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Atribuição de significados biológicos às variáveis da equação logística: uma aplicação do Cálculo nas Ciências Biológicas

Attribution of biological meanings to variables of logistic equation: applying Calculus to Biology

Resumos

Este artigo apresenta, como objetivo principal, uma proposta metodológica para o ensino do Cálculo nos cursos de Ciências Biológicas, que privilegia a atribuição de significados biológicos às variáveis e parâmetros que aparecem nos modelos matemáticos no estudo de dinâmica de populações. Utilizou-se, neste estudo, a equação logística como modelo matemático que caracteriza diversos tipos de crescimento populacional, além de apresentar outras complexidades do fenômeno biológico que podem ser melhor caracterizadas e explicadas por meio dos conceitos matemáticos relacionados ao Cálculo Diferencial. Entende-se que estas relações do Cálculo com as Ciências Biológicas contribuem para a compreensão de fenômenos biológicos complexos que podem ser explicados por equações matemáticas bastante simples.

Cálculo; Ciências Biológicas; Equação diferencial; Equação logística


A methodological proposal for the teaching of Calculus in Biology courses is suggested. It would highlight the attribution of biological meanings to variables and parameters in mathematical models within the study of population dynamics. Logistic equations have been used as a mathematical model that characterizes several types of population growth and other complexities of the biological phenomenon which may be better explained through mathematical concepts related to Differential Calculus. Relationship between Calculus and Biology may contribute towards the comprehension of complex biological phenomena that may be explained through simple mathematical equations.

Calculus; Biology; Differential equation; Logistic equation


Atribuição de significados biológicos às variáveis da equação logística: uma aplicação do Cálculo nas Ciências Biológicas

Attribution of biological meanings to variables of logistic equation: applying Calculus to Biology

Lilian Akemi KatoI,1 1 Av. Colombo, 5790 Jardim Universitário - Maringá, PR, Brasil 87.020-900 ; Marta BelliniII

IDoutora em Matemática Aplicada. Docente, Departamento de Matemática e Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e Ensino de Matemática, Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, PR. lilianakato@hotmail.com

IIDoutora em Psicologia Social. Docente, Departamento de Fundamentos da Educação e Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e Ensino de Matemática, UEM. Maringá, PR. martabellini@uol.com.br

RESUMO

Este artigo apresenta, como objetivo principal, uma proposta metodológica para o ensino do Cálculo nos cursos de Ciências Biológicas, que privilegia a atribuição de significados biológicos às variáveis e parâmetros que aparecem nos modelos matemáticos no estudo de dinâmica de populações. Utilizou-se, neste estudo, a equação logística como modelo matemático que caracteriza diversos tipos de crescimento populacional, além de apresentar outras complexidades do fenômeno biológico que podem ser melhor caracterizadas e explicadas por meio dos conceitos matemáticos relacionados ao Cálculo Diferencial. Entende-se que estas relações do Cálculo com as Ciências Biológicas contribuem para a compreensão de fenômenos biológicos complexos que podem ser explicados por equações matemáticas bastante simples.

Palavras-chave: Cálculo. Ciências Biológicas. Equação diferencial. Equação logística.

ABSTRACT

A methodological proposal for the teaching of Calculus in Biology courses is suggested. It would highlight the attribution of biological meanings to variables and parameters in mathematical models within the study of population dynamics. Logistic equations have been used as a mathematical model that characterizes several types of population growth and other complexities of the biological phenomenon which may be better explained through mathematical concepts related to Differential Calculus. Relationship between Calculus and Biology may contribute towards the comprehension of complex biological phenomena that may be explained through simple mathematical equations.

Keywords: Calculus. Biology. Differential equation. Logistic equation.

Introdução

O Cálculo constitui-se em uma das disciplinas que compõem o núcleo básico dos cursos de Ciências Biológicas. Seu objetivo, na formação do biólogo, é o desenvolvimento de habilidades de raciocínio lógico e a utilização dos conceitos fundamentais do Cálculo com ênfase nas aplicações biológicas. Nesse sentido, esta disciplina deve oferecer, aos estudantes, subsídios matemáticos para o estudo analítico dos fenômenos biológicos, proporcionar condições para a formulação e interpretação crítica de modelos matemáticos adequados aos dados observados e, sobretudo, incentivar a aplicação de modelos matemáticos para fenômenos biológicos, como, por exemplo, da dinâmica de populações na ecologia.

No entanto, a disciplina Cálculo para os Cursos de Ciências Biológicas tem mantido uma tradição da década de 1970: o tratamento pedagógico adotado pelos professores de Cálculo prioriza a técnica de repetir problemas de forma teórica, com poucas ou raras aplicações nas Ciências Naturais. Os professores mantêm o que Becker (1993) chama de postulado empirista, ao pensarem na aprendizagem de seus alunos. Assim, mantêm, como base para a aprendizagem de alunos da biologia, listas de exercícios com os conteúdos da disciplina para que seus alunos treinem as relações que podem ser estabelecidas entre os conceitos ou as técnicas do Cálculo, sem a compreensão adequada do problema biológico.

Esta realidade conduz a uma separação entre as Ciências Biológicas e a Matemática, o que resulta numa rejeição ao Cálculo pelos estudantes das áreas biológicas, e, consequentemente, na falta de oportunização de um conhecimento científico que emergiu no século passado com matemáticos e biólogos que se interessavam por sistemas biológicos desde o genético, como Waddington (1979) ao ecológico, como May (1992).

Para Waddington (1979), a Matemática pode ser bastante útil tanto para atenuar dificuldades no entendimento de sistemas biológicos mais complexos quanto para apresentar algumas complexidades não visíveis na natureza. Fenômenos biológicos, muitas vezes e em muitas situações, apresentam alguns detalhes que somente podem ser constatados e previstos por meio de um modelo matemático.

Os modelos matemáticos para a interpretação de dinâmica de populações, por exemplo, descrevem a quantidade de indivíduos de uma população ao longo do tempo. Para tanto, eles são construídos com base nas informações biológicas, que são transformadas em hipóteses matemáticas que alimentam o modelo.

Apesar disso, a idéia de que a Matemática é uma forma de linguagem bastante apropriada para expressar um fenômeno biológico, ainda não está clara aos estudantes das Ciências Biológicas, sobretudo porque esta vantagem, em se utilizar esta forma de linguagem, não lhes é apresentada pela disciplina Cálculo.

Nos últimos anos, muitas pesquisas em Ciências Biológicas estão fundamentadas e argumentadas pelas teorias matemáticas e computacionais, como demonstram as investigações de Waddington (1979), May (1992), Fernandez (2004). Esses estudos indicam que matemáticos e biólogos são andarilhos de fronteira quando precisam unir seus esforços e pensar mecanismos para compreender a dinâmica de sistemas de genes (KELLER, 2002), de sistemas ecológicos; de territorialidade e massa de animais (HASKELL, RITCHI, OLFF, 2002; BUSKIRK, 2004); isto é, mecanismos de evolução de sistemas biológicos desde pequenos seres aos sistemas mais complexos como os ecológicos.

Os estudos acerca da dinâmica de sistemas biológicos podem e deveriam ser a base para a disciplina Cálculo na formação de biólogos. Poderiam diminuir a barreira existente entre a Matemática e as Ciências Biológicas quando se almeja a formação qualificada de um pesquisador nesta área e, sobretudo, um educador de Ciências.

Neste artigo, quer-se discorrer sobre os mecanismos gerais para se aliar a matemática e a biologia na formação do aluno. Pretende-se apresentar uma aplicação do Cálculo nas Ciências Biológicas como contribuição para se pensar a construção de conceitos biológicos e matemáticos, direcionando a disciplina à interpretação de dinâmicas biológicas com modelos matemáticos simples para a representação de fenômenos bastante complexos nas Ciências Biológicas (MAY, 1992).

Vamos apresentar uma dimensão que pode ser explorada pela disciplina Cálculo aplicado às Ciências Biológicas, utilizando, como exemplo, a equação logística. Esta equação é bastante conhecida no meio acadêmico da Biologia e oferece inúmeras oportunidades para o desenvolvimento de ações, tanto do professor quanto do estudante, na construção de significados de conceitos biológicos e matemáticos. Entendemos por construção de significados biológicos e matemáticos diante de uma reformulação de conteúdos da disciplina Cálculo, o movimento cognitivo que o professor consegue efetivar por meio de estratégias de ensino que superem a epistemologia empirista, a repetição ou a reprodução de exercícios de forma mecânica com caráter de treinamento (BECKER, 1993).

A equação logística e suas aplicações em dinâmica de populações: uma interpretação sob o ponto de vista do Cálculo

Em Ciências Biológicas, o tema "dinâmica de populações" é um assunto bastante amplo e complexo por envolver diversos aspectos inerentes à própria espécie que se está estudando, ou ao meio em que ela vive. Assim, uma espécie sobrevive e se propaga em consequência de inúmeros fatores bióticos ou abióticos que agem sobre o seu processo reprodutivo. Dependendo das mudanças em alguns desses fatores, ou ainda por outra interferência externa, uma espécie pode ir à extinção ou tornar-se superpopulosa.

Uma representação matemática de todos esses diversos elementos, que influenciam na taxa de crescimento de uma população, tornaria este modelo inviável de ser trabalhado pela quantidade numerosa de parâmetros e variáveis envolvidos.

Assim, a construção de um modelo matemático parte da premissa do que se deseja observar e, consequentemente, do que é preciso observar para a determinação dos parâmetros e variáveis que são essenciais para a descrição do problema (FERREIRA Jr., 2007).

Dentre as inúmeras restrições necessárias, ou suficientes, para modelar matematicamente uma população, com o objetivo principal de determinar a quantidade de indivíduos em cada instante, destaca-se a homogeneidade da população, ou seja, não é considerado, na formulação do modelo, qualquer tipo de distinção, seja de idade, peso ou localização geográfica, entre seus indivíduos, como um fator relevante na sua dinâmica. A influência desses elementos, nesse caso, deve ser ponderada na interpretação dos resultados obtidos.

O modelo matemático pioneiro em dinâmica de populações, proposto por Malthus em 1798, pressupôs uma dinâmica populacional bastante simples, para a qual se considera que as taxas de nascimento e mortalidade de uma população são proporcionais ao número de indivíduos presentes e, ainda, que não haja migração. Assim, para Malthus, a população varia continuamente a uma taxa constante proporcional à população atual.

Como este fato pode ser descrito por meio do Cálculo?

Denominando por N(t) o número de indivíduos no instante t, este número pode ser representado por:

N(t) =

Ω f (x,t)dx onde f é uma função densidade que estabelece o número de indivíduos, por unidade de área, de uma região Ω. O interesse, em dinâmica de populações, é determinar N(t) para todo t > 0. O valor de t é um número real, o que implica que, neste caso, ao contrário dos modelos discretos, é possível determinar a quantidade de indivíduos em qualquer fração do tempo, ainda que apenas teoricamente.

O modelo de Malthus supõe que existe uma constante r, dada pela diferença entre as taxas de natalidade e mortalidade, que representa a taxa de reprodução da população por unidade de tempo.

Supondo-se que se conheça o número de indivíduos em dois instantes t e t+Δt, podese escrever a seguinte equação:

Ou seja, o número de indivíduos no instante t+Δt corresponde ao número de indivíduos no instante t, N(t), acrescido do número de indivíduos originados por reprodução durante o intervalo de tempo Δt, que é aproximadamente r Δt N(t).

Pode-se escrever a equação (1) como

Neste caso, estamos fazendo uma aproximação para determinar o número de indivíduos por uma função contínua N que, a primeira vista, pode parecer bastante estranho para os biólogos; afinal como é possível "contar" o número de indivíduos continuamente, uma vez que parece mais razoável fazer esta contagem em tempo discreto.

A abordagem dada aqui se refere à escala de observação do fenômeno - e, neste caso, a utilização de uma função contínua N, para descrever a quantidade de indivíduos, pode ser razoável quando se considera, por exemplo, que a população é suficientemente grande de forma que a adição de alguns poucos indivíduos, comparativamente com a população existente, não implica grandes consequências, e que não há grandes mudanças na população nesse intervalo de tempo.

Tomando o limite quando Δt tende a zero na equação (2), tem-se a taxa de variação instantânea da população que, ao contrário, da variação média que é obtida num determinado período, esta pode ser calculada a qualquer instante:

Esta equação (3) é também conhecida como lei de Malthus, e significa que a variação instantânea da população é diretamente proporcional à própria população, com constante de proporcionalidade r. Utilizando-se as ferramentas do Cálculo é possível obter uma solução multiplicando ambos os lados por dt/N obtendo:

Integrando ambos os lados, tem-se:

Na equação (4), quando t = 0, tem-se que c = ln N(0). Além disso, a expressão no segundo membro desta é a equação de uma reta, o que explica a curva linear que é obtida no gráfico do logaritmo na base e do número de indivíduos encontrados em função do tempo, num experimento de cultura de bactérias, por exemplo. Neste caso, é bastante comum observar que, ao obterem uma reta como o resultado do gráfico de ln N(t) em função do tempo, os estudantes "concluírem" que a expressão que modela esta dinâmica é uma função exponencial. No entanto, essa "conclusão" é obtida, em geral, sem a devida compreensão da teoria matemática que embasa a interpretação da dinâmica exponencial.

Observa-se, também, na equação (4), que r é o coeficiente angular da reta obtida no gráfico tempo × ln N(t), o que indica que r está associado à taxa de variação da dinâmica desta população; interpretação esta que está relacionada com o conceito de derivadas.

Pode-se obter da equação (4) uma expressão para N(t) conhecendo-se N0 = N(0), que é a população inicial:

A equação (5) justifica o fato de dizermos que populações cujo crescimento pode ser modelado por meio da equação (3), ou pela lei de Malthus, estão sujeitos a um crescimento exponencial. No caso em que r > 0, isto significa que a população tem um potencial exponencial de crescimento, o que tem levado muitos ecólogos a estudarem os fatores da natureza que podem inibir este crescimento.

Apesar da simplicidade matemática da equação (5), ela pode ser aplicada a diversas situações biológicas, físicas ou químicas. Se r for negativo, por exemplo, esta equação indica que uma fração r da população está sendo removida, por unidade de tempo, da região, por morte ou migração, continuamente. Na Química esta mesma equação é utilizada para descrever o decaimento radioativo. A Figura 1 ilustra as possíveis curvas para N(t) para r < 0, r = 0 e r > 0.


O modelo de Malthus ignora diversos elementos biológicos que influenciam na dinâmica populacional de uma espécie, como: a distribuição etária da população, variações nas taxas de natalidade ou mortalidade ou outras inúmeras influências decorrentes do meio no qual a população está inserida. Mas isso não o desqualifica e nem o torna menos útil enquanto modelo matemático dinâmico que descreve o estado da população em cada instante sob algumas condições; e, portanto, as suas soluções exigem uma análise matemática condizente com a realidade do modelo.

Nesse sentido, o modelo matemático, embora sendo uma caricatura bastante ingênua do problema, oferece ferramentas que permitem, ao bom observador, vislumbrar diversos aspectos da realidade.

Diversas espécies, em diferentes situações, podem ter sua dinâmica representada, mesmo que somente durante um período, pelo modelo de Malthus, e, nessas situações, a Matemática permite que se façam algumas conclusões previsíveis acerca do futuro dessa população.

O parâmetro essencial no modelo de Malthus refere-se à taxa de crescimento da população, denotada por r, e que se considera que seja constante. O significado biológico deste parâmetro vai além da simples diferença entre os indivíduos que nascem e os que morrem. Este parâmetro incorpora características próprias da espécie bem como as condições do meio.

Seria, então, bastante razoável pensar neste r como sendo um parâmetro variável, em vez de constante, e que dependesse da própria população N.

Verhulst (2005), em 1838, apresentou, em seu trabalho, "Notice sur la loi que la population suit dans son accroissement", o argumento de que o crescimento de uma população está sujeito às flutuações causadas por diversos fatores, bióticos ou abióticos. Assim, as taxas de natalidade e mortalidade variam em função da própria população. Em termos biológicos, isto significa que se a população aumentar acima de um nível sustentável, a própria espécie se utiliza de mecanismos próprios que fazem com que a população reduza a taxa de reprodução; e se a população estiver num nível abaixo deste limite, então ela aumenta a taxa de reprodução.

Para Verhulst (2005), o crescimento de uma população não poderia seguir o modelo exponencial de Malthus. A explicitação da dinâmica das populações precisava de modelos populacionais mais complexos, pois na vida natural havia fatores inibidores constantes: a limitação das fontes de alimentos e a presença de predadores. No aumento de uma população há esses dois fatores. Por isso, Verhulst acreditava que o crescimento de uma população não era constante e que dependia de seu próprio tamanho, sendo proporcional ao valor máximo queela podia alcançar - vindo daí a chamada equação logística (BERGÉ, POMEAU, DUBOISGANCE, 1996).

Já no século XIX, Verhulst avaliava que a taxa de crescimento de uma população deve ser proporcional ao desvio entre a população atual e o valor máximo que a população pode alcançar. Em termos qualitativos: populações próximas do máximo prenunciavam uma redução e, populações distantes do máximo significavam a chegada de muitas "caras" novas.

Nesse sentindo, a taxa de crescimento intrínseca da população, r, para Verhulst, não poderia ser constante, mas passa a ser dada em função de , onde K é a= população máxima suportável.

Uma forma bastante simples de descrever esta idéia é supor, inicialmente, que b e d, que são as taxas de natalidade e mortalidade, utilizadas no modelo de Malthus para descrever o parâmetro r, dependem agora da população, ou seja:

b = b0 - kb N e d = d0 + kd N

Observa-se que b e d são funções lineares, onde b decresce a uma taxa kb com o aumento de N, e d cresce a uma taxa kd com o aumento de N. As constantes kb e kd representam a inclinação dessas duas retas, indicando a velocidade na qual os parâmetros b e d decrescem ou crescem com o aumento de N. As constantes b0 e d0 representam as taxas de natalidade e mortalidade existentes independente da população. Ainda, podemos dizer que b tende a b0 quando N tende a zero. Temos assim que b0 - d0 representa a taxa de crescimento intrínseca da população, denotada por r, no modelo de Malthus.

Diz-se que uma população encontra-se em equilíbrio quando: b = d, ou seja,

Chamando b0 - d0 de r, como no modelo de Malthus, temos que K= .

Assim, a população deve se estabilizar quando atingir o nível populacional K. Este K é comumente chamado de capacidade suporte da população (MURRAY, 1989; EDELSTEIN-KESHET, 1988) e indica o nível desejável no qual a população deve se manter, e r indica a medida da razão na qual este nível é atingido.

Voltando à equação de Malthus (1), tem-se:

Fazendo-se Δt tender a zero, teremos a taxa de variação instantânea da população, ou seja:

A solução da equação (6) é obtida por integração após a separação das variáveis (BASSANEZI, 2002), como no modelo de Malthus, obtendo-se:

A expressão para N(t) dada em (7) mostra que, para valores de t muito grandes, a população N tende à capacidade de suporte do meio, que é K, considerando-se r > 0, caso contrário, a população vai à extinção. A Figura 2 ilustra algumas dessas soluções considerando-se r > 0.


Uma experiência importante na história da equação logística foi realizada por Nicholson (2005), entomólogo australiano, que trabalhou como Chefe da Divisão de Entomologia Econômica no Conselho para Pesquisa Científica e Industrial - CSIR - entre 1936 a 1960. Esse experiente biólogo ficou conhecido por suas atividades com: controle biológico, taxonomia, ecologia, fisiologia, bioquímica e toxicologia. Tornou-se um sério pesquisador na área de dinâmica das populações de insetos.

Nicholson (2005) trabalhou com moscas-varejeiras, Lucilia cuprina, cujo ciclo é de 38 dias. Alimentou suas moscas com uma dieta de proteínas, uniforme e restrita. Quando a população estava muito grande, o alimento tornava-se insuficiente para que a procriação continuasse normal: poucos ovos eram postos e a população caía drasticamente. A população resultante, bastante reduzida, tinha alimento com fartura e voltava a crescer. De início, com população pequena, o crescimento é regular até atingir um ponto de saturação (população máxima suportável) onde a população tende a se estabilizar (BERGÉ, POMEAU, DUBOIS-GANCE, 1996).

Se tomarmos a equação (6), e supondo que o limite suportável (espaço + alimentação) fosse uma população de K=1000 moscas-varejeiras, o termo N/K representa a relação entre população atual e o limite suportável (isto é, o resultado da divisão da população atual pelo limite).

Se pensarmos do ponto de vista qualitativo ou lógico, quando a população se aproxima de 1 000, o valor de N/K se aproxima de 1. Daí, (1 - N/K ) se aproxima de zero. O resultado da multiplicação em que um dos números é bem pequeno, vizinho do zero, tende a ter um valor pequeno.

Considerando este experimento de Nicholson, iniciando com um número pequeno (200) de moscas: a população vai crescendo até encontrar o nível, K, de estabilização. A Figura 3 ilustra algumas dessas soluções para alguns valores de r.


A função dada em (7) apresenta um comportamento idealístico teórico para populações com autorregulação; obviamente populações reais não seguem exatamente este modelo, visto que diversos elementos biológicos que afetam direta ou indiretamente a dinâmica populacional foram negligenciados na construção deste modelo. No entanto este modelo, teórico, fornece um padrão de comportamento geral para estas populações e identifica, matematicamente, os parâmetros que regem este sistema.

Assim, a utilidade "prática" deste modelo está associada à capacidade de interpretação biológica para esses parâmetros e variáveis, tarefa esta que deve ser realizada por biólogos e matemáticos conjuntamente.

Algumas interpretações biológicas da equação logística

A obtenção de um modelo matemático que representa um fenômeno biológico permite uma análise do problema utilizando os conceitos e as ferramentas da Matemática; e embora, do ponto de vista matemático, se deseje obter uma solução para a equação, em Biologia isso não é tão relevante quanto as interpretações biológicas que resultam de todo o processo de obtenção da solução.

No caso da equação logística, isto se torna bastante evidente, sobretudo pelo fato de que algumas soluções para o modelo não podem ser evidenciadas claramente na realidade, mesmo podendo ser constadas experimentalmente.

Em termos biológicos, a equação logística apresenta duas características importantes em dinâmica de populações: o termo rN representa o crescimento populacional quando esta se encontra em condições totalmente favoráveis para sua reprodução, ou ainda quando a densidade populacional está abaixo da sua capacidade suporte; e o termo representa o efeito da superpopulação na regulação da densidade populacional.

Quando N torna-se maior do que K, teremos que torna-se negativa, o que implica que a população diminui.

Assim, a equação logística expressa uma dinâmica para populações cujas características de crescimento são essencialmente governadas por dois parâmetros r e K, que são a taxa de crescimento intrínseca da população e a capacidade suporte do meio para ela. Desprezando-se outros efeitos sobre a dinâmica populacional, muitas espécies invasoras - também denominadas alienígenas -, de uma região comportam-se desta maneira.

Neste caso, a ausência de predadores e as condições favoráveis ao seu desenvolvimento, inicialmente encontradas pela espécie invasora, determinam um crescimento exponencial à população, governado pelo parâmetro constante r. No entanto, o surgimento de predadores, a escassez de espaço, a competição, entre outros fatores, concebem um efeito regulatório a esta população. Este efeito pode ser quantificado pelo parâmetro K.

Em termos geométricos, a segunda expressão do lado direito da equação (6) é representada por uma parábola com concavidade para baixo, com zeros em N = 0 e N = K, que são chamados de soluções de equilíbrio da equação diferencial logística (6), pois nesses pontos tem-se que , como podemos ver na Figura 4 (MURRAY, 1989).


Observa-se também que, para N < K, existe uma diferença qualitativa quanto a N < K/2 e N > K/2, isso decorre do fato de que > 0 para N < K/2, o que significa que a população está crescendo até K; e para N > K/2 tem-se que < 0, indicando que a população está decrescendo para K. Além disso, o vértice da parábola, que é o ponto (K/2, rK/4), indica que a variação máxima de N(t) ocorre quando esta se encontra na metade da sua capacidade de suporte.

Fazendo N(t) = K/2 na equação (7), é possível determinar o instante tm em que a população atinge esta variação máxima, que é dado por (K - N0) , considerando-se que N0 < K/2.

Após atingir esta variação máxima, em t = tm, a quantidade de indivíduos que estava aumentando começa a reduzir. Isto significa que o ponto (tm , N(tm) ) é um ponto de inflexão para a curva N(t) dada em (7), quando assumimos uma população inicial N0 < K/2.

No entanto, para K/2 < N0 < K, a curva N(t) não apresenta ponto de inflexão, como pode ser observado na Figura 2 (BASSANEZI, 2002).

As coordenadas cartesianas desse ponto de inflexão indicam o instante em que ocorre uma mudança na variação (de positiva para negativa) do número de indivíduos, representada por , e o valor de N neste instante.

O significado biológico deste ponto de inflexão vai além da simples mudança quanto ao crescimento ou decrescimento da função N. Ele representa a influência da quantidade de indivíduos como fator regulatório para sua dinâmica.

Além disso, esta reflexão matemática e biológica para este exemplo em particular favorece a transposição do senso comum para o conhecimento científico, obtido por meio da compreensão dos procedimentos, conceitos, fórmulas, regras e resultados matemáticos (LORENZATO, 2006).

Destas considerações matemáticas obtidas da equação logística no ensino de Cálculo podemos perguntar: Qual a importância, do ponto de vista biológico, da aplicação e interpretação da equação logística?

Aos alunos é essencial o estabelecimento das duas fronteiras - equação logística e fenômeno biológico - para resolver dilemas da evolução e dinâmica das espécies. Sabemos que, na prática, muitos detalhes de uma dinâmica populacional, por exemplo, não podem ser observados, porque apenas o resultado final dessa dinâmica é analisado estatisticamente. Mas, a matemática que trabalha com a equação logística oferece, aqui, um diagnóstico teórico desta dinâmica capaz de identificar os elementos quantitativos responsáveis pela variação no sistema. A compreensão dos alunos da matemática envolvida no modelo permite a construção de significados aos parâmetros e variáveis existentes na equação, o que possibilita o entendimento do fenômeno biológico em uma perspectiva de evolução das espécies estudadas.

Com essa jornada pela equação logística, os alunos envolvem-se com um novo tipo de estudo matemático e uma nova interpretação matemática. Não há uma dicotomia entre os fenômenos biológicos e os modelos matemáticos, pois se entende que os fenômenos da biologia podem ser interpretados matematicamente. Ou, como afirmou Stewart (1996), pode-se falar de uma "matemática da natureza".

Considerações finais

Apesar de a Matemática estar presente no currículo das Ciências Biológicas, os estudantes, mesmo com essa experiência acadêmica necessária aos seus estudos, não a veem como instrumental ao pensamento e aplicação biológicos. Não são capazes de utilizar os conhecimentos da disciplina Cálculo para a interpretação de fenômenos biológicos. É um problema da tradição da disciplina Cálculo nos currículos de formação científica ligada à Biologia. Ou seja, a prática dedutiva da Matemática não se coaduna com a prática indutiva da Biologia. De um lado, temos professores de Matemática que concebem a aprendizagem em Matemática como repetição de listas de exercícios, fundamentando-se na transmissão dos conteúdos pela concordância silenciosa dos alunos. De outro, temos estudantes que estão em um curso que privilegia o contexto do fenômeno, as atividades experimentais e são formados por biólogos que, também tradicionalmente, têm grande repulsa à idéia de uso da Matemática para a compreensão de fenômenos de sua área, mesmo entendendo que o progresso científico ocorre pela combinação dos seus experimentos e do avanço matemático na construção e análise dos modelos. São dois pólos opostos do ponto de vista epistemológico e metodológico, mas que devem e podem ser combinados para um novo modelo de interpretação de fenômenos biológicos.

Na própria Matemática existem, hoje, teorias matemáticas e computacionais cada vez mais avançadas, oferecendo condições para análise de diversas complexidades de um fenômeno biológico. O fato de que muitas questões complexas, ou mesmo intrigantes, da natureza podem ser explicadas por meio de equações matemáticas tem atraído a atenção de muitos pesquisadores de diversos domínios das Ciências Biológicas para a área matemática. A crítica aos modelos matemáticos simples, ou obtidos por observações elementares da realidade biológica, se deve à falta de uma interpretação adequada do modelo e das possíveis realidades apresentadas por ele.

Além disso, os modelos matemáticos não fornecem apenas uma única explicação para o problema. O modelo e seus resultados são independentes das diferenças que existem entre cada especificidade do problema real. Isso cria um modo de pensar a Matemática não como uma norma, mas sim, uma procura de explicitar fenômenos em sua dinâmica e evolução.

Aos estudantes de Biologia, um ensino que privilegie a construção de modelos de acordo com o tipo de fenômeno - dinâmica populacional, análise de base territorial de animais, sistemas genéticos, entre outros - leva à vivência dos dois campos de conhecimento, à interpretação de objetos de suas áreas de formação, à dúvida metódica e à contextualização dos fenômenos biológicos. Há uma boa chance de que a disciplina Cálculo venha a ser possível, como chamou Waddington (1979) de instrumental para o pensamento biológico.

Artigo recebido em abril de 2008 e aceito em novembro de 2008

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  • 1
    Av. Colombo, 5790 Jardim Universitário - Maringá, PR, Brasil 87.020-900
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2008
    • Recebido
      Abr 2008
    Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
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