobilizando a plasticidade dos papéis e esclarecimentos que poderiam facilitar o aprender a pensar em conjunto rumo à resolução dos problemas apresentados.

Segundo Souto de Asch (1990), as representações do grupo vão surgindo a partir da interação. O grupo, em seu processo, vai atingindo distintos níveis de relação e de organização. Seu resultado não é linear, mas espiralado, e se dá pelo enfrentamento e resolução dos diversos conflitos que se sucedem e se estruturam uns aos outros. Quando um grupo (re)elabora suas experiências vividas, existe a evolução grupal, promovida justamente pela ocorrência de conflitos que emergem das situações em que os componentes vão construindo inter–relações que resultam em descobertas comuns a todos do grupo. No processo de aprendizagem, o indivíduo aumenta sua integração e sentimentos de pertencer ao grupo, participando da resolução de conflitos da dinâmica da classe. O grupo, por sua vez, passa por distintos pressupostos básicos e estados emocionais compartilhados, evoluindo de forma contínua em seu próprio processo de aprendizagem, avaliando insucessos e dificuldades. Essa espiral, que acontece ao longo do processo grupal, deve ser acompanhada de perto pelo professor, como importante elemento integrador da aprendizagem.

Entretanto, dois fatores devem ser levados em consideração. Em primeiro lugar, a natureza dos vínculos estabelecidos pode variar muito de um indivíduo a outro, ou seja, os vínculos são modos particulares de reconstruir a realidade e dependem de idiossincrasias. Em segundo, uma das características dos vínculos é que eles são dinâmicos e interdependentes, isto é, uma mudança em um vínculo tem repercussão nos outros. Isso explica por que uma mudança na metodologia da aula pode causar uma mudança na relação do aluno, por exemplo, com o conhecimento. Por outro lado, também explica por que uma mudança em um determinado vínculo (a tarefa de trabalhar em grupo) pode não ser suficiente para uma mudança significativa, caso outros vínculos não tenham sido influenciados (por exemplo, as relações professor–aluno e aluno–aluno).

Concluímos apontando algumas considerações para a formação de professores, dando destaque à necessidade de o professor saber reconhecer quais os vínculos que amarram seus alunos numa determinada satisfação, abrindo espaço para suas escolhas subjetivas. As intervenções do professor deveriam ocorrer no sentido de apontar, para o grupo, como a condução do trabalho está sendo feita, particularmente, como ele se esforça em trabalhar frente às dificuldades apresentadas por seus membros.

A sustentação que o professor pode oferecer ao grupo somente adquire significado nos momentos em que ele intervém sobre as mudanças e caminha com o grupo no sentido de ultrapassar suas dificuldades e de se organizar de forma mais estável. De alguma forma, o professor tem de antecipar a percepção de que a colaboração efetiva entre os membros poderá vir com o desenvolvimento do trabalho do grupo.

Em nossa visão, o papel do professor, para iniciar um grupo, se ele conseguir lançar um convite efetivo em nível inconsciente, deve atender à necessidade de segurança de que o grupo terá ajuda e não será aniquilado no seu saber. Para isso, o professor deveria, primeiramente, procurar ouvir as queixas dos alunos, não no sentido de resolvê–las prontamente o que produziria um estado de dependência ou de desqualificá–las, mas, ao contrário, dar atenção a essas queixas e devolvê–las para o grupo de uma forma mais elaborada.

Um ponto que merece uma análise específica é o da dependência do grupo de um fundador ou um líder. De um lado, no início do desenvolvimento do grupo, o líder, ao atuar com autoridade, fixar os objetivos, as tarefas, permite que o grupo possa realizar conquistas sem que cada um tenha de se expor. No entanto, ao permanecer nesta posição, o grupo parece cristalizar o pressuposto acerca da sua incapacidade de levar adiante sua própria aprendizagem e da necessidade irremediável de depender de alguém capaz que lhe transmita o que necessita.

Assim, se o líder aceitar administrar a dependência, inicialmente, o efeito pode ser positivo, pois permite ao grupo estruturar–se e sair da serialidade. Pelo contrário, se o líder recusar esse papel, o grupo se sentirá frustrado e abandonado; um sentimento de insegurança se apossará dos participantes e o grupo poderá desintegrar–se. Porém, com o passar do tempo, a dependência torna–se um obstáculo para o desenvolvimento do grupo, pois impede a emergência da criatividade de seus membros6 6 Devemos destacar, também, a existência de uma dependência funcional, aquela que surge como relação necessária nos momentos em que o grupo, para alcançar seus objetivos e a realização da tarefa, solicita uma orientação ou uma informação. Esta dependência é compatível com níveis avançados de operatividade do grupo, pois não obstrui a aprendizagem, nem a tarefa, ao contrário, a facilita, responde a uma busca racional de meios para atingir os fins. .

Se nossa interpretação for correta, a "escuta" do professor deveria focalizar tanto a situação grupal dos alunos quanto o saber dos mesmos. É importante chamar atenção de que a intervenção do professor deverá ser no sentido de orientar e discutir a produção dos alunos, como resultado do trabalho do grupo, e não somente dos indivíduos; ou seja, ele não deveria perder de vista que a tarefa está sendo realizada em grupo, estabelecendo um diálogo com o grupo e não somente com alguns dos seus membros. Desse modo, ao assumir que está implicado no trabalho do grupo, terá mais chances de ser ouvido pelos alunos e ser reconhecido como um guia, em quem eles poderão confiar e que lhes trará contribuições.

As intervenções do professor deveriam ocorrer no sentido de apontar para o grupo como as tarefas são compatíveis com o saber da maioria, ou seja, com suas possibilidades de satisfação na aprendizagem; como a condução do trabalho está sendo feita coletivamente, e como o grupo se esforça em trabalhar as dificuldades de seus membros.

A sustentação que o professor pode oferecer ao grupo somente adquire significado para o próprio grupo nos momentos em que ele intervém sobre as mudanças que o grupo sofre, e caminha junto com ele no sentido de ultrapassar suas dificuldades e de se organizar de forma mais estável. Tais ações são aqui entendidas como estratégias importantes para encorajar e viabilizar a construção dos conhecimentos científicos em sala de aula, em particular, nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Uma estratégia que parece plausível, com base em nossos resultados, consiste no professor estimular a circulação das idéias e dúvidas entre os alunos, assim como provocar a mobilidade de papéis. Nesse sentido, o professor poderá devolver para o grupo uma pergunta feita por um aluno (ao invés de dar a resposta pronta ou pronunciar um "não sei"), incentivando o debate entre todos e fazendo com que possam aprender a respeitar as diferenças e particularidades de cada um, conforme observamos neste trabalho durante a resolução do problema proposto. Também poderá pedir que certas atividades sejam realizadas por determinados membros, respeitando os saberes de cada um e favorecendo uma sucessiva socialização dos resultados.

De acordo com Barolli (1998), quando o professor procede dessa maneira, suas intervenções ganham uma nova qualidade, à medida que também apontam e revelam a maneira pela qual o grupo se estrutura nos diferentes momentos de seu trabalho. Parece que é desse modo que ele poderá contribuir para o fortalecimento do grupo e, portanto, para o desenvolvimento de sua autonomia. É por meio desse esforço conjunto que os alunos são preparados para suportar as dificuldades do desenvolvimento e tudo o que implica esforços para aprender. Se o professor fizer intervenções que têm como objetivo somente atender às dificuldades individuais, poderá reforçar suposições que estejam mais ativas e, desse modo, deixar de contribuir para que a idéia de cooperação, enquanto forma exitosa de participação e de crescimento individual, seja incorporada pelo grupo.

Cabe ao professor contribuir para que os alunos trabalhem de modo cooperativo, fornecendo sustentação para esse processo, por intermédio da identificação dos elementos que caracterizam cada etapa de organização do grupo ao enfrentar sua tarefa, especificamente, neste trabalho, a tarefa de aprender ciências. Para que isso aconteça, é necessário que o processo de desenvolvimento do grupo ocorra em um intervalo de tempo longo e que possua certa estabilidade em sua composição.

Do ponto de vista do referencial teórico adotado, destacamos sua importância na compreensão do papel da subjetividade e dos aspectos inconscientes do processo de ensino e aprendizagem. Tal referencial articula conceitos da psicanálise grupal, em particular, a teoria do vínculo de Pichon–Rivière, a qual caracteriza os vínculos intersubjetivos, os papéis e a tarefa a serem realizados pelos membros de um grupo.

Ao interpretarmos essa situação vivenciada pelo professor do ponto de vista da subjetividade, novos desafios são colocados, e dizem respeito às incertezas, instabilidades e complexidades intrínsecas à própria relação de ensino–aprendizagem. Sem dúvida, a introdução da subjetividade nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem aponta para a complexidade do trabalho docente, com dificuldades e com riscos crescentes de efeitos de fracasso e, possivelmente, com perda do controle de sua produção. O professor que exercer seu trabalho dessa forma estará suscetível às ambigüidades, resistências, sucessos e fracassos decorrentes de sua profissão. Em outras palavras, ele terá de abandonar a ilusão de exercer um poder absoluto sobre seus alunos, não podendo mais controlar racionalmente todas as situações de ensino.

Acreditamos que o referencial psicanalítico possa auxiliar de maneira decisiva a focalizar o núcleo dos impasses e as possibilidades de mudanças significativas. De acordo com Villani, Barros e Arruda (2004), acreditamos, também, que nossa análise possa ajudar os professores a perceberem e localizarem os eventuais conflitos em suas salas de aula com maior rapidez e precisão, não por fornecer um padrão teórico diretamente aplicável, mas por apresentar casos diferentes que oferecem sugestões e pistas para se manter em alerta durante a prática docente.

Há de se considerar, ainda, que o referencial psicanalítico contribui para repensar a prática educativa, no sentido de auxiliar os professores no desenvolvimento de competências profissionais para lidar com situações de impasse em sala de aula. Para tanto, leva–se em conta a totalidade do indivíduo, para que, de forma autônoma e não arbitrária, mobilize seus saberes profissionais na tomada de decisões e num exercício mais complexo da profissão.

Artigo recebido em dezembro de 2006 e aceito em maio de 2007.

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  • *
    Elaborado com base em trabalho apresentado na forma de comunicação oral no V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Bauru/SP, entre 28/11 e 03/12/05.
  • 1
    Universidade Estadual de Maringá, Campus Universitário, Departamento de Física, Av. Colombo, 5790, Maringá, PR, 87.020–900
  • 2
    Segundo Pichon–Rivière (1994): um grupo que funciona de acordo com uma dinâmica operativa é aquele que atende a objetivos e finalidades comuns, em que todos os membros trabalham como uma equipe centrada em torno de uma tarefa. A atividade está centrada na mobilização de estruturas estereotipadas, dificuldades de aprendizagem e comunicação, devidas à acumulação da ansiedade que desperta toda mudança. Uma das leis básicas dos grupos operativos pode ser traduzida da seguinte forma: "à maior heterogeneidade dos membros do grupo e à maior homogeneidade da tarefa corresponde maior produtividade" (p. 36).
  • 3
    Segundo a psicanálise Kleiniana, a identificação consiste em um mecanismo de defesa. Trata–se de uma relação na qual o objeto, enquanto tal, desaparece para dar lugar a um objeto que é o prolongamento do ego. Nesse sentido, consiste numa relação narcisista de objeto, ou seja, o ego se relaciona com uma parte que parece estar fora, no "objeto", mas, na verdade, inconscientemente, é uma parte de si mesmo (SIMON, 1996).
  • 4
    Assim como a identificação, a projeção, juntamente com a introjeção, é uma das condutas defensivas. Enquanto a projeção é o fato de atribuir a objetos externos características, intenções ou motivações que o sujeito ou grupo desconhece em si mesmo; a introjeção é a incorporação ou assimilação, por parte de um sujeito ou grupo, de características ou qualidades que provêm de um objeto externo, do mundo exterior (BLEGER, 1989a).
  • 5
    O projeto Oficinas Pedagógicas faz parte de um projeto implantado pela rede Municipal de Educação de Londrina–PR. Seu objetivo é atender o 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental, com oficinas alternativas, em período inverso à escolaridade, com a intenção de atender a demanda de alunos que necessitam de apoio pedagógico, na tentativa de fornecer subsídios para a melhoria do desempenho no processo de ensino e aprendizagem
  • 6
    Devemos destacar, também, a existência de uma
    dependência funcional, aquela que surge como relação necessária nos momentos em que o grupo, para alcançar seus objetivos e a realização da tarefa, solicita uma orientação ou uma informação. Esta dependência é compatível com níveis avançados de operatividade do grupo, pois não obstrui a aprendizagem, nem a tarefa, ao contrário, a facilita, responde a uma busca racional de meios para atingir os fins.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2007
    • Recebido
      Dez 2006
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